O tempo passa muito rápido em Roots e a série aborda muitas fases da vida de seus personagens durante os 95 minutos. No entanto, uma coisa que ajuda a segunda parte é que esse ritmo apressado se torna familiar e a série insiste em cenas semelhantes e diversos flashbacks ao longo da narrativa. Não importa o quanto Roots caminhe, a história ainda é sobre Kunta Kinte e sua família.
A primeira cena do episódio se passa dez anos depois de onde deixamos Kunta no primeiro episódio, e ele está fugindo novamente. Até o último mês, eu não conhecia a história de Roots, mas de alguma forma a lenda do escravo que tentou fugir tantas vezes que os mestres tiveram que cortar seu pé sempre foi familiar. Mas antes dessa cena histórica, Kunta mata Connely (Tonny Curran), o capataz que o chicoteou, e é encontrado pelos britânicos.
Estamos em 1782 durante a Guerra Revolucionária, então os britânicos não capturam o guerreiro Mandinka, mas o “recrutaram” para a própria batalha usando o lema “liberdade para escravos” como atrativo. Não precisa de muito para perceber que as intensões daqueles que lutam pelo rei Jorge não são as melhores. O discurso de superioridade nunca é demonstrado em voz alta, mas é evidente que os ingleses ainda tratam aqueles negros (e um nativo americano que estava no grupo) como selvagens. Eles não se importam com o fim da escravidão, mas em usar aqueles corpos como escudo nas batalhas, em uma tática de “melhor eles, do que nós”.
Kunta duvida rapidamente da palavra dos ingleses e quando a situação aperta, ele sabe que precisa lutar por sua vida. Por isso, abandona a batalha e foge novamente. Mas não demora muito até ele ser capturado por outros capatazes. Então, eles amarram Kunta em uma árvore e cortam metade do seu pé direito. A cena é rápida (dolorida, mas rápida), no entanto sua recuperação demora mais do que as pessoas ao seu redor podem suportar.
“Me deixe morrer”, Kunta diz para Belle (Emayatzy Corinealdi) quando ela tenta alimentá-lo, mas essa já não é uma opção. Belle, escrava do Dr. Willian Waller (Matthew Goode), e Fiddler cuidaram muito de Kunta para que ele voltasse a ser o guerreiro que eles acreditaram. Kunta precisa ver uma razão para continuar vivo, para continuar lutando, e ele vai encontrar esse motivo na responsabilidade mais importante de um Mandinka: construir uma família.
Depois do primeiro quarto, o episódio se parece muito com a parte 1. Roots apresenta um novo personagem, constrói sua identidade, estabelece o cenário e as forças que podem agir contra ou a favor dele e encerra sua narrativa com uma cena brutal.
Nessa dinâmica que se repete, um ritual acontece duas vezes em momentos diferentes: a apresentação de uma criança a Allah.
No primeiro momento, Kunta tenta repetir o mesmo ritual que seu pai fez para batizá-lo. Ele pede para Fiddler o acompanhar e tocar a música de sua mãe, quebrando um pouco a tradição que diz que o homem deve dar um nome a seu filho sozinho. “Eu tenho meu próprio jeito e eu quero você aqui comigo”, explica. Além de mostrar que algumas tradições serão alteradas com o tempo e com a situação, Roots reafirma nesse momento a importância de Fiddler para Kunta. Ali está o homem que acolheu, confortou e guiou o nosso protagonista nesse novo mundo e que estava prestes a se sacrificar para que Kunta Kinte pudesse continuar a escrever sua história.
Porque não há nenhum momento de felicidade ou paz dos escravos em Roots que não seja interrompido por homens brancos. Antes de concluir a apresentação da filha, tomemos como exemplo o casamento de Kunta com Belle. A celebração entre os escravos e para os escravos tem um fim quando Kunta é chamado para levar o Dr. Waller para a fazenda de seu antigo mestre. Mais do que uma obra desafortunada do destino, a série lembra que embora os escravos tenham o direito de construir suas vidas, eles não desumanizados, eles são apenas propriedades aos olhos dos mestres.
Mas a situação que interrompeu a primeira tentativa de apresentar a filha a Allah não foi nenhuma obra do destino, foi uma decisão de homens brancos que não perderam a oportunidade de demonstrar sua suposta superioridade e sua maldade injustificável.
Kunta retorna para a fazenda disposto a fugir, mas Belle consegue convencê-lo que aquela não é uma boa ideia. “Eu odeio este país. A América nunca será meu lar”, Kunta afirma chorando. Realmente, essa terra que ele habita nunca será seu lar, mas é o lar da sua filha, do seu neto e de todas as gerações que seguirão. Essa terra que mesmo depois de centenas de anos ainda consegue fazer com que esses negros se sintam fora de casa.
O segundo momento que a situação se repete é quando Kizzy (interpretada na adolescência por Emyri Crutchfield), filha de Kunta e Belle, apresenta o seu filho a Allah, e essa segunda cena tem um tom mais dramático e um resultado mais poderoso que a primeira.
O filho de Kizzy é resultado de um abuso sexual. Depois de ser vendida para a fazenda de Tom Lea (Jonathan Rhys Meyers) na Carolina do Norte, Kizzy é estuprada pelo mestre. Assim, como a cena em que Kunta leva chicotadas até dizer seu nome de escravo, a cena do estupro é um dos últimos momentos do episódio e elas têm um peso muito parecido. Em ambas, é preciso lutar para não desviar o olhar diante de tanta brutalidade.
Não é a primeira vez que a série mostra uma cena de estupro. No navio, a paixão de adolescência de Kunta passa pela mesma coisa e as reações são as mesmas: elas lutam como podem e quando a violência parece inevitável, elas afirmam que preferem a morte. Mas o poder de escolha dessas mulheres não é algo que está em jogo, é o mestre que decide, ele tem o direito ao corpo de sua “propriedade”. Estupro é sobre poder e naquela situação, Kizzy não tem nenhum.
Roots não mostra todo o ato do estupro, a câmera se afasta e foca em outra mulher, Patricia Lea (Shannon Lucio), que do lado de fora acompanha os gritos e o pedido de socorro da escrava. Patricia está claramente abalada com a ação do marido, mas em nenhum momento pensa em intervir e ajudar Kizzy. A cena é cortada para o nascimento do filho, que ganha o nome do pai de Lea, George.
O estupro de Kizzy dói porque é quando vemos todos os sonhos e vontades da personagem serem aniquilados. Durante o episódio, vemos Kizzy crescer, a aprender a ler em segredo, a ser treinada para se tornar uma guerreira e a lutar. O ambiente em que Kizzy cresce já é totalmente diferente do de seu pai, mas ela mantém as características de seus ancestrais. Ela não tem uma terra africana para voltar, mas a sua esperança pode ser encontrada ao olhar para o futuro (ou para o norte dos Estados Unidos) consegue ver esperança.
Porém, a ideia de futuro próspero e uma vida com mais igualdade é destruída quando o Dr. Waller descobre que a garota ajudou Noah a fugir e que forjou uma carta para ele. Então, ela é arrastada para longe dos pais, vendida e fatalmente violentaa. A vida de Kizzy não significa nada para os personagens com poder de Roots, mas é essencial para os espectadores.
Kizzy pensa em tirar sua própria vida e de seu filho, mas ao pedir ajuda olhando para o céu, toda sua herança, ensinamentos e história ecoam. Kizzy resiste e repete o ato de seu pai, e do pai dele: “Eu tenho que te dizer sobre nossa gente. Meu pai é Kunta Kinte. Ele é um guerreiro Mandinka. Você tem que saber quem ele é para saber quem você é. Veja as estrelas, a lua, o céu inteiro. Contemple a única coisa que é maior que você.”
A parte 2 é mais um episódio desolador. Em nenhum momento, Roots tenta fazer uma consciliação entre a América e sua história. A série expõe e discute as maiores feridas dessa história, mas não esconde ou romantiza os crimes cometidos. Ainda assim, Roots não se perde. A série é sobre a vida dos escravos, seus sofrimentos, sonhos e resistência; e no fim, é essa perspectiva que importa.
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