Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

Fresh Off the Boat

Por: em 15 de outubro de 2015

Fresh Off the Boat

Por: em

Não é nenhum mistério para um Apaixonado por Séries que os canais norte-americanos estão fazendo um esforço para ter mais diversidade em suas séries. Dado o sucesso de Orange is the New Black, Transparent, Black-ish, Empire, Jane the Virgin, entre outras, que têm uma gama de personagens classificados como minorias, como gays, negros, transexuais e latinos, agora chegou a vez dos asiáticos (com o perdão de uma grande generalização) e Fresh Off the Boat.

Fresh-off-the-boat-2

A comédia estreou no ano passado e foca em uma família taiwanesa-chinesa-americana que muda de Chinatown (Washington) para Orlando (Flórida) e precisa se adaptar às diferenças culturais enquanto tocam um restaurante especializado em carnes. Tudo isso no longínquo ano de 1995.

Fresh Off the Boat é baseada no livro autobiográfico de mesmo nome do chef Eddie Huang e marcou história por ser a primeira série com protagonistas asiáticos desde All-American Girl, da comediante americana descendente de coreanos Margaret Cho (Drop Dead Diva), em 1994. E a segunda sitcom com protagonistas asiáticos de toda história da TV norte-americana, enquanto a estreante Dr. Ken (veja aqui nossas primeiras impressões), de Ken Jeong (Community), é a terceira. Lembrando que os asiáticos são o grupo étnico que cresce mais rapidamente nos Estados Unidos hoje.

Quem acompanha séries de comédia vai identificar o estilo de narração, muito semelhante ao aplicado em Everybody Hates Chris: temos a história narrada pelo filho mais velho e pré-adolescente da família, Eddie (Hudson Yang), mas muitas vezes o show é roubado pelos pais Louis (Randall Park) e Jessica (Constance Wu, o grande destaque). Eddie tem dois irmãos mais novos, Emery (Forrest Wheeler) e Evan (Ian Chen).

Eddie é um super fã de hip-hop e basquete, sendo um típico pré-“aborrescente” começando a se rebelar contra os pais. Ele explica ao espectador algumas peculiaridades da cultura chinesa e a série aproveita para brincar (perigosamente, diga-se de passagem) com alguns estereótipos, como os pais que exigem demais academicamente dos filhos, colocando-os em aulas extras para não perderem as raízes de suas culturas, crianças mais inteligentes do que a média ocidental e a passividade do homem asiático. Seus irmãos são mais adaptados aos Estados Unidos. Emery é romântico, inteligente e está sempre rodeado de meninas, enquanto Evan, o mais novo, é aquele menino certinho que sempre faz tudo certo.

Louis é um pai bonzinho que realmente gosta da cultura norte-americana e tenta se adaptar da melhor forma possível. Por isso, abre o restante Cattleman’s Ranch, onde costuma ir trabalhar com roupas com inspiração no velho oeste. Jessica é a melhor parte da série, sendo uma mãe pragmática, que acredita nos ensinamentos do “amor difícil”, e é independente e forte. Ela tenta se enturmar com as esposas do bairro, mas acaba se tornando a melhor amiga de Honey (Chelsey Crisp), sua vizinha, companheira do clube do livro do autor preferido de ambas, Stephen King, e a “ameaça” do bairro, por ser a mais jovem das esposas perfeitas.

Temos ainda as intervenções da Grandma Huang (Lucielle Soong), mãe de Louis, que vive com a família. Ela praticamente só fala em chinês e ajuda Eddie quando ele quer fazer uma entrada espetacular cheia de swag em cena.

Ao longo dos episódios, vimos como a família se adaptou à nova vizinhança e escolas, além de algumas particularidades de seus membros. Como qualquer jovem, Eddie passa horas ouvindo a música “End Of The Road”, de Boyz II Men, depois de uma decepção amorosa – culminando na família cantando a música durante um jantar. Jessica adora negociar descontos, chegando ao ponto de inventar uma briga em chinês com o marido só para forçar os sub-gerentes de uma concessionária a chamarem seus superiores e abaixarem o preço do carro desejado. Ela também gosta de cantar hits de qualquer karaokê asiático, como Whitney Houston. Louis gosta de agradar os outros e tem muita dificuldade de demitir alguém. Enquanto isso, alguns dos grandes conselhos da série vêm dos irmãos mais novos.

Cena de Fresh Off the Boat

Na segunda temporada, que terá 22 episódios e começou em setembro, teremos Eddie entrando na adolescência e todos os problemas que esta fase da vida trás.

Crítica

Enquanto o público em geral está gostando da série (com a audiência da segunda temporada mais alta do que a da primeira), o verdadeiro Eddie Huang, que tem fama de ser um bad boy e cresceu como vítima de violência doméstica (uma grande diferença do pai retratado na série), não está nada satisfeito com a representação de sua família.

Em artigo escrito para a revista New York, Eddie criticou terem suavizado e modificado sua história, e terem contratado uma roteirista com ascendência iraniana (Nahnatchka Kahn, que fez Don’t Trust the B—— in Apt 23) para adaptar as dificuldades de uma família chinesa. “Por que não pode ser um taiwanês ou chinês escrevendo? Tenho certeza que tem algum coreano raivoso em Hollywood que cresceu comendo [o presunto enlatado] Spam, vendo seu pai batendo na mãe, que sabe usar o [software de texto] Final Draft!”

O chef fala ainda sobre o preconceito que sofreu nos EUA e estas histórias deveriam aparecer na série. “Eu estava feliz de estar ali, e todo o tempo me falavam que eu era asiático demais, asiático de menos, muito gordo, muito magro, eu ouvi de tudo. Você tem que lutar contras eles em todos os passos [do caminho]”, escreveu.

Uma das cenas cortadas do livro e que Huang queria que estivesse no piloto era quando o jovem Eddie vê pela primeira vez macarrão com queijo.

“Durante a turnê do livro, era minha cena preferida de ler porque mostrava o quão estrangeira a cultura branca era para mim. Lembro a primeira vez que vi macarrão com queijo, como visita na casa do meu amigo Jeff, pensando que era intestino de porco cortado em meias-luas misturado com molho de laranja. Jeff achou que era mentira que eu não sabia o que era macarrão com queijo, mas foi um momento de formação de caráter; ele sofreu o que eu sofro, descobrindo como é sentir ser observado e visto como exótico ao invés de ser aquele que observa. O script pegou o momento e o tornou engraçado ao invés de fazer um momento de aprendizado, então eu me manifestei. ‘A piada dessa cena não existe. As pessoas precisam entender o quão estranho foi para o jovem Eddie ver macarrão com queijo pela primeira vez’.”

Por diferenças criativas, a cena foi cortada do episódio.

Eddie mostra também no Twitter (@MrEddieHuang) sua insatisfação com a série, mas afirma que fica feliz ao ver que muitos asiáticos conseguem se identificar com as situações (que ganharam até uma lista – bem verdadeira – no BuzzFeed gringo).

Sim, minha ascendência é japonesa e eu sempre vivi no Brasil, mas muitas das cenas da série eu – infelizmente – também passei/passo.

Já Constance Wu criticou em entrevista ao New York Times o racismo que as séries com protagonistas não-brancos sofrem.

“Todos as nossas séries e livros nos EUA são contados do ponto de vista branco. Eu disse outro dia que Togetherness é uma série sobre pessoas brancas em Highland Park e meu amigo branco disse ‘aw, não diga isso, eles são apenas pessoas’. E eu falei tipo, OK, por que minha série não é apenas sobre pessoas? Por quê somos uma sub-etnia de pessoas? E por que pessoas brancas podem ser “apenas pessoas” sem rótulos?

O fato é que eles podem existir “apenas como pessoas” porque esse é o padrão. Tenho ressentimento dos irmãos Duplass ou de Lena Dunham por escreverem sobre suas próprias experiências? Claro que não; a melhor escrita é sobre sua experiência. Mas a experiência deles é permitida porque eles vêm de um recorte de privilégio.

O que é legal da nossa série é que na superfície pode ser como qualquer família tradicional de sitcom, mas é especial porque estamos tomando posse da história e dizendo que também é válida e merecedora de audiência.”

Mesmo com as críticas de Eddie Huang, Fresh Off the Boat continua sendo uma série que merece o tempo dos espectadores, com 20 minutos leves e divertidos. Mas também seria legal ver a verdadeira história do chef, mostrando os personagens fora de suas caixinhas estereotipadas. Quanto mais histórias e representatividade de minorias, melhor. Todo mundo só tem a ganhar.


Bianca

Feminista interseccional, rata de biblioteca, ativista, ama filmes, séries, cultura pop e BTS. Twitter sempre vai ser a melhor rede social.

São Paulo - SP

Série Favorita: Grey's Anatomy

Não assiste de jeito nenhum: Lost

×