Incorporated se passa no ano de 2074, em que, após drásticas mudanças climáticas que devastaram o planeta, causando fome, e levando os governos a falência, quem domina o mundo são as grandes corporações. Elas lutam por market share e pelo controle dos escassos recursos naturais. Nesse mundo, quem trabalha para as corporações vive nas Zonas Verdes e quem não trabalha vive nas favelas das Zonas Vermelhas.
A premissa não tem nada de novo, desde 1984 e Admirável Mundo Novo, muitos futuros distópicos fizeram parte do nosso imaginário. O que pode diferenciar Incorporated de outras narrativas especulativas é a fotografia e a maturidade com a qual trata os assuntos. Desde o início do episódio, com texto explicativo para situar o expectador no mundo em que vai entrar, o episódio piloto nos mostra que não está interessado em enrolação. Esse uso de texto em audiovisual, gera uma certa desconfiança, afinal a regra do jogo é mostre, não fale. Dado o contexto do episódio no entanto, achei válido. A verdade é que eu prefiro texto explicativo no início do que diálogo brega didático no meio da série.
O primeiro episódio já põe a plot para funcionar. Somos apresentados a Ben Larson, nosso protagonista, que vai nos conduzir neste mundo corporativo. Ben se encontra em uma situação complicada. A verdade é que ele tinha outros objetivos quando se infiltrou na empresa, mas isso já faz seis anos. Ben é aquele amigo que todos temos que só colocou terno e gravata para trabalhar por um tempo e financiar seu mochilão depois da faculdade – e nunca mais saiu de lá. No decorrer dos anos, ele encontrou aliados, fez alguns amigos e achou uma noiva. Várias coisas o prendem a Spiga além do seu objetivo original e o personagem vai começar a sentir a pressão de todas elas a medida em que pequenas mudanças ocorrem ao seu redor: o software no qual está trabalhando, a esposa que quer ter filhos, o acesso privilegiado a informações e as suas conexões na zona vermelha.
A zona verde, onde Ben vive, é uma bolha. As favelas são escondidas por murais eletrônicos, uma versão tech do que foi feito no Rio de Janeiro para as Olímpiadas; os ambientes assépticos, cheios de vidros para cercear a privacidade dos executivos; a violência banalizada a ponto de sequestros e mutilação serem normais e facilmente reversíveis. Basta trabalhar para uma grande corporação para ver o mundo cor de rosa e tudo que ela pede em troca são trabalho duro e lealdade. Parece justo?
Incorporated é o primo rico e mais velho de 3%. As duas séries tratam de futuros distópicos não muito distantes e fazem questionamentos muito atuais e processos seletivos tensos. Onde a série brasileira deixou a desejar, por certo amadorismo, Incorporated foi impecável. Spiga é sufocante, com seus escritórios envidraçados, a falta de privacidade e um clima pesado de futuro à la anos 50, em contraste com os bairros onde os funcionários moram, que mais se parece um rico subúrbio americano. O elenco que tem Sean Tale, um ator pouco conhecido no papel principal, mas que segurou bem o personagem, conta ainda com a maravilhosa Julia Ormond e Dennis Haysbert, que mostra uma calma assustadora. Por fim, a fotografia complementa perfeitamente a narrativa.
Se por um lado não houve nenhum momento de impacto no piloto, talvez dado ao fato de que a violência foi completamente banalizada nesta sociedade, ele parece meticulosamente pensado. O episódio é rico em detalhes, como as notícias de desastres na televisão e o “champagne” norueguês ser o melhor do mundo e a melhor referência a pornô da história – sério! São essas particularidades que me fazem acreditar que a jornada de Ben Larson, ainda que não seja a mais original, tem tudo para ser um excelente entretenimento e fazer a gente questionar um pouco o valor do trabalho nas nossas vidas.
A série vai ao ar as quartas-feiras pelo canal Syfy e tem como produtores executivos Ben Affleck e Matt Damon.