Nos primeiros minutos de Yesterday Once More, segundo episódio de Vinyl, um lanterninha de cinema pergunta “quem é Richie Finestra”. A pergunta não é desconhecida para quem assistiu o episódio piloto da série da HBO, mas Richie não é o mesmo que nos foi apresentado. O protagonista renasceu. Quer dizer, quase isso. Depois de sobreviver ao desabamento do prédio onde reencontrava sua paixão pelo rock n’ roll, o empresário decide mudar. A cocaína volta a ter um espaço importante em sua vida, a venda da American Century Records é cancelada e para “convercer” os sócios do novo passo da gravadora ele decide usar golpes que aprende com Bruce Lee assistindo Operação Dragão.
Dessa “visão, sinal ou epifania”, como o próprio Richie tenta explicar, Zac Yankivich sai mais pobre (assim como Skip e Scott) e “ganha” um nariz quebrado; e Devon começa a demonstrar o descontentamento com o casamento até então bem mascarado.
No entanto, a mudança mais significativa influencia o trabalho da American Century Records. Para continuar funcionando, a empresa reduz o número de artistas, 40% da equipe de apoio é demitida e Richie decide que os funcionários de A&R devem recrutar em duas semanas uma banda ou artista solo senão eles serão demitidos. O chefe exige algo novo, fresco, rápido e excitante. “A música te faz cantarolar? Você lembrará dela amanhã? Ela te faz ligar para a rádio para descobrir que banda eles acabaram de tocar? Lembrem da primeira vez que vocês lembraram de uma música que fez o cabelo da sua nuca arrepiar. Que te fez querer dançar, ou transar ou arrebentar alguém”, explica Richie para complicar a tarefa.
A única funcionária que escapa da “quase ameaça” é Jamie, mas isso não faz a vida dela menos difícil. Além de fornecer mais cocaína para Richie, ela tem que trabalhar com o surpervisor do A&R, Julie Silver (que faz uma imitação barata das atitudes de Richie durante a conversa com a equipe), para o Nasty Bits gravar um showcase. Julie não gosta do som da banda e, depois de descarregar vários insultos, pede para eles aprenderem All day and all of the night porque “até macacos conseguem tocar.”
Assim, os Bits provavelmente parecerão com o que Richie não quer, mas quando Jamie tenta argumentar ele demonstra que aquilo não é uma negociação. De certa forma, a atitude de Julie consegue ofender mais Jamie do que os Bits, pois ignora a vontade e opiniões da funcionária e a coloca no “lugar que ela merece”. Afinal, ele é homem que trabalha há 20 anos com música e ela é só a secretária, não é mesmo?
Até então Vinyl não reverteu esse tipo de comportamento e, muito provavelmente, esse não é o objetivo da série (apesar de acreditar que Jamie consiga alcançar mais que a situação dos anos 70 permite ao decorrer da temporada). Mas o que preocupa é algumas atitutes passarem batido, principalmente em relação ao seu protagonista.
Richie até agora fez o que quis e em Yesterday Once More renasce para fazer mais do mesmo. É claro que não há problema nenhum nisso, mas quantas vezes um personagem-problemático-que-consegue-escapar-de-todas-as-suas-ciladas já foi apresentado na TV? E quantas vezes esses homens ganharam o rótulo de anti-herói? Entretanto, Richie está longe de ser um anti-herói e é importante questionar se seus hábitos trarão alguma consequência em algum momento. Até porque, por enquanto, o cenário de Vinyl é muito mais interessante que a história de seu personagem principal.
Por isso, o episódio escrito por Terrence Winter e dirigido por Allen Coulter cresce quando se afasta das histerias de seu protagonista.
Zac que nem foi apresentado apropriadamente no piloto ganha um sub-plot essa semana. O trabalho na American Century Records é difícil, mas é fora do escritório da gravadora que o empresário encara seus maiores problemas. Quando ele chega no hotel Manhattan, a filha e esposa se assustam com a aparência. Rapidamente, ele se desculpa pelo atraso e até chega a dizer “tudo bem querida, o papai está bem”, mas elas nem chegaram a perguntar como ele se sentia. Zac está em um jogo de aparências, onde ele não tem voz.
Enquanto o organizador apresenta as opções para o bar mitzvah da filha, ouvimos o barulho da calculadora adicionando números e mais números até chegar em uma quantia que Zac não pode pagar. A metáfora não podia ser mais óbvia, ele precisa pagar o preço por estar na indústria musical. Zac é “homem de negócios” mesmo quando não precisa ser um.
Mas é com Devon que Yesterday Once More tem seus melhores momentos. Um dos problemas que senti com o piloto foi a ausência de Olivia Wilde, não porque sou fã de seus lindos olhos claros, mas é que mesmo quieta e condescendente, Devon mostrava uma melancolia que era impossível notar no marido. O segundo episódio tenta, principalmente com os flashbacks, consertar a falta de profundidade apresentadada para a personagem. No entanto, Richie e o seu talento musical acabam sendo o foco das cenas feitas para Devon e, infelizmente, Vinyl define Devon a partir do protagonismo de Richie.
Inevitavelmente, acompanhamos o que aconteceu com o casal. Nos anos 60, eles eram amantes apaixonados e engravidaram. Então, Devon se dedica a vida de esposa e mãe no subúrbio, enquanto Richie continua sendo quem sempre foi. Agora, Devon tem que pegar os cacos deixados pelo marido e juntar para reconstruir o homem por quem se apaixonou. Mas em nenhum momento Richie demonstra a mesma vontade. Ele tem outra postura ao lado de Devon, parece mais frágil e sentimental, mas não se rende aos carinhos da esposa ou aos pedidos de sobriedade.
Vamos voltar para os anos 60 um minuto quando Andy Warhol (John Cameron Mitchell) pede para Devon fazer uma gravação. Ela só aceita porque Richie consente, mas durante o processo Warhol pergunta: “Você tem que ficar quieta. Você consegue fazer isso?”. Devon fica desconfortável, mas faz como foi pedido. A situação não é muito diferente agora, ela está visivelmente desconfortável com o casamento e nos resta saber se ela vai fazer como foi pedido. Espero que não!
Outros comentários (e momentos musicais):
- O nome do episódio é uma música do The Carpenters que é tocada enquanto Devon está dirigindo. Karen Carperter, interpretada por Natalie Prass, se materializa ao lado dela e Devon começa a ter uma onda de lembranças. O momento só é interrompido porque ela percebe que esqueceu os filhos em um restaurante. A música foi lançada em 1973 e a versão do episódio é um cover do Aimee Mann.
- Outras “materializações” musicais ficaram por conta de Jerry Lee Lewis com Breathless e Bobby Blue Bland com I’ll take care of you, música que foi regravada por Gill-Scott Heron e mais recentemente foi usada por Drake em “Take Care”.
- Pink Floyd ou Black Sabbath? “Sabbath! It sends a stronger message!”
- Lester aparece no fim desse episódio quando Richie aparece em sua casa para tentar uma reconciliação, um pouco antes desse momento ouvimos Everything I do Gown be Funcky de Lee Dorsey.
- Duas músicas do Velvet Underground aparecem no episódio. Run Run Run cantada por Julian Casablancas e Venus in Furs.
- A audiência do primeiro episódio foi surpreendetemente fraca. O drama foi assistido por 764.000 espectadores, enquanto True Detective, outra série da HBO que estreou no mesmo período, foi assistida por 2.3 milhões em 2014. Muitas fatores podem explicar essa diferença, mas nenhum motivo para se preocupar já que Vinyl foi renovada para uma segunda temporada.
- Vinyl tem muitas referências musicais que não quero perder, mas também não são tão grandes para ganhar pontos na review ou aqui nos comentários. Por isso, vou colocá-las em um tópico “para colocar na playlist“, ok? Então vamos lá: Higher Ground de Stevie Wonder, The Jean Genie de David Bowie, ABC de Jackson 5, Under my Thumb de The Rolling Stones e Is it in my head? de The Who.
O que você achou do segundo episódio? Está animado com o andamento da série? Deixe seu comentário!