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Hannibal e a subversão do padrão de relações masculinas

Por: em 5 de setembro de 2015

Hannibal e a subversão do padrão de relações masculinas

Por: em

Durante 3 temporadas, a NBC levou ao ar uma série ousada. Quebrando padrões narrativos e até mesmo sensoriaisbastaram apenas 39 episódios para que a versão de Bryan Fuller da história do assassino canibal ganhasse o status de cult e se tornasse um dos cancelamentos mais lamentados dos últimos anos. Hannibal até pode ganhar sobrevida ainda – Fuller diz não descartar um filme -, mas, por agora, o que sabemos é que a conturbada relação entre o Dr Hannibal Lecter e o agente especial do F.B.I Will Graham chegou ao fim há uma semana.

Uma das bases do show, a relação entre os dois protagonistas, brilhantemente interpretado por Mads Mikkelsen e Hugh Dancy, respectivamente, sempre esteve no centro dos debates. De um lado, os apoiadores da tese de que existiam sentimentos românticos compartilhados – a fanbase “Hannigram”. De outro, os que achavam tudo um delírio dos fãs. No meio, aqueles que nem conseguiam ver um romance, nem achavam uma ideia totalmente absurda, graças aos muitos subtextos que o roteiro sempre jogou, abrindo a margem para a ideia do romance.

Hannigram

Na temporada final, o subtexto deu lugar a um texto mais direto, com personagens afirmando com todas as letras que entre Hannibal e Will existia algum tipo de paixão fulminante o suficiente para impedir que um se distanciasse do outro, mesmo sabendo o quão nocivo o relacionamento entre os dois havia se tornado. Mas o que, de fato, existia entre Will e Hannibal? Depois do series finale, fica comprovada, por A+ B, a forte ligação que eles compartilhavam.

A sequência final antes dos créditos, que envolve um Will quase morto dando cabo da vida do Dragão Vermelho e caindo nos braços de um Hannibal também danificado, tem uma aura de poesia mórbida em torno de si. Quando Hannibal diz: “Isso é tudo o que eu sempre quis pra você, Will. Pra nós dois.” e recebe um olhar carinhoso em troca, antes de um abraço e dos dois caírem – juntos – penhasco abaixo, é quase uma confirmação do que Bedelia afirmava há 3 episódios para um então cético Will: Havia um sentimento entre os dois.

O DailyDot escreveu um artigo maravilhoso sobre isso, do qual trazemos alguns pontos traduzidos abaixo, antes de continuar a discussão.

“Hannibal está apaixonado por mim?”

Este questionamento, hesitantemente feito por Will Graham, ocorreu na cena do episódio de Hannibal do sábado dia 22/08, o último episódio antes da series finale da série. A pergunta e sua resposta: “Sim, mas você sente o mesmo por ele?” abriu as portas para especulações de para onde o show irá caminhar, depois de tanto tempo. Mas o que é “onde”? Depois de três temporadas, por que ainda existe tanto debate em torno da relação que Will e Hannibal compartilham?

Durante sua prematura jornada, Hannibal continuamente testou limites. Mas uma das mais interessantes subversões é uma que talvez nós tenhamos dificuldade para falar sobre: Hannigram – o nome do fandom ship referente a relação profundamente passional mas não sexualizada entre Hannibal e Will Graham.

Pouco antes da 3ª temporada, Bryan Fuller falou sobre o subtexto homoerótico da série. “É um texto, em muitos dos capítulos. Queremos explorar a intimidade entre esses dois homens de um jeito não-sexual. Não é sexual, é além disso. É uma pura intimidade em um modo não-físico.” Em entrevistas durante a 2ª temporada, o criador havia se referido ao relacionamento como “sedutor” e um “romance heterossexual.”

Alguns fãs, após essa declaração, acusaram a série de queerbaiting (quando existe a insinuação de um romance entre duas pessoas do mesmo sexo, mas sem nunca ir além, como forma apenas de atrair público), levando a uma cuidadosa análise da relação entre os dois. Em uma narrativa que usa queerbait, a conotação sexual aparece de forma explícita, para logo em seguida ser negada com expressões como “no homo” e abrindo espaço para a heteronormatividade.”

hannigram 2x13

Mas, como o próprio artigo coloca logo depois, Hannibal nunca foi uma série heteronormativa. De fato, a única relação amorosa que teve um final “feliz” foi uma relação lésbica. Todas as outras tentativas de relacionamento deram errado, por um motivo ou outro (salvo o casamento de Jack, que acabou devido a morte de Bella). O subtexto entre Will e Hannibal, muitas vezes, era mais um texto direto. Vejamos, por exemplo, um diálogo compartilhado entre Will e Bedelia a alguns episódios do fim da série:

Bedelia: Olá Will.

Will: Você prendeu sua estrela a um homem conhecido com um monstro. Você é a noiva Frankenstein.

Bedelia: Ambos fomos noivas dele.

Will: Como você conseguiu se afastar ilesa? Estou coberto de cicatrizes.

Bedelia: Eu não era eu mesma. Você era. Mesmo quando você não era, você era

Will: Você usou uma armadura boa.

Bedelia: Não. Você estava nu. […] Você já foi vê-lo ?

Will: Sim.

Bedelia: Você não aprendeu sua lição, não é? Ou sentiu falta dele tanto assim ?

Will: Você já foi vê-lo ?

Bedelia: Já vi o suficiente dele. Eu estava com ele por trás do véu. Você sempre esteve do outro lado.

Ao ser questionado por Bedelia, Will não nega a influência que Hannibal exerceu em sua vida e muito menos que tenha visitado uma “antiga paixão.” Quotando novamente o artigo, “O próprio Hannibal já manifestou seus sentimentos por Will como “amor” inúmeras vezes. Mas esse amor é ciumento, doentio, possessivo, obsessivo e custou a  Will tudo de bom que ele tinha em sua vida.”

Já era esperado – ao menos por mim – que a relação não ganhasse contornos sexuais – e, honestamente, diante das inúmeras cenas ou diálogos, não era preciso uma relação sexualizada para provar que existia um sentimento forte unindo Will e Hannibal. Além dos subtextos, a própria parte técnica da série também ajudava: A música que embala a última cena dos dois, onde ambos matam Dolarhyde e caem juntos depois de uma demonstração de carinho, se chama Love Crime. 

hannigram 1x05

Contudo, o artigo debate até onde é saudável a representação de subtextos, chamando atenção para o fato de que a falta de representação de personagens queer na mídia e outros elementos, como a pressão dos fãs, contribuíram para que se torne difícil fazer uma interpretação não-binária da relação Hannigram. “Ou os personagens se beijam, tornando a relação sexualizada de uma forma que inequivocamente não deixa margem para interpretação, ou a relação é considerada uma relação platônica entre pessoas heterossexuais onde o interesse homoerótico é “subtextual.” Em um mundo onde a heteronormatividade ainda é o “padrão” nos meios de comunicação, subtexto, em última análise, só serve para o apagamento de personagens queer.

É aí que entra a maior contribuição de Hannibal enquanto série: Despertar a consciência de que, as vezes, é preciso ir além das lentes heteronormativas que nos obrigam a escolher necessariamente um lado. Despreendendo-se disso, a relação entre Will e Hannibal ganha contornos sutis e muito interessantes de serem debatidos. O artigo traz falas de alguns fãs, que em geral, analisaram Hannigram por outro caminho. De fato, é uma relação estranha, doentia (Will vive quase numa Síndrome de Estocolmo. Hannibal destruiu tudo de bom que ele tinha e ainda assim, ele não consegue se afastar dele) e, como eu disse antes, o fato de não ser sexualizada não anula o sentimento que ficou claro existir.

Precisamos ter esse exercício de olhar além. Hannibal, como o título do texto coloca, trouxe uma subversão ao padrão de relação entre dois homens. Não consigo me lembrar de algum relacionamento recente nas séries de TV tão íntimo como o que aconteceu entre Will e Hannibal. Intimidade não está ligada à sexualidade e, por mostrar isso tão bem (além de todos os seus outros méritos), é uma pena que essa série tenha sido cancelada.

Pra terminar, traduzimos abaixo o depoimento de uma fã, citado no artigo, e que pode resumir tudo o que foi colocado aqui:

Interações sexuais não ditam se duas pessoas estão envolvidas. A natureza do programa [Hannibal] baseia-se nos meandros de ligações, seja ela sexual, romântica, ou de outra forma. A obsessão de Hannibal por Will fez com que muitos espectadores rotulassem o relacionamento como uma sede de sangue, paixão, violência.

Havia desejo, e como Hannibal e Will são ambos do sexo masculino, isso constitui uma relação queer, já que muitas de suas ações mostram que eles estão agindo com base nesses sentimentos. As conversas de Bedelia e Will vem colocar Hannigram como um fato real, mesmo. Não foi “fanservice, foi uma exploração precisa e uma explicação do relacionamento mais profundo e significativo do show.


Alexandre Cavalcante

Jornalista, nerd, viciado em um bom drama teen, de fantasia, ficção científica ou de super-herói. Assiste séries desde que começou a falar e morria de medo da música de Arquivo X nos tempos da Record. Não dispensa também um bom livro, um bom filme ou uma boa HQ.

Petrolina / PE

Série Favorita: One Tree Hill

Não assiste de jeito nenhum: The Big Bang Theory

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