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Roots – 1×02 Part 2

Por: em 3 de junho de 2016

Roots – 1×02 Part 2

Por: em

O tempo passa muito rápido em Roots e a série aborda muitas fases da vida de seus personagens durante os 95 minutos. No entanto, uma coisa que ajuda a segunda parte é que esse ritmo apressado se torna familiar e a série insiste em cenas semelhantes e diversos flashbacks ao longo da narrativa. Não importa o quanto Roots caminhe, a história ainda é sobre Kunta Kinte e sua família.

A primeira cena do episódio se passa dez anos depois de onde deixamos Kunta no primeiro episódio, e ele está fugindo novamente. Até o último mês, eu não conhecia a história de Roots, mas de alguma forma a lenda do escravo que tentou fugir tantas vezes que os mestres tiveram que cortar seu pé sempre foi familiar. Mas antes dessa cena histórica, Kunta mata Connely (Tonny Curran), o capataz que o chicoteou, e é encontrado pelos britânicos.

Estamos em 1782 durante a Guerra Revolucionária, então os britânicos não capturam o guerreiro Mandinka, mas o “recrutaram” para a própria batalha usando o lema “liberdade para escravos” como atrativo. Não precisa de muito para perceber que as intensões daqueles que lutam pelo rei Jorge não são as melhores. O discurso de superioridade nunca é demonstrado em voz alta, mas é evidente que os ingleses ainda tratam aqueles negros (e um nativo americano que estava no grupo) como selvagens. Eles não se importam com o fim da escravidão, mas em usar aqueles corpos como escudo nas batalhas, em uma tática de “melhor eles, do que nós”.

Kunta duvida rapidamente da palavra dos ingleses e quando a situação aperta, ele sabe que precisa lutar por sua vida. Por isso, abandona a batalha e foge novamente. Mas não demora muito até ele ser capturado por outros capatazes. Então, eles amarram Kunta em uma árvore e cortam metade do seu pé direito. A cena é rápida (dolorida, mas rápida), no entanto sua recuperação demora mais do que as pessoas ao seu redor podem suportar.

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“Me deixe morrer”, Kunta diz para Belle (Emayatzy Corinealdi) quando ela tenta alimentá-lo, mas essa já não é uma opção. Belle, escrava do Dr. Willian Waller (Matthew Goode), e Fiddler cuidaram muito de Kunta para que ele voltasse a ser o guerreiro que eles acreditaram. Kunta precisa ver uma razão para continuar vivo, para continuar lutando, e ele vai encontrar esse motivo na responsabilidade mais importante de um Mandinka: construir uma família.

Depois do primeiro quarto, o episódio se parece muito com a parte 1. Roots apresenta um novo personagem, constrói sua identidade, estabelece o cenário e as forças que podem agir contra ou a favor dele e encerra sua narrativa com uma cena brutal.

Nessa dinâmica que se repete, um ritual acontece duas vezes em momentos diferentes: a apresentação de uma criança a Allah.

No primeiro momento, Kunta tenta repetir o mesmo ritual que seu pai fez para batizá-lo. Ele pede para Fiddler o acompanhar e tocar a música de sua mãe, quebrando um pouco a tradição que diz que o homem deve dar um nome a seu filho sozinho. “Eu tenho meu próprio jeito e eu quero você aqui comigo”, explica. Além de mostrar que algumas tradições serão alteradas com o tempo e com a situação, Roots reafirma nesse momento a importância de Fiddler para Kunta. Ali está o homem que acolheu, confortou e guiou o nosso protagonista nesse novo mundo e que estava prestes a se sacrificar para que Kunta Kinte pudesse continuar a escrever sua história.

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Porque não há nenhum momento de felicidade ou paz dos escravos em Roots que não seja interrompido por homens brancos. Antes de concluir a apresentação da filha, tomemos como exemplo o casamento de Kunta com Belle. A celebração entre os escravos e para os escravos tem um fim quando Kunta é chamado para levar o Dr. Waller para a fazenda de seu antigo mestre. Mais do que uma obra desafortunada do destino, a série lembra que embora os escravos tenham o direito de construir suas vidas, eles não desumanizados, eles são apenas propriedades aos olhos dos mestres.

Mas a situação que interrompeu a primeira tentativa de apresentar a filha a Allah não foi nenhuma obra do destino, foi uma decisão de homens brancos que não perderam a oportunidade de demonstrar sua suposta superioridade e sua maldade injustificável.

Kunta retorna para a fazenda disposto a fugir, mas Belle consegue convencê-lo que aquela não é uma boa ideia. “Eu odeio este país. A América nunca será meu lar”, Kunta afirma chorando. Realmente, essa terra que ele habita nunca será seu lar, mas é o lar da sua filha, do seu neto e de todas as gerações que seguirão. Essa terra que mesmo depois de centenas de anos ainda consegue fazer com que esses negros se sintam fora de casa.

O segundo momento que a situação se repete é quando Kizzy (interpretada na adolescência por Emyri Crutchfield), filha de Kunta e Belle, apresenta o seu filho a Allah, e essa segunda cena tem um tom mais dramático e um resultado mais poderoso que a primeira.

O filho de Kizzy é resultado de um abuso sexual. Depois de ser vendida para a fazenda de Tom Lea (Jonathan Rhys Meyers) na Carolina do Norte, Kizzy é estuprada pelo mestre. Assim, como a cena em que Kunta leva chicotadas até dizer seu nome de escravo, a cena do estupro é um dos últimos momentos do episódio e elas têm um peso muito parecido. Em ambas, é preciso lutar para não desviar o olhar diante de tanta brutalidade.

Não é a primeira vez que a série mostra uma cena de estupro. No navio, a paixão de adolescência de Kunta passa pela mesma coisa e as reações são as mesmas: elas lutam como podem e quando a violência parece inevitável, elas afirmam que preferem a morte. Mas o poder de escolha dessas mulheres não é algo que está em jogo, é o mestre que decide, ele tem o direito ao corpo de sua “propriedade”.  Estupro é sobre poder e naquela situação, Kizzy não tem nenhum.

Roots não mostra todo o ato do estupro, a câmera se afasta e foca em outra mulher, Patricia Lea (Shannon Lucio), que do lado de fora acompanha os gritos e o pedido de socorro da escrava. Patricia está claramente abalada com a ação do marido, mas em nenhum momento pensa em intervir e ajudar Kizzy. A cena é cortada para o nascimento do filho, que ganha o nome do pai de Lea, George.

O estupro de Kizzy dói porque é quando vemos todos os sonhos e vontades da personagem serem aniquilados. Durante o episódio, vemos Kizzy crescer, a aprender a ler em segredo, a ser treinada para se tornar uma guerreira e a lutar. O ambiente em que Kizzy cresce já é totalmente diferente do de seu pai, mas ela mantém as características de seus ancestrais. Ela não tem uma terra africana para voltar, mas a sua esperança pode ser encontrada ao olhar para o futuro (ou para o norte dos Estados Unidos) consegue ver esperança.

Porém, a ideia de futuro próspero e uma vida com mais igualdade é destruída quando o Dr. Waller descobre que a garota ajudou Noah a fugir e que forjou uma carta para ele. Então, ela é arrastada para longe dos pais, vendida e fatalmente violentaa. A vida de Kizzy não significa nada para os personagens com poder de Roots, mas é essencial para os espectadores.

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Kizzy pensa em tirar sua própria vida e de seu filho, mas ao pedir ajuda olhando para o céu, toda sua herança, ensinamentos e história ecoam. Kizzy resiste e repete o ato de seu pai, e do pai dele: “Eu tenho que te dizer sobre nossa gente. Meu pai é Kunta Kinte. Ele é um guerreiro Mandinka. Você tem que saber quem ele é para saber quem você é. Veja as estrelas, a lua, o céu inteiro. Contemple a única coisa que é maior que você.

A parte 2 é mais um episódio desolador. Em nenhum momento, Roots tenta fazer uma consciliação entre a América e sua história. A série expõe e discute as maiores feridas dessa história, mas não esconde ou romantiza os crimes cometidos. Ainda assim, Roots não se perde. A série é sobre a vida dos escravos, seus sofrimentos, sonhos e resistência; e no fim, é essa perspectiva que importa.


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Nathani Mota

Jornalista, nerd e feminista. Melhor amiga da Mindy Kaling, mesmo que ela não saiba disso.

Salto / São Paulo

Série Favorita: Sherlock

Não assiste de jeito nenhum: Two and Half Men

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