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Densha Otoko: Um conto de fadas otaku

Por: em 21 de novembro de 2015

Densha Otoko: Um conto de fadas otaku

Por: em

Em 2009 foi lançado um filme chamado “500 Dias Com Ela”. O filme fazia uma apresentação dos protagonistas, antes da história realmente começar e então um narrador diz “Essa é uma história onde o garoto conhece a garota, mas você precisa saber, essa não é uma história de amor”.

Bom, se você já assistiu o filme, então sabe exatamente o porque dessa frase, mas se não assistiu, isso não importa, porque ela traduz o que eu preciso por si só: se você é (ou era) um nerd, geek, otaku… enfim, fazia parte dessas tribos que, durante muito tempo foram isoladas do resto das pessoas, então já sentiu como se essa frase descrevesse sua vida. Para muitos desses garotos, a história nunca avançava do “boy meets girl” para “girl falls in love for boy“. Mas Densha Otoko não é uma dessas histórias.

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Densha Otoko (Homem do Trem), é nada menos que o nome de usuário, ou nickname, de um dos milhares de frequentadores de um fórum de solteiros japonês (2channel) que, um dia, cria um tópico para contar sua história e desabafar: Ele conheceu a garota dos seus sonhos, se apaixonou por ela à primeira vista a viu entrar no mesmo trem que ele e ela nem tinha notado sua existência. Afinal, ele era um otaku, e, no Japão, otakus eram inferiores ao resto da sociedade, esquisitos, estranhos, uma praga, eram desprezados por todos. Mas o maior plot twist  da vida dele estava pra acontecer quando um velho bêbado tentou abusar da moça e, pela primeira vez na vida, ele tomou coragem e enfrentou o homem. É claro que a tentativa não foi bem sucedida, mas ele se fez notar. Em agradecimento pelo gesto, ela lhe enviou um conjunto de xícaras de porcelana Hermès. Ao ler a história de Densha, vários usuários se sensibilizaram e enviaram-lhe mensagens de encorajamento, dizendo que ele deveria superar suas dificuldades e tentar conquistar a “garota Hermès“, como ela seria chamada no fórum a partir daquele momento. E, é claro, não seria fácil.

O dorama estabelece logo nos momentos iniciais o que é ser um otaku hardcore como Densha (que não é identificado no livro de origem, mas aqui recebeu o nome de Yamada), fazendo um giro pelo bairro mais frequentado por nosso herói, Akihabara, uma profusão de lojas de eletrônicos, video-games, mangás, maid-cafés abarrotados de jovens (e velhos!) otakus, em sua maioria rapazes, atordoados pela quantidade informação disponível no bairro que é conhecido como um paraíso otaku. E lá está ele, Yamada, e seus amigos, em suas atividades usuais. Estas incluem fotografar tornozelos de atrizes, se maravilhar com vozes e entrevistas de dubladoras e assistir animes e tokusatsus (séries  de super heróis com monstros e robôs gigantes, tipo Power Rangers e coisas do gênero) onde as figuras femininas são absurdamente sexualizadas. E como se isso não bastassem, ainda existiam bustos e action figures igualmente sexualizados para fazer a alegria dos jovens, o que também levanta uma dúvida sobre se os japoneses são mesmo tão cruéis assim por desprezá-los. Não vamos negar, é meio creepy. A trilha sonora inicial, a música Mr. Roboto, da banda Styx, se encaixa perfeitamente na cena.

Mas se você estava esperando um estereótipo engraçadinho, como os nerds de The Big Bang Theory, pode tirar seu cavalinho da chuva. Ainda no inicio do primeiro episódio sentimos o desprezo da sociedade pelos otakus quando Yamada acidentalmente esbarra numa moça, derrubando sua bolsa e espalhando pertences no chão. Ele se abaixa para ajuda-la mas, no momento em que lhe entrega o pincel de maquiagem que havia caído, ela exibe uma expressão de nojo e joga o objeto no lixo. E se você acha isso pouco, saiba que não é, pois os japoneses são os mestres do melodrama, e Yamada vai sofrer muito até o fim dos 11 episódios da mini-série para superar sua “condição” e conquistar a garota dos seus sonhos. E, para isso, ele vai contar com a ajuda dos seus vários amigos no fórum de solteiros, que sugerem desde cortes de cabelo mais estilosos até restaurantes bons para primeiros encontros.

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E como nem tudo é feito de dramas, Densha Otoko tem momentos igualmente engraçados, com ótimos coadjuvantes que, em sua maioria, estão lá para trazer um pouco de respiro os dramas do protagonista. A minha preferida é Misuzu Jinkama, uma das colegas de trabalho de Yamada, a mulher uma espécie de secretária-do-mal que o coloca em várias situações embaraçosas, botando tanto medo nele que, sempre que ela aparece, é tocada a “Marcha Imperial” de Star Wars. Aliás, as referencias à cultura pop são uma constante no drama, sendo tão integradas a ele que se tornam estruturas da narrativa, dando o tom das cenas, e até mesmo dos personagens em vários momentos. Quando nosso herói, por exemplo, conquista algo, é tocada uma trilha que lembra a dos games antigos como Megaman, para sinalizar essa vitória: nosso herói subiu de nível, ganhou um novo super-poder (mesmo que esse nível seja “ser notado” ou “um corte de cabelo novo”).

Mas como nada é tão difícil que não possa ficar um pouco mais, nosso Homem do Trem tem o seu próprio vilão, que surge quando um dos leitores do fórum se apaixona pela tão falada garota Hermès, apenas lendo os posts sobre ela no fórum! (Mas os japoneses são mesmo esquisitos né?). A partir daí, esse rival passa a fazer de tudo para sabotar a jornada de nosso herói, mas para nosso alívio, seus planos são tão geniais quanto os da Equipe Rocket, de Pokemon, ou do coiote dos Looney Tunes. Enquanto isso, é especialmente tocante assistir os esforços de Yamada e a própria transformação pessoal que o personagem empreende após conhecer a garota. Essa evolução é representada pelo contraste com a figura de seus amigos otakus, que permanecessem no mesmo ponto durante toda história, funcionando como referencia do ponto inicial da história.

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Subtramas são quase inexistentes no dorama, e, apesar dos alívios cômicos, o que prevalece na história é a relação entre os protagonistas. A dinâmica entre Yamada e a garota Hermès é construída gradualmente, de um jeito bonito de se ver, à medida que o estranhamento da moça em relação aquele cara esquisito que se esforça tanto para ser notado por ela, aos poucos vai se transformando em empatia, como o desabrochar de um amor, de um jeito puro e quase ingênuo que parece existir só mesmo nos contos de fadas. Os personagens, que, no primeiro episódios foram apresentados quase como dois esteriótipos conflitantes e unidimensionais, vão se mostrando cada vez mais complexos e profundos. Ao mesmo tempo nós ficamos apreensivos com essa curva ascendente, comemoramos cada conquista como se fosse nossa e nos entristecemos a cada derrota.

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Isso porque o Homem do Trem poderia ser qualquer um de nós, em qualquer lugar do mundo, representantes de tribos excluídas, impelidas a ficar em seus casulos porque lhes disseram que são inconvenientes demais para sair a luz do dia. Ele nos encoraja a aceitar quem somos, mesmo que muitos outros não aceitem, e a lutar pelos nossos sonhos, mesmo que este sonho seja algo, para muitos, bem simples e ingênuo, como amar e ser amado.

Densha Otoko é uma história onde “o garoto conhece a garota”, mas é, sobretudo, uma história sobre empatia e, pode acreditar, 


Heitor Oliveira

Apaixonado por ficção científica, mais reverso que o Eobald Thawne e crítico de araque.

Salvador/BA

Série Favorita: Battlestar Galactica

Não assiste de jeito nenhum: Procedurais

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