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Séries que cometeram erros ao falar sobre saúde mental

Por: em 10 de outubro de 2017

Séries que cometeram erros ao falar sobre saúde mental

Por: em

Spoiler Alert!

Este texto contém spoilers pesados,

siga por sua conta e risco.

Segundo uma pesquisa realizada, em 2015, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo. Um número que cresceu 18,4% em  10 anos. No Brasil, 5,8% da população sofre com a doença, que atinge 11,5 milhões de brasileiros, tornando este o país com maior prevalência de depressivos na América Latina. Além disso, nosso país é também recordista mundial em transtornos de ansiedade, tendo 9,3% da população afetada por eles.

Sendo assim, quebrar os tabus e falar abertamente  – e de forma responsável –  sobre saúde mental se mostra cada vez mais importante e necessário. No entanto, a invisibilidade de pessoas neuroatípicas ainda é uma realidade tanto na vida quanto na ficção e, mesmo quando há uma proposta efetiva em falar sobre essas doenças na TV, nem sempre as produções acertam. Nesse Dia da Saúde Mental resolvemos, então, refletir sobre cinco séries que erraram feio (erraram rude) ao falar sobre saúde mental.

Glee

Reprodução/FOX

É complicado falar sobre Glee. Ao mesmo tempo em que trouxe um discurso de aceitação importante e representou muitas pessoas, a série também cometeu vários equívocos nessas representações e muitas vezes promoveu mensagens ofensivas em sua narrativa. Seja pelo apagamento de personagens não caucasianos, pelo estupro ou abusos romantizados ou pela recorrente bifobia, o seriado de Ryan Murphy está longe de ser perfeito. Algo que também se manifesta quando falamos de representação de pessoas neuroatípicas. O principal caso vem de Emma Pillsbury.

Segundo o que nos é apresentado, Emma tem TOC. Ou, pelo menos, uma representação preguiçosa e cheia de estereótipos do que seria o Transtorno Obsessivo Compulsivo. Como pessoa que vive com a doença desde a infância nunca consegui me relacionar verdadeiramente com a personagem, porque TOC é muito mais sobre ansiedade e pensamentos obsessivos – dos quais você não consegue se libertar – do que sobre a necessidade de deixar tudo limpo ou organizado. É claro que a compulsão por limpeza pode existir – como uma consequência da ansiedade e dos pensamentos obssessivos –, no entanto, ao contrário do que a cultura POP parece acreditar, a doença é muito mais abrangente do que isso e existe uma infinidade de outros comportamentos compulsivos possíveis. Acredite em mim, a desordem em forma de gente, quando digo que você pode ter TOC e não dar a mínima para se as coisas ao seu redor estão limpas ou não.

Começa daí, então, o meu descontentamento com a série que é incapaz de retratar corretamente o transtorno do qual pretende falar. Ainda assim, eu até poderia engolir essa representação superficial e carente de esforço em mostrar algo que acontece primordialmente dentro de nossas cabeças (se eu não tivesse assistido My Mad Fat Diary), se não fosse pelo momento absurdo em que vemos Will Schuester cantando Fix You para sua amada. Eu sei que a intenção era que a cena soasse romântica, mas o resultado foi, ao menos para mim, intragável. Primeiro, porque Emma não é uma coisa frágil e quebrada. Ela é um ser humano com uma doença que pode ser tratada. Depois, porque Will não pode curá-la com seu (suposto) amor infinito. Ele pode ajudá-la, apoiá-la e estar ali por ela, mas não pode “consertá-la”.

Pare por um minuto e pense: você já viu alguém desejando usar seu amor para curar pessoas com doenças que se manifestam fisicamente? Pois bem, é a mesma coisa aqui. É importante destacar também que é ofensiva e perigosa essa noção de que homens podem reparar mulheres neuroatípicas. E o VICE tem um texto inteiro e maravilhoso sobre o assunto que você pode conferir aqui.

Além disso, há a questão de que quando penso em Emma só penso em TOC. Precisei de minutos para me lembrar de outras características da personagem que foi definida por seu transtorno, ou por comportamentos ligados a ele, durante todo o tempo em que acompanhei a série. O que além de frustrante mostra a dificuldade de representar pessoas que possuem transtornos mentais como seres humanos reais e complexos.

Riverdale

Reprodução/CW

Precisamos falar sobre Cheryl Blossom! Já se passaram meses e ainda não encontrei palavra melhor que “irresponsável” para descrever como o modo como Riverdale lidou com a tentativa de suicídio da garota. Na verdade, essa cena – e as que se seguiram – foi provavelmente uma das coisas mais errôneas que assisti esse ano. Sabemos que Cheryl passou por maus bocados: o assassinato do irmão gêmeo, a descoberta de que o assassino era alguém próximo e uma vida inteira de descaso e abusos psicológicos por parte dos pais. A soma de tudo isso a levou a tentar se matar, se jogando no lago em que o cadáver de Jason foi encontrado.

Vimos, então, a trupe de heróis formada por Veronica, Betty, Archie e Jughead correrem ao resgate da menina. Começa errado, porque em nenhum momento aquilo é verdadeiramente sobre Cheryl. Em instante algum sabemos o que ela está  sentindo ou pensando e a cena acaba sendo muito mais sobre o heroísmo do Quarteto Fantástico do que sobre a vítima em si. Esse incômodo poderia até ter sido superado, não fosse o que vem depois. Após salvar uma adolescente que tentou se matar e se afogou em lago congelado, nenhum dos gênios teve a ideia de levá-la para um hospital ou avisar algum adulto responsável.

Cheryl acaba, então, na casa de Veronica, de onde é praticamente expulsa quando a mãe da garota deixa claro que a presença de uma Blossom não é bem-vinda. Sendo assim, temos uma adolescente emocionalmente abalada, que atentou contra a própria vida, vem de uma família abusiva e não recebeu nenhum tipo de suporte psicológico,  sendo deixada sozinha. Quais as chances de, no mundo real, isso acabar bem? O season finale de Riverdale é quase uma aula de como não agir ao descobrir que alguém tem intenções suicidas.

Além disso, na mesma série temos Betty Cooper que apresenta sintomas de transtornos de personalidade durante a primeira temporada inteira, mas nunca tem essa questão verdadeiramente trabalhada. De qualquer forma, o gancho ainda está no ar e Riverdale retorna amanhã. Só posso esperar, então, que Cheryl e Betty tenham suas questões de saúde mental trabalhadas de forma correta durante essa segunda temporada.

Game of Thrones

Reprodução/HBO

Bom, eu sei que Game of Thrones não é uma série que se propõe efetivamente a falar sobre saúde mental. Tenho consciência também de que falta aos produtores do seriado sensibilidade – para dizer o mínimo – na hora de representar qualquer pessoa que não se enquadre no padrão homem, branco, heterossexual, neurotípico. Foi assim, afinal, que ganhamos abominações como o núcleo de Dorne, vimos personagens femininas serem constantemente estereotipadas, violentadas e objetificadas e alguém como Loras Tyrell perdeu qualquer complexidade e foi reduzido a sua sexualidade. Ainda assim, para mim, o tiro final veio nas duas últimas temporadas quando Game of Thrones nos mostrou um suicídio e desdenhou dele.

Ouvir Cersei Lannister, na série tão caracterizada pela sua maternidade, reduzir o suicido de Tommen a um ato de “traição” e nunca parecer minimante sentida pelo destino do caçula é um soco no estômago. Tommen é o único filho por quem Cersei não chora, se desespera ou lamenta. É aquele que ela considera fraco e sobre o qual acha que não vale a pena tecer duas palavras. E, uma vez que nenhum outro personagem contesta essa visão, a produção da HBO deixa e mensagem implícita de que uma morte por suicídio não merece ser debatida, colaborando ainda com a ideia, ainda vigente, de que pessoas que tentam se matar são fracas e irrelevantes. Preciso mesmo dizer que isso não ajuda ninguém?

Além disso, não podemos esquecer de Theon Greyjoy, um personagem que claramente sofre de Transtorno do Estresse Pós Traumático e é constantemente humilhado por isso. É verdade que não devemos esperar compreensão ou tato da galera das Ilhas de Ferro, ainda assim, essa questão poderia ser resolvida se algum outro personagem mostrasse empatia ou se víssemos o próprio Theon falar abertamente sobre o que se passa em sua cabeça. Ao invés disso, ganhamos Yara lhe mandando superar o trauma (como se fosse simples assim) e uma infinidade de piadas sobre órgãos genitais sendo constantemente dirigidas a ele. Isso se torna ainda mais problemático quando consideramos que toda a narrativa de Sansa Stark, desde a quinta temporada, consiste em se empoderar por meio de um trauma. Será que é necessário desenhar que ser vítima de violência não torna alguém mais forte?

Switched at Birth

Reprodução/Freeform

Eu não queria colocar Switched at Birth nessa lista. Na verdade, meu coração sangra ao ter que colocar minha queridinha aqui. Ainda assim, isso nem de perto se compara a dor de ver o modo como a série – que sempre abordou questões socais e tabus de modo consciente e delicado, jogando luz em importantes questões ignoradas – tratou a depressão de um dos personagens. Começamos a quinta temporada com a noção de que Emmett tinha depressão e, em consequência disso, quase se matou (se acidentalmente ou não, nunca chegamos a descobrir). E, bom, foi basicamente isso.

Ficamos sabendo que o garoto acabou buscando ajuda, mas só. A depressão foi lançada como um tema e desapareceu tão rápido quando surgiu. Em poucos episódio Emmett já estava de volta ao seu lugar no triângulo amoroso formado com Travis e Bay e qualquer menção a sua saúde mental foi superficial ou jogada para baixo do tapete. Afinal, encerrar um arco de romance era mais importante do que uma narrativa que realmente mostrasse o que é lidar com uma doença que afeta milhares de pessoas ao redor do mundo.

No fim, ficamos com a mensagem – absurda, infeliz e errada – de que uma pessoa que chegou ao ponto de quase provocar a própria morte pode se curar em um passe de mágica. Que a última temporada de Switched at Birth é cheia de irregularidades – em decorrência de problemas internos com a Freeform – não é segredo, entretanto, não a desculpa para a banalizar depressão de tal modo. Na verdade, é ultrajante e irresponsável, especialmente vindo de uma série que, até então, tinha demonstrado tanta sensibilidade e responsabilidade social.

13 Reasons Why

Reprodução/Netflix

13 Reasons Why tem sido motivo de polêmica desde sua estreia. Há quem julgue importante, há quem considere perigosa. Eu, particularmente, não acho a série de todo ruim. O modo como ela aborda machismo, bullying e pretende despertar a empatia contam como pontos positivos. Além disso, a narrativa seriada consegue ser infinitamente mais complexa e profunda do que o livro no qual se baseia. Entretanto, e apesar de tudo isso, a original Netflix realmente peca em pontos que beiram a irresponsabilidade.

Primeiramente, temos a cena do suicídio que não deveria ter sido exibida, afinal contém quase um passo a passo de como tirar a própria vida e, mesmo com avisos de gatilho, dar essas informações a audiência está longe de ser sensato. Segundo, porque há sim uma ideia de suicídio como vingança percorrendo perigosamente todos os episódios.

Acredito, de qualquer forma, que um dos maiores problemas da série está no modo como ela procura culpados em todos os lados, mas ignora e invisibiliza doenças mentais. Com exceção do transtorno de ansiedade sofrido por Clay, que é algo que nunca ganha destaque suficiente dentro da trama, 13 Reasons Why não fala sobre saúde mental em nenhum momento. Ao invés de jogar a culpa em tudo e todos, não seria mais condizente falar sobre doenças que causam a morte de milhares de pessoas?

Menções (Des)honrosas:

Temos Gossip Girl como a clássica série do “episódio do transtorno alimentar”. Na verdade, nem chega a isso, uma vez que a bulimia de Blair é apenas brevemente mostrada em um flashback e, após isso, mencionada de modo tão esporádico que poderia contar em uma mão todas as vezes que isso aconteceu. Temos Skins que glamorizou os transtornos mentais e o abuso de drogas ao longo de todas as suas temporadas. E Sense8 que traz uma personagem com depressão, Riley, mas nunca dedica algum tempo para falar abertamente sobre isso como faz com outras questões. Na verdade, poderia continuar essa lista ao infinito e além, mas (hoje) vamos parar por aqui. Sinta-se livre, no entanto, para mencionar outros casos nos comentários.

A Luz no Fim do Túnel:

Felizmente nem tudo é trevas quando se trata de saúde mental nas séries de TV e você sempre pode recorrer a seriados como My Mad Fat Diary ou Please Like Me. O fato de só conseguir lembrar de duas séries que abordam essa questão de forma correta, no entanto, é um forte indício de que ainda temos um longo caminho a percorrer.


Thais Medeiros

Uma fangirl desastrada, melodramática e indecisa, tentando (sem muito sucesso) sobreviver ao mundo dos adultos. Louca dos signos e das fanfics e convicta de que a Lufa-Lufa é a melhor casa de Hogwarts. Se pudesse viveria de açaí e pão de queijo.

Paracatu/ MG

Série Favorita: My Mad Fat Diary

Não assiste de jeito nenhum: Revenge

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