“Por anos eu estive construindo a imagem deste filho da puta na minha cabeça. Mas aqui está a realidade: Quando você coloca seus olhos sobre ele, o diabo derrotado – apenas um homem” – Murphy.
Chegamos ao 10º episódio da 2ª temporada já sabendo o que o destino reservava para Pablo Escobar – a própria Netflix em seu material promocional fez questão de anunciar a morte do indivíduo que virou o continente americano de cabeça para baixo no inicio da década de 90, ao se tornar o traficante mais poderoso e o 7º homem mais rico do mundo, por conta do comércio de cocaína.
A esfarelação da soberania de Pablo foi ficando cada vez mais evidente no decorrer dos episódios, culminando em um momento em que não havia mais qualquer chance de retomada. El Patron estava acabado, e ele sabia que não havia mais saída viável – que não fosse a prisão ou a morte. En Fin Cayó!, assim como em Nuestra Finca, fez questão de mostrar uma certa aura resignação por parte dele com o seu destino. Não havia mais dinheiro, luxos, súditos, influência e, nem mesmo conseguiu comemorar o seu aniversário com um bolinho decente. Era apenas ele e o rádio clandestino onde sua triste esposa e os filhos alheios à tudo, desejavam coisas que lhe eram intangíveis agora. Pablo estava comemorando 44 anos sem saber que o aquela seria a sua última primavera.
É interessante notar que nestes dois últimos episódios, Narcos parece ter finalmente alçado Escobar ao seu papel de protagonista. Os outros personagens, que inclusive foram responsáveis por grande parte da ótica da narrativa – como Murphy e Pena – saíram do palco, para que nós pudéssemos sentar junto do Patron em seus últimos momentos e, na medida do possível, tentar sair dessa experiência com a sensação de que por trás de toda lenda criada em cima da sua figura, no final só restava um ser humano.
En Fin Cayó! reafirmou do relacionamento intrínseco de Escobar com Mendelín. Como naqueles dias bons que antecedem a morte de um doente terminal, foi a cidade que conseguiu lhe dar uma última injeção de esperança. Diria haver até certa ingenuidade em um homem capaz de tantas atrocidades – ora, mesmo com um alvo enorme nas costas, ele viu que não tinha mais nada a perder e saiu atrás do seu sorvete com morango. Para mim, a conversa dele com o primo morto na pracinha nada mais foi do que uma forma de mostrar a consciência de Pablo. Diante daquele cenário impensável à alguns anos atrás, a sua retórica com Gustavo deixou bem claro quem ele era: Um bandido – e, também, o profundo reflexo que a morte dele pelas mãos de Carrillo causou nele como pessoa e em seus negócios. Pablo havia chegado onde chegou tendo o primo sempre ao lado e, não houve mais ninguém ocupando essa posição depois.
Depois de mostrar mais uma operação incrivelmente mal sucedida da Força Tarefa da Colômbia na captura de Pablo, foi no meio de uma troca cheia de esperança entre o traficante e a família que Murphy e companhia finalmente conseguiram cercá-lo por todos os lados. A perseguição me lembrou bastante os momentos finais de Tropa de Elite, quando Matias finalmente consegue pegar o Baiano – que havia matado seu melhor amigo. Creio que essa sensação é decorrente de termos Wagner Moura, José Padilha e um contexto muito semelhante com o do filme brasileiro.
Por mais que Tata insistisse, era certo desde a primeira temporada que Pablo nunca se renderia. O sorvete de creme ascendeu uma pequena chama de esperança que ele poderia sobreviver a prisão e conseguir a custódia protetora para sua família. Ele iria se tornar um ícone, como Nelson Mandela – que foi preso na África do Sul no auge do apartheid e se tornou um dos homens mais importantes de todos os tempos. O problema é que apenas uma eventual prisão aproximaria essas figuras, com significados inversamente proporcionais esculpidos na história. Era muito tarde para um Nobel.
Narcos em seus minutos finais acabou me fazendo ter o desejo que a série inovasse a sua proposta, no estilo Bastardos Inglórios. Por mais que eu tenha visto todas as atrocidades que foram cometidas por ele e em seu nome, tal qual Murphy ao finalmente ficar diante de Escobar caído e ferido, ali jazia apenas um homem. Ele era um pai e um marido, seus filhos ainda esperavam que ele pudesse concretizar os seus desejos feitos ao assoprar as velinhas. A série nos fez caminhar em cima do muro, apresentando as diversas facetas atribuídas ao seu protagonista, nos questionando a cada momento sobre o que seria o certo e o errado no final das contas. Foram duas temporadas completas nos deixando vidrados com ótimas atuações e uma cinematografia ímpar, para no final da história nos deixar com um sentimento agridoce com a despedida de Pablo Escobar.
Depois de resistir ao irresistível, com um tiro na cabeça, a violenta saga de Pablo chega ao seu final (aliás, vocês perceberam que um dos militares fez menção em algemá-lo?). A sua morte foi comemorada como um ato de amor à Colombia, aos seus compatriotas que participaram da operação, ela significava o fim de uma jornada onde ele colocou um país inteiro à prova. Na vida real, é incerto quem realmente matou Pablo – inclusive, seus familiares defendem que ele se matou, pois nunca entregaria a sua vida aos homens da lei – mas isso nós nunca saberemos ao certo.
Foi de arrepiar a cena em que se fez um paralelismo com a emocionada declaração de amor da Mama Escobar ao filho, em contraste com violência disseminada por ele no país – deixa claro que essa dicotomia em torno do Patron existiu de verdade. Ele foi um homem capaz de perpetrar coisas boas aos seus pares e horríveis quando atravessado, fazendo dele uma das figuras mais controversas da história recente. Ele era aterrorizante, mas passível de ser amado de alguma forma.
Com a morte de Escobar, Narcos deixou evidente isso significou a salvação da pátria. A vida continuou, bem como outros tomaram o lugar dele. A série não poderia terminar com a morte apenas, seria algo literal demais. Ao invés disso, a continuidade se dá na cena em que o Departamento de Operações informa à Pena, nos Estados Unidos, que apesar da decadência de Escobar nos últimos anos, a produção e tráfico de cocaína aumentaram gritantemente. Paralelamente o Cartel de Cali confabula sobre como crescer ainda mais, restando cristalino que o encerramento da operação com Pablo foi apenas um capítulo de uma história longe de chegar ao seu fim.
Espero que vocês tenham aproveitado a nossa maratona! Fiquem à vontade para compartilhar todos seus sentimentos e impressões sobre a conclusão de Narcos conosco!
Observações:
– Eu pensei que Pablo fosse mandar um “Na cara não para não estragar o enterro”.
– Wagner Moura merece todos os louros pela sua atuação em Narcos. Um ator multifacetado, capaz de trabalhar todas as nuances do seu personagem – níveis acima de Boyd Holbrook, que entregou uma atuação mediana para Steve Murphy.
– Adorei o devaneio de Pablo presidente!
– A cena em que o filho de Pablo deseja que ele tenha tudo de melhor por conta do seu aniversário foi muito bonita. A relação de Pablo com a família foi uma das principais responsáveis em manter (até hoje) a figura do homem atrás do monstro.
– Pedro Pascal definitivamente fez de Peña o personagem mais carismático da série. O ator parece ter essa característica, já que seu Oberyn Martell é cultuado até hoje pelos fãs de Game of Thrones.
– A morte de Pablo se deu no dia 2 de dezembro de 1993, em circunstâncias muito semelhantes as que foram retratadas na série.
– Pablo Escobar acabou se tornando um personagem muito atrativo por conta da sua história, além de Narcos, diversas outras obras já foram produzidas para retratá-lo. A próxima será nos cinemas, com Conexão Escobar – o filme, que estréia 15 de setembro, é protagonizado por Bryan Cranston (Breaking Bad). Ele vive um oficial da alfândega que recebe a missão de trabalhar infiltrado, com o objetivo de eliminar um cartel de drogas cuja origem está em Pablo Escobar. Caso você tenha saudades do Patron, fica a dica!
– Até hoje, para algumas pessoas, Escobar é uma metáfora de grandeza pessoal. Sua figura é cultuada por alguns seguimentos da sociedade colombiana – na época não houve a preocupação em tentar evitar um fenômeno da convolação da imagem dele em mártir.
– Gilberto e Miguel Rodriguez Orejuela, cabeças do Cartel de Cali, foram extraditados para os Estados Unidos em 2006, sob acusação de conspirar para importar 200 mil quilos de cocaína para os Estados Unidos. A sentença de 30 nos de prisão foi dada depois que a dupla chegou a um acordo com a promotoria. Os irmãos concordaram em renunciar a US$ 2,1 bilhões em bens obtidos por meio do tráfico de drogas. Em troca, acusações de lavagem de dinheiro e outros crimes contra seus familiares foram retiradas.
– Depois da morte de Pablo, o seu filho Juan, ainda criança, disse em uma entrevista de rádio que se vingaria de todos responsáveis pela morte do pai e que o único bem que ele recebeu dele foi um relógio.
– Viúva, Tata viajou com seus filhos para Moçambique. Depois, com vistos de turistas, procuraram exílio na Argentina – onde mais tardes conseguiram cidadania.
– A família lucra até hoje com os direitos sobre o nome de Pablo Escobar.
– Juan, filho de Pablo, mudou seu nome para Sebastián Marroquín e se graduou arquiteto. Adulto, ele se encontrou com algumas famílias de vítimas do pai. Ele nunca quis se ver associado ao cartel de Medellin ou a questão do narcotráfico na Colômbia. Ele estrelou o documentário Sins of My Father, que focou em mostrar a aproximação dele com os filhos dos mortos na época em que seu pai comandava o tráfico – ele retornou ao seu país duas vezes para visitar o túmulo e promover o filme, que teve como objetivo incentivar a reconciliação e o final do sentimento de ódio. Marroquín não obteve permissão para visitar a Hacienda Nápolis, que foi transformada em parque público pelo governo – onde existe uma área de camping e um museu sobre os crimes de Pablo Escobar.
– Sebastian criou uma marca de roupa Escobar Henao, onde parte dos lucros são destinadas para as famílias das vítimas do pai.
– Tata mudou seu nome para Maria Isabel Santos Caballero – apenas em 1999 a sociedade da Argentina tomou ciência sobre as novas identidades da família de Pablo. Tata ficou 15 meses presa por conta de uma acusação de lavagem de dinheiro em 2000, decorrente de um suposto envolvimento com traficantes do Uruguai. Ela foi solta por falta de provas.
– A caçula de Escobar nunca teve a nova identidade revelada e a sua imagem sempre foi protegida pela mãe e pelo irmão, devido a sua total vontade de se ver e se sentir resguardada.
– Steve Murphy voltou para os Estados Unidos em 1994, onde continuou trabalhando na DEA até se aposentar em 2013. Atualmente ele faz consultoria sobre o combate ao tráfico de drogas.
– Javier Peña voltou para os Estados Unidos em 1994, e ao contrário do que é mostrado na série, ele estava na Colômbia na ocasião da morte de Pablo. Ele continuou trabalhando com a DEA até se aposentar em 2013 – participando de operações em Porto Rico, Texas e novamente na Colombia.
