A maneira como Shades of Blue apresenta casos paralelos à trama principal está funcionando. Por mais que os procedurais geralmente tenham pouco sentido além de “encher linguiça”, até então eles tem funcionado como um eficiente pretexto para desenvolver as interações entre a equipe e simultaneamente desenvolver os personagens e os valores de cada detetive, enquanto indivíduo e profissional. Parece uma ideia óbvia se aproveitar do que tal formato pode oferecer (e é), mas muitos procedurais desconhecem o potencial do próprio gênero (e Shades of Blue nem sequer se encaixa nessa categoria).

O episódio dessa semana amassou e jogou no lixo todo o desenvolvimento de personagens que estava se dando de forma natural até então. E justo quando descobrimos fatos importantíssimos da vida de Woz: ele teve uma filha que se matara aos 19 anos, e se sente culpado por ter discutido com ela naquele dia; e ele trai a esposa com o seu amigo Donnie. Duas revelações que dizem muito sobre o tenente Wozniak: o apego de Woz e a forma paternal com que ele trata a Harlee podem ter relação com o seu trauma familiar; e o caso extraconjugal com um homem podem servir futuramente para a nossa agente chantageá-lo.

Esses acontecimentos, tão importantes e relevantes para a história, foram apresentadas de forma dolorosamente artificial: a conversa casual com sua esposa, de repente, tornou-se um diálogo melancólico e cheio de culpa, de forma completamente desleixada; E o caso de Woz foi revelado depois de um tenso diálogo entre os dois amantes, no pior momento possível. Decepcionante, considerando que, além da possível importância para a trama, a sexualidade de Woz descontrói dois clichês recorrentes da televisão: o tenente “machão” e o velho heterossexual.

Até hoje Shades of Blue parece não ter se decidido se a Harlee funciona ou não sob pressão. Em determinados momentos ela é aborrecidamente estúpida, como ao pensar em voz alta enquanto invade o escritório do Woz, ou ao se demorar olhando com uma expressão assustada para a chave que se esquecera de devolver (e em frente ao escritório do próprio Woz). Em outro ela mente com maestria para se livrar de uma bala na testa. Talvez seu problema seja não ser muito boa quando acredita que ninguém está olhando, mas ainda assim, essas cenas contradizem a ideia da protagonista esperta que a série defende em vários momentos.

Por mais que seja positiva a preocupação com o desenvolvimento dos outros personagens, esses arcos pessoais, com exceção do arco do Loman (alguém andou assistindo Jessica Jones) estão desinteressantes. Em meio a uma trama conspiracional que envolve relacionamentos de longa data, abusos físicos e psicológicos e uma crescente rede de mentiras, histórias como a do detetive que conheceu uma brasileira em um site de relacionamentos e quer aprender português acaba (pasmem) não chamando tanta atenção.

Por fim, vimos alguma evolução na atuação da Jennifer Lopez: na cena em que o sexista Stahl põe o braço da detetive atrás das costas e murmura no seu ouvido que poderia tocar nela quando e onde quisesse, e quando Woz a confronta afirmando saber que ela é a delatora, JLo surpreendeu na performance (não que tenha sido nada incrível, mas foi um visível progresso), o que ajudou a tornar a Harlee ainda mais carismática. E como não apreciar quando ela vai à casa de Nava e liga a escuta quando os dois começam a se beijar, para que Stahl ouça ela decidindo quem toca nela? Um dos poucos pontos altos até então. Resta esperar que Shades of Blue continue nos trazendo momentos como esse e resolva seus problemas de roteiro, ou o cancelamento será cada vez mais certo.