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Master of None

Por: em 16 de novembro de 2015

Master of None

Por: em

 

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“Vi-me sentada sob essa figueira, morrendo de fome, tudo porque não conseguia decidir qual dos figos eu escolheria.” Sylvia Plath

Master of None (MoN), série que estreou discretamente no Netflix no último dia 6 de novembro pode ter sido uma das melhores estréias do ano. O roteiro de Aziz Ansari e Alan Yang traz temas universais, já explorados em séries como Friends ou Girls, onde as pessoas tentam entender suas vidas e anseios enquanto buscam por realização afetiva e profissional. Aziz interpreta Dev Shah, um ator americano filho de indianos imigrantes, que vive de fazer comerciais em Nova Iorque. Embora a série não seja totalmente biográfica, podemos inferir neste caso que a própria vivência de Aziz e suas obras pregressas, como o show de stand up e seu livro Modern Romance, serviram de base e inspiração para este personagem. Trata-se de boa ficção inspirada pelas experiências do ator.

A série pode não ser inovadora em seu tema principal mas é bem inovadora na abordagem. Tanto Friends quanto Girls tem grupos bastante homogêneos e brancos. Friends é uma sitcom clássica, com claque de risadas, otimista aos moldes da sua época. Girls já tem um humor mais moderno, com muita ironia e um certo pessimismo. Master of None apresenta muita diversidade de gênero e raça, que tem um humor diferente que não vai fazer ninguém gargalhar (embora admito que gargalhei em alguns momentos), mas certamente vai fazer com que você ria de si mesmo, já que todo mundo em algum momento já passou por uma ou outra determinada situação que acontece na história. E que mostra uma visão ora otimista, ora pessimista, ora realista da vida. Essa percepção varia, assim como acontece em nossas vidas.

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Dev tem um pequeno grupo de amigos, Brian que é um americano filho de um imigrante asiático, Denise que é uma mulher negra e lésbica e Arnold que é o único homem branco do grupo. Isso já subverte estereótipos na própria formação do grupo principal, a começar pela brincadeira de trocar o típico grupo feminino cujo único homem é gay por um grupo de homens cuja única (a príncípio só havia denise) mulher é lésbica. Depois, é muito comum que haja apenas um personagem não-branco (quando há!) nos grupos de amigos nas mais variadas histórias, enquanto aqui só há um amigo branco. E, principalmente, é um grupo de homens cuja tônica não é afirmar sua masculinidade. Muito ao contrário! Dev e Arnold, por exemplo, trocam longos, carinhosos e rodopiantes abraços.

A cada episódio um novo tema é explorado com muita objetividade, mas também muita leveza. E não são temas bobinhos, não. São assuntos difíceis dos quais muitas séries se esquivam, como racismo, desigualdades de gênero, xenofobia, solidão na velhice e etc. Não pára por aí. Master of None é um exemplo a ser seguido também por trás das câmeras: O episódio que trata de desigualdade de gênero é dirigido por uma mulher e co-escrito por mulheres. Aziz tomou o cuidado de deixar que as mulheres contassem suas histórias. O respeito e a empatia estão no DNA desta série e isto ajuda a torná-la tão especial.

É difícil elencar um episódio favorito quando a temporada é tão curta e cheia de pontos altos, mas acho que um dos que mais me emocionaram foi o episódio “Parents”, em que se discute a relação de Dev e Brian com seus respectivos pais imigrantes. Em linhas gerais, mostra com sutileza e doçura as dificuldades vividas por seus pais e o longo caminho que eles percorreram até que seus filhos pudessem simplesmente ignorá-los para assistir o trailer de X-men. Talvez o mais emocionante é saber que os pais de Aziz interpretam os pais de Dev e, embora não sejam atores profissionais, a intimidade deles com o filho transparece na tela e as histórias contadas em flashback neste episódio são, em sua maioria, reais.

Também se fala sobre o enorme elefante na sala: a representação do povo indiano. Há um episódio que se inicia com um apanhado de vídeos de personagens indianos na TV, com direito a Ashton Kutcher fazendo blackface. E aí você compara todas estas representações com Dev, aquele personagem que já amamos, e pensa: WHAT? Mas a verdade é que as representações racistas sempre estiveram por aí e nós nunca atentamos para elas, até que alguém nos mostre (Imediatamente a gente lembra que uma das séries de comédia mais bem sucedidas da atualidade, The Big Bang Theory, mostra um personagem bastante estereotipado há quase uma década).

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A partir do meio da temporada, o foco passa a ser o relacionamento de Aziz e Rachel. Como é agradável ver a progressão do relacionamento deles, como eles parecem totalmente perfeitos um para o outro, mas na verdade não são. Porque ninguém é perfeito. Porque nada é perfeito. Porque a vida é cheia de imperfeição. Desde uma noite casual aos problemas diários de se viver junto, de lidar com rotina, com dúvidas, com medos. E é lindo ver como Rachel é uma personagem profunda com questões próprias, ela não está lá para “mudar a vida dele”, ela não é uma maniac-pixie-dream-girl. Na verdade, um mudou um pouquinho a vida do outro. Não é assim com todo relacionamento? Se há uma crítica pertinente a se fazer é no tocante aos interesses românticos de Dev, três quartos das moças com quem ele sai na série são mulheres brancas.

A metáfora da figueira de Sylvia Plath é o fio condutor da série. E apesar desta temática ser tão recorrente em séries cujos protagonistas estão nos seus quase 30 anos, Master of None consegue ter um frescor e uma lucidez diferente dos seus predecessores, porque são tratados sob o ponto de vista de alguém pertencente a um grupo minoritário e especialmente porque não se exime de provocar reflexões no público, fazendo com que ao final da série, nós não apenas acompanhamos estes personagens tão divertidos, mas também aprendemos algo com eles. Master of None é a prova de que mais diversidade só vai aumentar a qualidade das produções.


Gizelli Sousa

Arquiteta, feminista, prefere uma noite de maratona de séries do que sair para a balada.

Brasília/DF

Série Favorita: The Walking Dead

Não assiste de jeito nenhum: Gilmore Girls, The O.C., One Tree Hill, Girls, Love

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