Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

Primeiras Impressões: Cara Gente Branca

Por: em 29 de abril de 2017

Primeiras Impressões: Cara Gente Branca

Por: em

Achou que ia conseguir maratonar em paz as séries da FOX que estão indo embora? Pois bem, a Netflix mais uma vez torna nossa vida difícil. E depois de uma grande onda de debates com 13 Reasons Why, temos a estreia de Cara Gente Branca (ou Dear White People, no original). A comédia é baseada no filme homônimo e aclamado pela crítica, produzido em 2014, e ambas as produções são assinadas por Justin Simien. A série conta com dez episódios de 30 minutos e todos já estão disponíveis para a maratona.

A história começa em uma das mais renomadas universidades dos EUA, a Ivy League Winchester, onde a maioria dos estudantes são brancos. Sam White (Logan Browning) é uma estudante birracial e comanda um programa de rádio que dá nome a série. O programa é uma resposta ao Pastiche, uma publicação com conteúdo preconceituoso e sem a mínima consciência do que faz. Todas as situações giram em torno de uma festa blackface (quando pessoas brancas reproduzem, de maneira estereotipada, as características de pessoas negras), organizada dentro do campus. As organizações de alunos negros se unem para combater tal prática e, em meio a essas questões, ainda há o debate do relacionamento interracial, que é visto como um problema até mesmo dentro do grupo de amigos de Sam. Além dela, outros personagens serão centro da narrativa: Lionel (DeRon Horton), Reggie (Marque Richardson), Coco (Antoinette Robertson) e Troy (Brandon P Bell).

A primeira personagem apresentada e, aparentemente, um dos pilares da série é uma grande escolha. Sam White é um tubarão, tamanha sua coragem de colocar a cara a tapa e expor verdades em um espaço que é opressor de todos os lados. Ao mesmo tempo, ela não é aquela pessoa feita apenas de discursos na aparência e, no fundo, tão hipócrita quanto o que critica. A reviravolta do final (pensou que eu ia jogar o spoiler assim de graça, né!) é uma expressão de sua luta e, ainda assim, de sua fragilidade enquanto ser humano. Posso estar bastante enganada, mas acredito que ela ainda vai surpreender.

Um ponto positivo é que a universidade apresentada na série é bastante crível. Os estudantes parecem mesmo os que encontramos na vida real, assim como os problemas também são. É muito fácil seguir a linha do besteirol americano em que todos os jovens parecem mecanicamente os mesmos, com conflitos superficiais e zero consciência. No entanto, para cumprir sua proposta, Cara Gente Branca escolhe o caminho mais complexo e isso é ótimo. Os estereótipos existem, mas não é aquela técnica bizarra e forçada, eles estão ali para provar seus pontos. A trilha sonora, apesar de não ser tão expressiva quanto poderia, vem na medida certa para ambientar essa pegada jovem e crítica.

Outro detalhe que deu certo foi o narrador, que aparece predominantemente no início de cada episódio. Não é um Lemony Snicket em Desventuras em Série, que além de contar a história, vive a dor dos personagens. Não vemos sua imagem, não fazemos ideia de quem é e, exatamente por seu jeito pomposo de narrar, agrega um tom divertido ao episódio. Também não é um recurso indispensável para a narrativa, mas de fato é uma boa maneira de costurar as cenas e introduzir os pontos de debate que virão a seguir.

No entanto, nada é tão poderoso quanto o texto de Cara Gente Branca. Ao contrário de que muita gente pensou, não é puramente uma sátira, não vem para causar o desconforto com piadas difamatórias nem combater o racismo com ódio. Nenhum personagem é apedrejado, mas sim suas atitudes. E, vamos combinar, atitudes babacas tem que ser combatidas! É interessante também a forma com que eles se recusam a abusar da generalização. O personagem de Gabe é o cara branco que compreende o absurdo das festas blackface e parece se importar com a luta do movimento negro, como uma representação de que existe consciência social em jovens de todas as tribos, por assim dizer. E mesmo sendo um apoiador, ele não sabe o que é o racismo sentido na pele, não cabe a ele levantar a bandeira da batalha. E por último, só não tão importante, as referências às séries são ótimas (oi, Scandal)! Até a CW teve sua ponta.

Mesmo antes da estreia, Cara Gente Branca teve uma recepção bastante controversa. Várias pessoas cancelaram suas assinaturas da Netflix em protesto, alegando que a série promove o “racismo reverso” e até o “genocídio de pessoas brancas”. É uma comédia que trata dos preconceitos raciais em várias facetas e traz no elenco protagonistas negros, algo não muito visto nas produções norte-americanas. Esse embate não é de hoje, nem mesmo vai ser uma série de um serviço de streaming (ou um filme) que vai colocar um fim nas divergências. Mas é inegável que é preciso debater e, acima de tudo, é preciso compreender que Cara Gente Branca não é uma forma de vingança contra o racismo. É um alerta sobre o que acontece (há muito tempo, vamos enfatizar) em quase todos os lugares. O blackface é tão errado e só não ver quem não quer. Basicamente é o que Sam fala em umas das cenas: negro não é uma fantasia – não é pra ser destratado, nem hipersexualizado, é um ser humano com mesmos direitos que qualquer um. E a piadinha que é feita com o negro não gera apenas divertimento de quem a faz; há toda a questão secular de achar que negro é menos confiável, mais propenso ao crime e essas piadas “inofensivas” perpetuam isso.

Acredito que a questão maior é o pré-julgamento. As pessoas que cancelaram a assinatura nem sequer viram um episódio inteiro para pressupor que ela seria prejudicial e difamatória, uma caça aos brancos. Fica o questionamento: a realidade está estampada para todos verem, mas será que as pessoas querem aceitar o que estão errando? Não é bem mais fácil culpar os outros e dizer que o mundo é que está ficando muito chato? Não vou aprofundar o assunto porque num texto de Primeiras Impressões não caberiam tantos tópicos e quem sou eu na fila do pão para discursar sobre isso, mas destaco uma das falas de Justin Simien: Cara Gente Branca é um convite a conversação, ao debate. O assunto precisa ser falado para que sua importância seja compreendida. As situações mostradas na série são verídicas, o racismo existe e o primeiro passo para que ele seja extinto (ou ao menos amenizado) é a compreensão, ainda mais nessa era pós-Obama.

No geral, acredito que Cara Gente Branca seja muito necessária e faz bem seu papel de introduzir o debate. Essa revolta toda que causou é quase um episódio a parte da série, mais uma demonstração de que dói colocar o dedo na ferida. Não é uma série perfeita, mas nem de longe apresenta defeitos comuns das comédias que vem sendo lançadas todos os anos. Parece ser bem estruturada e se propõe a apresentar seus personagens de forma com que seus problemas e seus conflitos pessoais sejam aprofundados. Eles claramente não são versões de uma mesma pessoa. Não é aquela comédia que você vai ver para passar o tempo ou driblar o tédio e certamente vai encontrar muito textão sobre ela no Facebook com opiniões das mais diversas. Acima de tudo, não é uma série sobre jovens negros escrita sob a ótica de uma pessoa branca, que só tem uma ligeira ideia do que está falando e aí está a mina de ouro dela.

E você, o que achou de Cara Gente Branca? Qual sua opinião sobre as polêmicas que ela gerou? Vem comentar aqui com o Apaixonados por Séries!


Giovanna Hespanhol

Jornalista apaixonada pela cultura pop e por tecnologias. Forte tendência a gostar de séries ruins e comédias água com açúcar.

Bauru/SP

Série Favorita: Doctor Who

Não assiste de jeito nenhum: Game Of Thrones

×