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Sirens

Por: em 12 de julho de 2011

Sirens

Por: em

Do dia-a-dia do técnico em ambulâncias Brian Kellett (de pseudônimo Tom Reynolds) nasceu o (já extinto) blog Random Acts of Reality, a partir deste foi escrito o livro Blood, Sweat & Tea: Real Life Adventures in an Inner-City Ambulance (Sangue, Suor e Chá: Experiências Reais em uma Ambulância do Núcleo de uma Cidade, em tradução livre, pois o livro ainda não foi lançado no Brasil) e este originou a dramédia existencial Sirens, nova aposta do Channel 4 (o mesmo de Misfits e Skins), ou seja, ela é uma adaptação de uma adaptação de experiências reais. Portanto, não espere um retrato fiel da vida noturna de uma cidade grande e do papel dos paramédicos nesta dinâmica, e sim uma versão carregada de humor negro do cotidiano desses profissionais, em uma produção que é boa, mas nem sempre acerta.

Os protagonistas – Stuart (uma espécie de sociopata mau humorado), Ashley (um divertido e confuso homossexual que foge de estereótipos) e Rachid (o novato sarcástico que… é legal, também) – são descritos como três paramédicos “excitados e aventureiros” que patrulham as ruas de Leeds, no interior da Escócia. A partir de suas experiências profissionais, os três amigos são levados a repensar suas vidas pessoais. Interpretados, respectivamente, por Rhys ThomasRichard Madden e Kayvan Novak (com destaque para a atuação de Thomas), o trio não apresenta a mesma química imbatível que vemos nas já citadas produções adolescentes do canal, mas convence, e os personagens são interessantes o suficiente para continuarem a prender a atenção do telespectador mesmo separados em diferentes plots, sendo Rachid o que se mostrou menos promissor.

primeiro episódio – Up, Horny, Down, cumpre bem sua função de introduzir os personagens sem o artificialismo didático presente em muitos pilotos; em alguns momentos do episódio – como na cena do café da manhã – parece que conhecemos o grupo há várias temporadas. Logo em sua primeira cena, Sirens já deixa o telespectador maravilhado com sua dinamicidade e seu humor “clevah” (típico de stand-ups britânicos), afinal, quer maneira mais ousada de se começar um seriado do que com colocando um coração batendo na mão de seu protagonista, enquanto em off, ele diz que “odeia a porcaria da adrenalina“? Temos, a seguir, uma das aberturas mais cativantes dessa temporada… e a partir disso, o episódio segue oscilante, falhando evidentemente em manter o nível de suas primeiras cenas, porém tentando bravamente e mostrando que a série promete.

Acompanhamos os paramédicos – em especial Stuart – lidando com os efeitos do stress pós-traumático – excitação, libido e depois melancolia -, e é a partir desta trama que a série estabelece seu ritmo e mostra por que viés da dramédia vai trilhar. É interessante lembrar que a série, enquanto estava em pré-produção, era chamada de Naked Apes (ou “Macacos Nus“) e a partir deste working title dá pra se tirar conclusões sobre seu “tipo” de humor: a partir da racionalização de emoções e de uma abordagem sóbria e sistematizada de questões sentimentais, Sirens nos traz uma debochada filosofia de boteco, analisando seus personagens (Stuart, particularmente) sociologicamente.

Aí é que está o maior mérito da série: te levar a refletir sem ser “cabeça” demais, mantendo um equilíbrio quase perfeito entre drama e comédia – quase porque ele só é eficiente quando enxergamos o episódio como um todo. Se analisarmos, isoladamente, as cenas cômicas, e depois as dramáticas, a desigualdade torna-se evidente. A série consegue, sim, emocionar quando se propõe a fazê-lo, mas não atinge os mesmos bons resultados no quesito riso: Sirens não é tão engraçada quanto emocionante, porém insiste em dar mais espaço para tentativas falhas de humor do que para cenas dramáticas. A série é indiscutivelmente divertida, mas outras produções que não levam a alcunha de dramédia conseguem arrancar mais risadas do que ela.

Mas como eu disse, a série tenta. Por vezes, até demais. Este primeiro episódio mostrou um certo desespero em fazer humor, criando situações forçadas e que simplesmente não tinham graça, como o comentário de Stuart ao ver a mulher que sofreu violência doméstica sendo atendida: foi estúpido e repentino demais, mas isso seria perdoável se ao menos tivesse feito rir. Em contraposição, temos momentos dramáticos que são intensos na medida certa e impressionam por sua profundidade, como no final do episódio, em que Stuart descreve suas sensações ao fazer o coração da garota voltar a bater: assisto séries médicas desde que aprendi a ligar a televisão sozinho e mesmo assim a série conseguiu me surpreender e mexer comigo. Sirens tem vocação para série dramática, mas insiste em querer fazer graça.

Ao mesmo tempo, acho que não seria interessante para a série abandonar o gênero tragicômico: ele confere uma despretensiosidade que faz parte do que diferencia a série desse oceano de séries médicas que vemos na TV; Sirens tem uma lição a passar, uma história forte a contar, mas nem por isso vai sair tocando Snow Patrol e só mostrar gente chorando em salas de operação. A série prefere usar o humor (mesmo que meio capenga) para transmitir seu conteúdo de maneira mais leve, mais livre (entregando-se em vários momentos à bizarrice, ao nonsense e ao humor físico, no estilo dos besteiróis americanos) e mais humana. Sirens é uma série muito humana.

Nem Scrubs, nem Grey’s Anatomy e muito menos Trauma (Deus nos livre): Sirens não tem tanta comicidade quanto a primeira, tanto dramalhão quanto a segunda (que eu adoro, ok?) ou tanta ação (ou atuações ruins) quanto a terceira. É um seriado médico diferente do que estamos acostumados a ver, que dispensa qualquer clichê, a não ser quando é para debochar dos mesmos. Tem, sim, problemas em sua estrutura, mas em um episódio que cativou ao mesmo tempo por sua simplicidade e por sua profundidade, mostrou-se promissora o suficiente para merecer que a gente continue acompanhando-a, e torcendo para que ela se saia melhor nas próximas semanas.

PS.: Serão seis episódios nessa primeira temporada, como é padrão na televisão britânica, e Richard Madden já anunciou que, se a série for renovada, continuará tanto nela quanto em Game of Thrones.

 


João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

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