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Northern Exposure: O Alaska que o Brasil não viu

Por: em 11 de julho de 2010

Northern Exposure: O Alaska que o Brasil não viu

Por: em

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Ano passado, há exatos 12 meses, Camila e Cristal, criadoras do Apaixonados por Séries, publicaram um post aqui no site à procura de colaboradores — mais ou menos como tá acontecendo agora, na chegada da galera nova na nossa equipe. Eu nunca tinha parado pra escrever sobre séries, mas o meu vício na época já era grande o suficiente pra eu passar horas assistindo a elas, lendo sobre elas, correndo atrás de coisas que eu nunca nem havia ouvido falar… Enfim, era grande o suficiente pra eu estufar o peito e gritar com orgulho: SOU UM NERD TELEVISIVO. Foi assim que eu conheci Northern Exposure. Foi assim que eu decidi que seria sobre ela que eu iria escrever meu texto pra seleção do site. Mas confesso: eu só queria pagar de fodão e fingir que eu entendia tudo sobre televisão. O que é mentira, já que com muita dor no coração eu também confesso que eu não sou fodão, nem entendo tudo sobre televisão. Do pouco que eu entendo, porém, Northern Exposure é uma das concorrentes mais fortes pro título de melhor série americana que o Brasil nunca viu. O porquê disso? Explicarei com mó prazer nos parágrafos a seguir. O porquê desse especial aleatório? Bom, amanhã faz exatos 20 anos que Northern Exposure deu as caras ao mundo. Vocês não têm ideia da minha alegria de poder comemorar aqui esse feliz 12 de julho! :–)

Northern Exposure é uma dramédia que conta a história de Joel Fleischman, um nova-iorquino recém formado em medicina que se vê preso a um contrato que o obriga a trabalhar no Alaska por alguns anos. Mas não em qualquer cidade do Alaska. Ele foi parar em Cicely, cidadezinha minúscula com menos de 500 habitantes, completamente isolada de qualquer rastro de civilização. Pra servir de comparação, imaginem que Joel é um cara de São Paulo que se vê obrigado a trabalhar no interior da Amazônia. Pois é. Basicamente, é essa a premissa da série. Mas ao contrário do que possa parecer, a estrela de Northern Exposure não é Joel. A estrela da série é Cicely, seus habitantes, sua cultura, o sentimento de comunidade que cada um dos personagens trasmite. No papel, Cicely é o lugar mais entediante do mundo. Na prática, Cicely se torna incrivelmente divertida por ser uma cidade que foge completamente de qualquer padrão que a gente tá acostumado na televisão.

No geral, a série não tem uma trama contínua que se desenvolva no decorrer de cada temporada. Os episódios (110 em 6 temporadas) contam com histórias independentes, com começo, meio e fim neles próprios. E apesar de o “protagonista” da série ser um médico, não é exatamente sobre medicina que cada uma dessas histórias quer discutir. Muitas delas são extremamente triviais, mas SEMPRE correspondem a uma mensagem maior, reflexiva, profunda, com trocentas referências — diretas ou indiretas — a clássicos do cinema, da literatura, da música, da filosofia… de tudo. Spielberg a Nietzsche. Pé-Grande a Einstein.

O que faz a profissão de médico se encaixar tão bem na história é a arrogância de Joel, o seu ar de superioridade. Joel acha que é o cara que pode consertar todo mundo, entender qualquer pessoa. E a cada episódio a galera de Cicely o prova como isso tá loooonge de ser verdade. Existe tanta coisa além da ciência exata e precisa da medicina… Coisas que só a cultura indígena tão presente na série entende. Coisas que só o inconsciente popular explica. São sabedorias maleáveis, que muitas vezes correm por telefone sem fio, mas que não deixam de ser menos verdadeiras por causa disso. Pelo contrário, são muito mais sinceras do que o conhecimento sistematizado da ciência, com seus milhões de termos complicados que muitas vezes não dizem absolutamente nada pra gente. São só um bando de palavras complicadas.

Em um episódio, Joel fica intrigado com uma paciente que tá completamente bem, mas afirma com convicção que vai morrer em breve. “I must be missing something. There is something that I’m not seeing, some symptom, some clue, some indicator that is screaming at me that is just… It’s right there. It’s sticking out its tongue, and I just can’t see it.” É exatamente isso. Essa coisa que Joel não enxerga é o que os habitantes de Cicely têm de sobra. É a sensibilidade e a humildade de admitir que existe algo a mais que a gente nunca irá dominar completamente. “Uma coisa que não tem nome”, como diria a rapariga dos óculos escuros.

É assim que funcionam todos os episódios de Northern Exposure. Reconhecendo a existência de todas essas coisas que a gente não conhece exatamente, mas colocando na tela pra gente senti-las. A onipresença da natureza, o choque de culturas, o poder dos sonhos, a grandeza de uma comunidade — por menor que ela seja… Isso e mais uma cacetada de outras coisas que eu vou deixar pra falar aí embaixo, comentando mais a fundo sobre cada um dos personagens.

Northern Exposure

Northern Exposure Joel Fleischmann Maggie O'Connell Chris Stevens

Joel Fleischman (Rob Morrow)

Eu meio que já falei o que há de mais importante sobre o Joel, mas ele é um personagem bem mais carismático do que possa ter parecido. Ele é um cara arrogante, egoísta, egocêntrico… e uma porrada de adjetivos do tipo. Só que ele é o intruso da série. O cara que tá completamente fora de seu habitat. A sua aversão a Cicely é compreensível e quase perdoável, ainda mais quando a gente começa a perceber como a esquisitice contagiante daquela galera o conquista cada vez mais — sem que ele nunca admita, claro. E boa parte do carisma também pode ser atribuída a Rob Morrow. O personagem reclama o tempo inteiro, mas os trejeitos do ator, sua fala rápida e atropelada… São elementos que deixam o cara mais humano e identificável.

Rob não teve uma carreira muito explosiva depois do término de Northern Exposure, mas conseguiu um trabalho estável com partipações em filmes e como co-protagonista da recém-cancelada Numb3rs.

Maggie O’Connell (Janine Turner)

Interesse romântico de Joel. Mas é daquelas relações de amor-ódio que nunca emplacam de fato. O bom é que a série não fica num vai-e-vem muito grande com relação a isso, e a personagem de Maggie consegue crescer em outras direções. O passado da Maggie já é sensacional por si só. Ela tem uma certa ‘maldição’ que todos os seus namorados acabam morrendo de alguma maneira bizarra em algum momento da relação. Já teve homem congelado. Já tem homem atingido por restos de satélite. Até por isso, Maggie é um pouco traumática quando o assunto é o sexo oposto, e como consequência, é cheia de ideias femininistas na cabeça, às vezes cabeça-dura demais. E ela ainda é piloto de avião. Ou seja… Pago 50 reais pra quem achar personagem parecido em alguma outra série.

Janine Turner se destaca no elenco pela beleza pouco tradicional. Pena que depois de Northern Exposure, ela se encheu de plástica e ficou um pouco estranha. Ela já fez parte do elenco fixo de Strong Medicine e participou recentemente em Friday Night Lights, como a mãe de J.D. McCoy.

Chris Stevens (John Corbett)

Fácil, fácil, meu personagem favorito. Chris comanda a rádio da cidade, a KBHR, e além de colocar música pra tocar, é o cara que espalha notícias, conta histórias, lê livros e solta as milhões de referências de cada episódio. Talvez seja exatamente ele que represente melhor o que é Northern Exposure. É um cara que tem uma sabedoria IMENSA, lê demais, conhece um pouco sobre tudo, não ignora nenhum tipo de conhecimento… Ele tem a inteligência pra manter um papo com Joel sobre os assuntos mais bizarramente complexos da física ou da sociologia (e tem alguns incríveis na série), mas sempre com um apelo popular que não permite o menor sinal de ceticismo no personagem. Ele aceita e admira tudo que é que tipo de história e de cultura.

John Corbett provavelmente é o mais reconhecível entre os fãs de séries. Já participou de Sex and the City (até apareceu no recente segundo filme) e atualmente dá vida a Max, o marida de Tara em United States of… Tara.

Northern Exposure Ed Holling Shelly

Ed Chigliak (Darren E. Burrows)

Fanático por cinema. Se Chris é o responsável pela maioria das referências musicais, literárias e filosóficas, é com Ed que as referências cinematográficas aparecem. O legal da história é que Ed é um índio. Um índio viciado em cinema. Que escreve roteiros. E que mantém contato com Martin Scorcese e Steven Spielberg através de cartas. Sério mesmo. Ed traz muito da cultura indígena pra série, mas também quebra o estereótipo do uga-uga, do cara do mato que nunca vai conseguir se relacionar com a cultura do ‘homem branco’. Além disso, Ed provavelmente é o cara com maior coração na série. Tão grande que chega a ser extremamente ingênuo.

Darren E. Burrows não é famoso. Na verdade, nem se concentrou muito na carreira depois da série. No começo parece que o ator não manda muito bem, mas com o tempo dá pra perceber que o jeitão do Ed faz parte de um timing excelente de Burrows.

Holling Vincoeur (John Cullum)

Holling é o dono do bar da cidade, The Brick, onde boa parte dos episódios se desenvolve. Ele tem 60 anos, mas em um dos episódios da 3ª temporada, ele chega a sofrer de crise de meia-idade. Pois é, a genética de sua família coloca todo mundo pra viver até os 100 e tantos anos. Vai ver é por isso que ninguém na cidade estranha a sua relação com Shelly, que tem… 18 anos. É fantástico como o namoro (e eventual casamento) entre os dois é conduzido de maneira extremamente natural. Nunca há qualquer forma de julgamento. Nunca parece que eles tão forçando a barra com os personagens.

John Cullum é mais famoso no universo da Broadway, já levando pra casa dois Tomys pelas atuações no palco. Na TV, participou recentemente de Mad Men e Law & Order: SVU, além de já ter feito parte de ER, como o pai do Dr. Mark Greene.

Shelly Tambo (Cynthia Geary)

Shelly é meio infantil, toda extrovertida, trabalha como garçonete no bar do namorado, Holling, e é o mais perto que a série chega do público jovem. Antes de chegar em Cicely, foi eleita Miss Northwest Passage e foi carregada pra cidade pelo Maurice, que se apaixonou pela garota no concurso — mas não se deu muito bem, já que não foi exatamente ele que Shelly escolheu pra ficar ao lado. Dando uma olhada pela internet, eu achei um site que listava todos os brincos que a Shelly usava em todos os episódios. Parece bizarro (e é), mas depois que você percebe que ela tá SEMPRE usando brincos que se relacionam com cada uma das histórias da série, até que o hobby fica divertido.

Cynthia Geary foi outra atriz que não seguiu carreira depois de Northern Exposure, só fez algumas participações em filmes e séries não muito relevantes. Foi indicada ao Emmy duas vezes pelo papel.

Northern Exposure Maurice Marilyn Ruth-Anne

Maurice Minnifield (Barry Corbin)

Ex-astronauta milionário. É o perfil típico do americano capitalista, que quer ter tudo, comprar tudo, que tem adrenalina correndo nas veias quando ouve falar em qualquer tipo de negócio. Maurice é o cara que financia Cicely, que construiu a cidade, e basicamente foi ele o responsável por trazer Joel pra trabalhar no Alaska. Era o melhor amigo de Holling, mas a relação dos dois nunca foi a mesma depois que Holling “roubou” sua namorada, Shelly. Uma porrada das atitudes de Maurice são repugnantes, mas é um cara respeitável por NUNCA abrir a mão daquilo que acredita.

Antes de Northern Exposure, Barry Corbin era famoso como o “cara-lá-daquele-filme”, pelas milhões de participações em tudo que é tipo de produção. Depois da série, as inúmeras participações continuaram, mas ele também chegou a passar um bom tempo no elenco fixo de One Tree Hill, como o coach Whitey Durham.

Marilyn Whirlwind (Elaine Miles)

Marilyn é genial. Sério, GENIAL. Ela quase nunca abre a boca na série, principalmente na primeira temporada quando não fazia parte do elenco regular, mas sempre consegue dizer tudo só com o olhar ingênuo e profundo que a sua descendência indígena a traz. Ela é a secretária do consultório de Joel, e forma uma dupla engraçadíssima com o cara, já que o médico não consegue ficar calado um segundo e ela responde tudo com um silêncio agonizante, quase sempre reprovando tudo o que sai da boca dele.

A escolha de Elaine Miles pra interpretar Marilyn é mais interessante do elenco. Quem foi fazer o teste pro papel foi a mãe dela, mas o diretor de casting se encantou tanto com Elaine, que insistiu pra que ela também tentasse. Ela nem imaginava em ser atriz (pelo contrário, ela levava uma vida bem… indígena mesmo), e acabou que foi escolhida, fez sucesso pra caramba e acabou entrando no elenco regular da série. Sua mãe ficou de fora, mas ainda conseguiu pegar algumas pontas em alguns episódios como a própria mãe de Marilyn.

Ruth-Anne Miller (Peg Phillips)

Ruth-Anne é outra personagem que começou a série fora do elenco fixo, mas foi conquistando aos poucos até fazer parte integralmente da série. O que era esperado, porque a personagem se encaixa perfeitamente no universo de Northern Exposure. Ela é a dona da mercearia da cidade (que praticamente é a única loja de lá, se encontra de TUDO), e por isso tá sempre se relacionando com todo o resto do elenco. É outra peça da série que foge dos clichês, porque apesar de já ter seus 70 anos, é extremamente ativa, objetiva, agnóstica… E meio que odeia um de seus filhos.

Peg Phillips viveu praticamente toda a sua vida como a esposa super-tradicional, que cuida da casa, do marido e dos filhos. Se formou em artes cênicas já com 60 anos, e apesar de ter falecido em 2002 com seus 84, deixou de legado uma escola de atuação pra crianças carentes.

Northern Exposure

Ninguém aqui no Brasil conhece Northern Exposure. Não é pra menos, a série nunca foi exibida na televisão nacional, nem mesmo nos canais pagos. E é aí que eu não entendo. POR QUÊ? A série é o sonho de consumo de qualquer canal. Personagens carismáticos, não tem um pingo de violência, histórias inteligentes, foi sucesso nos EUA e, de quebra, já levou pra casa inúmeros prêmios e indicações de importantes eventos da indústria. É bizarro como Northern Exposure foi esquecida pelas bandas de cá. Mas é fato que, mesmo nos Estados Unidos, o sucesso de Northern Exposure dependeu de uma boa dose de sorte e de estratégia da CBS na época de seu lançamento em 1990.

A série estreou na summer season com uma temporada compacta de apenas 8 episódios — e se a summer season ainda é meio paradona hoje em dia, imaginem há 20 anos. Simplesmente não existia concorrência. Northern Exposure era praticamente a única série inédita exibida em julho de 1990, o resto era tudo reprise. Isso permitiu não só um sucesso rápido de público, como uma liberdade enorme dos criadores na hora de escrever os roteiros, deixando os episódios interessantes o suficiente pra também caírem no gosto da crítica — que só havia começado a considerar a qualidade nas séries de TV recentemente, com a explosão de Hill Street Blues nos anos 80.

Northern Exposure Emmy Rob Morrow Ó A ROUPINHA DO ROB MORROW NO EMMY

Além disso, Northern Exposure se encaixa num grupo de séries bem peculiares do início dos anos 90, impulsionadas pelo sucesso de Twin Peaks na ABC. Na época, eram 3 os grandes canais americanos que dominavam a TV aberta: ABC, NBC e CBS. A ABC passou boa parte dos anos 80 em terceiro lugar, e na tentativa de alavancar seus números, começou a apostar em séries inovadoras, acreditando no potencial de seus criadores e dando mais liberdade às suas criações. Foi assim que David Lynch conseguiu colocar no ar a trama estranha, assustadora, mas fantástica de Twin Peaks.

O problema é que o fogo de Twin Peaks apagou rápido. O que John Falsey e Joshua Brand — criadores de Northern Exposure — souberam fazer foi aproveitar as peculiaridades tão características dessa nova geração e amenizá-las a ponto do espectador normal se identificar com os personagens e comprar a ideia daquela cidadezinha, que apesar de fora dos padrões, era extremamente carismática. Resultado: renovação instantânea. Já na mid-season do ano seguinte, foram encomendados mais 7 episódios pra uma segunda temporada, e, finalmente, na fall season de 91/92, a série ganhou o merecido espaço fixo na line-up da CBS, com uma temporada completa de 23 episódios.

No auge de seu sucesso, entre 91 e 93 (a primeira temporada é boa, mas a série ainda não tinha encontrado o tom perfeito, como aconteceu no ano seguinte), Northern Exposure abocanhou mais de 30 indicações ao Emmy e cerca de 10 indicações ao Globo de Ouro. Levou o prêmio nas categorias de melhor roteiro, melhor direção de arte, melhor atriz coadjuvante (Valerie Mahaffey, que não fazia parte do elenco fixo), melhor edição, melhor fotografia, e por TRÊS vezes foi considerada o melhor drama da TV americana. Duas vezes no Emmy e uma no Globo de Ouro. Ainda preciso convencer alguém de que o negócio é bom mesmo?

Northern Exposure é, no mínimo, uma das minhas três séries favoritas. Mesmo assim, eu não vou ser ingênuo a ponto de achar que todo mundo que leu esse texto vai correr atrás da série. Pior, não vou nem ser ingênuo a ponto de achar que alguém leu isso tudo. Mas se de alguma forma eu consegui com que a série ficasse na cabeça de vocês, disposta a ser assistida em alguma época em que não tenha mais nada de bom nas suas watchlists, eu já fico muitississíssimo satisfeito. Não que ela não mereça atenção em meio a todas as outras produções que existem por aí, mas se foi assim que Northern Exposure caiu no gosto do público americano, talvez também seja dessa forma que pelo menos alguma pessoazinha em terras tupiniquins passe a compartilhar do meu amor pela galera de Cicely.

Bon Hiver! :–)


Guilherme Peres

Designer

Rio de Janeiro - RJ

Série Favorita:

Não assiste de jeito nenhum:

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