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Maratona My Mad Fat Diary – 2ª Temporada

Por: em 3 de setembro de 2017

Maratona My Mad Fat Diary – 2ª Temporada

Por: em

Eu adoraria saber como iniciar esse texto. Passei algumas horas encarando essa página em branco e me questionando por onde começar, mas, para ser sincera, nem sei se já consegui digerir tudo o que me foi apresentado nessa segunda temporada. Veja bem, acredito fielmente que divulgar essa série e apresentá-la ao maior número de pessoas é uma das missões da minha vida. Sendo assim, repito diária e incansavelmente que My Mad Fat Diary é uma série maravilhosa, delicada e inspiradora, no entanto, tirar um tempo para revê-la e me encontrar novamente com Rae, Kester e a gangue têm me feito perceber como a narrativa é ainda mais complexa, sensível e bem construída do que me lembrava.

Enquanto a primeira temporada tentava nos introduzir a Rae, seus problemas e sua família, ao mesmo tempo em que construía sua relação com os novos amigos, com Chloe e com Finn, essa segunda temporada, por sua vez, traça um caminho oposto, abalando todas as relações e certezas estabelecidas até aqui.

Reprodução/E4

Com isso surge uma diferença óbvia no tom da narrativa, que se torna menos palatável e mais indigesta, mas que em nenhum momento perde sua qualidade. Muito pelo contrário. Em seu segundo ano, My Mad Fat Diary apresenta uma trama mais madura, sombria e introspectiva que nos permite mergulhar em Rae – e nos demais personagens – por mais tempo e com maior profundidade.

Após um verão dos sonhos, a realidade resolveu bater à porta, levando aquele grupo de amigos de volta ao colégio e a todos os problemas que surgem nessa adorável instituição social. O que vimos a partir daí foi uma sucessão de erros vindas de todas as partes, revelando o que de pior e mais frágil havia em cada um deles.

Reprodução/E4

Começamos por (Uncle) Archie. Tudo o que o garoto queria era conseguir se manter longe do “radar” até se formar. Alguém pode culpá-lo por isso? Eu certamente não. Ainda assim, isso não justifica as atitudes controversas que tomou em sua tentativa falha de fingir ser outra pessoa e se auto preservar. Não foi correto aceitar as piadas sobre Rae ou continuar a iludir garotas frágeis. E ele sabia disso.

O ponto alto do personagem, contudo, veio quando precisou reunir toda sua coragem e assumir sua homossexualidade. A conversa que teve com Rae a respeito de seus medos – sobre a reação das pessoas, os apelidos e especialmente o que Finn, seu melhor amigo desde sempre, iria pensar – é tocante e necessária, pois nos lembrar que Archie tinha todos os motivos do mundo para estar assustado. Embora tenha conseguido a aceitação dos amigos – apesar de certa relutância de Chop – e se entendido com a família, assumir sua orientação sexual o fez experimentar várias situações de homofobia. Era 1996, como ele mesmo lembra, mas as pessoas não haviam evoluído o suficiente para que algo tão natural como a sexualidade de alguém deixasse de ser motivo de estigma e violência. É triste constatar que vinte e um anos depois (duas décadas, pelo amor de Deus!), a nossa realidade não é muito diferente, fazendo o discurso de Archie sobre ter que travar batalhas por toda vida algo ainda mais emocionante e poderoso.

Reprodução/E4

Enquanto isso, Chloe se encontrava em uma espiral de auto-depreciação e destruição. Apesar de toda confiança que aparenta, a garota é um poço de baixa auto-estima e fragilidades. A aparência claramente não é um problema para ela, mas estar dentro de um padrão estético não anula todas as outras questões e inseguranças de uma pessoa. Especialmente de uma mulher. Como mencionei no texto anterior, ser um membro do gênero feminino é uma questão importante para Chloe – da mesma forma que é para todas nós – e o ciclo de abusos que ela vive, ao se “relacionar” com homens mais velhos, todos maiores de idade e conscientes do fato dela ser uma garota de 16 anos, é uma das consequências disso.

Para a menina – e embora tente soar mais velha e madura, ela é apenas uma menina que escreve cartas de amor e mantém um diário cor de rosa – todo seu valor está ligado ao seu corpo, à atenção que recebe dos homens e ao sexo. Ela não se acha inteligente, engraçada ou mesmo uma boa pessoa. Chloe olha para si mesma e enxerga apenas uma “vadia” que não é digna de afeto ou de estar com um cara legal como Finn.

Reprodução/E4

Sendo assim, o episódio em que Rae encontra o diário da amiga é um dos melhores e mais interessantes da série. Além de nos mostrar lado dela na história e nos ajudar a entender essa personagem tão controversa e bem construída, Not I, sexto capítulo da temporada, nos lembra que acompanhamos os acontecimentos pelos olhos de Rae. E Rae não é uma narradora confiável, porque, bom, ninguém é. Não se trata de mentiras ou verdades, mas do modo como cada pessoa enxerga uma determinada situação. Algo que é influenciado por uma série de fatores internos. A verdade de Rae não é a verdade de Chloe, e vice-versa e, ainda assim, nenhuma das duas mente.

Após tudo isso, percebemos que Chloe não é de todo ruim e Rae não é de todo boa. E tudo bem. Na verdade, melhor assim, porque personagens femininas complexas e humanas sempre estiveram em falta na ficção. Fico feliz, então, por My Mad Fat Diary nos apresentar essas duas mulheres multifacetadas e cheias de camadas que, apesar de todos os problemas, se amam e aprendem a ver o mundo pela perspectiva uma da outra.

Reprodução/E4

E se Rachel Earl é humana e cheia de camadas, essa temporada acerta justamente por focar em sua complexidade, nos mostrando que seus problemas, tão enraizados dentro dela, não podem ser resolvidos apenas com um namorado ou novo grupo de amigos. Não estar sozinha não muda o modo como ela se sente sobre si mesma, ter alguém que a ame não é suficiente para fazê-la se amar.

Sua relação com Finn sofre por isso. Ele gosta dela e ela gosta dele, mas havia assuntos internos que a menina precisava resolver antes de estar pronta para aquele relacionamento. A garota podia ter sido honesta com o namorado, é verdade, e enumerado os motivos para precisar de um tempo. Seria melhor do que acabar o relacionamento de forma abrupta e sem qualquer explicação, entretanto, sabemos que não é fácil para Rae se abrir ou explicar questões que muitas vezes sequer estão claras em sua cabeça. Não deixa de ser triste, no entanto, ver Finn completamente perdido após ter o coração partido.

Reprodução/E4

Tudo isso, abre caminho para Liam, que é uma adição importante ao drama. Inicialmente como um amigo, o rapaz surge como alguém que entende Rae e com quem ela consegue se conectar facilmente. Ter alguém que vivência situações semelhantes diariamente é sempre bom e pode ser de grande ajuda e te mostrar que você não está sozinho. Ainda assim, quando a relação entre os dois começa a sair da zona da amizade, as coisas se complicam. No ponto da vida em que se encontraram, Rae e Liam não são bons um para o outro. Os dois possuem inúmeras questões que precisam ser trabalhadas e problemas e inseguranças muito semelhantes, o que fazia com que as chances de um relacionamento saudável entre os dois, naquele momento, fosse quase nula.

De toda forma, Liam não está tentando ser um babaca ou machucar Rae ao dizer que deviam manter suas roupas, porque não são “nenhuma obra de arte”. Isso não torna a experiência menos traumática ou minimiza os impactos que o comentário teve sobre a garota. No entanto, grande parte daquilo vinha dos problemas do rapaz consigo mesmo, de sua baixa auto-estima, do desgosto e vergonha com próprio corpo. Como mencionado várias vezes ao longo da temporada, os dois são parecidos demais, entretanto, há uma diferença significativa no modo como resolveram lidar com a vida e sua doença. Liam não quer mudar, aceitou aquela realidade e acha que é impossível se desenvencilhar dela. Rae, por sua vez, quer ser melhor, quer lidar com seus traumas, quer gostar e respeitar a si mesma.

Reprodução/E4

É claro que até chegar a esse ponto a garota cometeu vários erros, especialmente com a sua mãe. Sejamos sinceros, Rachel Earl pode ser egoísta e auto-centrada quando quer. Ela falha, faz escolhas erradas e magoa outras pessoas, isso não quer dizer que é uma pessoa ruim, mas uma adolescente aprendendo a viver e errar faz parte do processo.

Todo esse contexto de altos e baixos, inseguranças, medos e erros, levam Rae a uma das cenas mais emblemáticas e populares da série, na qual Kester pede que imagine a criança que um dia foi e diga a ela todas as coisas terríveis que diz a si mesma diariamente. Não é a solução definitiva para os complexos da menina, mas é certamente um passo na direção certa. O primeiro passo para deixar de odiar a si mesma.

Reprodução/E4

Após toda essa jornada de auto-descobertas e aceitação, vimos Rae e Finn finalmente continuarem o que começaram lá no primeiro episódio. Muito mais do que se sentir pronta para sexo, a garota precisou lutar contra suas inseguranças e demônios e aceitar a si mesma e ao seu corpo. Além disso, a cena final, embalada de forma maravilhosa por Wonderwall,  representava mais do que o retorno do nosso ship amado ou que o fato de Rae estar novamente com o garoto que ama e que também a ama (porque ela é forte). Ser capaz de tirar o roupão e se despir em frente a alguém é também uma vitória para Rae individualmente e isso deve ser celebrado.

Em meio a tropeços, atitudes equivocadas, muita insegurança, medo e baixa auto-estima, a segunda temporada de My Mad Fat Diary nos lembra daquela velha máxima – um tanto clichê– de que todo mundo está lutando uma batalha. Nos lembra também de que batalhas de pessoas como Rae e Archie são ainda mais difíceis, por uma série de estruturas sociais que alimentam sua opressão. Viver nem sempre é simples, mas se a série nos ensina alguma coisa é que lutar pela vida vale a pena. Que iniciemos esse Setembro Amarelo,  mês dedicado a prevenção do suicídio, com essa mensagem e nos inspirando pela coragem e tudo de melhor que existe em Rae Earl.

Observações

    • É interessante e triste  perceber que Linda e Rae têm as mesmas inseguranças e medos em relação a Karim e Finn, respectivamente;
    •  Archie acampando me representa totalmente;
    •  O que dizer do diálogo mental de Rae enquanto Finn  está “tocando sua lady area”?
    •  Às vezes a Rae pega pesado demais com a mãe dela;
    •  Chop e Izzy brigando: não foi a gente que pediu;
    •  A morte da Tix é algo que dói só de lembrar;
    •  Se Finn Nelson olhasse para mim e dissesse “to be continued” eu iria morrer ali mesmo e nada continuaria;
    •  Karim é muito amorzinho. Muito fofo ele dizendo que seu terceiro trabalho é cuidar de suas meninas;
    • Agora Rae tem uma irmãzinha. Bem vinda ao mundo e a essa família louca!
    • Queria mais momentos da amizade entre Finn e Archie;
    • Amo Danny e irei protegê-lo;
    • Amo a amizade entre Rae e Archie. A música que ele escreve para ela pra se desculpar é lindinha demais;
    • Sharon Rooney canta demais;
    • O pai da Rae apareceu essa temporada apenas para evidenciar a grande decepção que é;
    • Kester estava certo ao estabelecer limites profissionais entre ele e Rae.

E aí? O que achou dessa segunda temporada? Se prepare, porque a terceira (e última) é bem curtinha.


Thais Medeiros

Uma fangirl desastrada, melodramática e indecisa, tentando (sem muito sucesso) sobreviver ao mundo dos adultos. Louca dos signos e das fanfics e convicta de que a Lufa-Lufa é a melhor casa de Hogwarts. Se pudesse viveria de açaí e pão de queijo.

Paracatu/ MG

Série Favorita: My Mad Fat Diary

Não assiste de jeito nenhum: Revenge

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