Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

A representação da deficiência em Demolidor

Por: em 16 de março de 2016

A representação da deficiência em Demolidor

Por: em

Proponho uma reflexão: dentre as séries que você já assistiu, é bem possível que você conheça vários personagens com deficiência, mas quantos deles são protagonistas? Eu me recordo de apenas dois protagonistas: Dr. House (House) e Matthew Murdock (Demolidor). Quando exigimos diversidade na TV, temos que lembrar que as pessoas com deficiência também fazem parte de um grupo minoritário que precisa de notoriedade. E mesmo nestes dois casos, embora deficientes, House e Murdock são homens, brancos e heterossexuais. Ou seja, é uma diversidade limitada por certos parâmetros que costumam nortear o protagonismo na ficção.

Neste texto, focarei na representação da deficiência na série do Demolidor. Matthew Murdock, o Demolidor, perdeu a visão durante a infância quando, ao salvar um homem de um acidente, teve seus olhos atingidos por um produto químico. Imediatamente, ele começa a ouvir todos os barulhos do ambiente de forma muito mais intensa.

Daredevil-Matthew-Murdock-Blind-Netflix

A compensação sensorial das pessoas com deficiência visual adquirida é um estereótipo comum na ficção, mas na vida real tem sido bastante discutida e contestada pela psicologia. Alguns estudos trocam a explicação psicofísica pela tese do redirecionamento da atenção: as atividades costumeiramente realizadas de forma automática quando a pessoa ainda enxergava, passam a ser realizadas com atenção focada em outros sentidos. Não significa que os sentidos estejam mais apurados. Não é um processo imediato como aconteceu com o jovem Matthew. E, principalmente, não é um superpoder capaz de levá-lo a ouvir, de longe, as batidas do coração de alguém.

Então, Matthew Murdock não é uma boa representação de deficiência visual? Por este aspecto, não. Mas, voltemos um pouco no tempo para entender que a concepção deste personagem tem 50 anos de idade (Daredevil #1 foi lançado em 1964). Se hoje não vemos protagonistas com deficiência, imagine só o cenário da época. Fora isso, ressalto que é uma obra sobre um superherói. Personagens super heróis, com ou sem deficiência, costumam ultrapassar algum limite físico do ser humano. Às vezes isto acontece de forma nata, como os inúmeros poderes do superman, ou pela tecnologia, como o traje do Homem de Ferro, através de mutações adquiridas, como o ‘sentido aranha’ do Spiderman. No caso do demolidor, o redirecionamento de atenção se torna um poder sobrehumano.

Se isso pode ser entendido como uma falha em representar a deficiência visual de forma acurada, também precisamos lembrar que outros personagens na série não enxergam e não possuem habilidades especiais, como os funcionários da traficante Gal, que são homens e mulheres cegos que empacotam a heroína que é distribuída em Hell’s Kitchen. A explicação oferecida foi brutal: “Ninguém olharia para um homem cego duas vezes”.  Há uma enorme invisibilização das pessoas com deficiência, a começar com o seu acesso ao espaço público. Como um cego pode se sentir livre para andar por sua cidade se as calçadas são irregulares, se os semáforos não tem alarme sonoro, se a cidade, que é a expressão edificada da sociedade, não os acolhe plenamente?

Daredevil-Matthew-Murdock-Blind

Em sua vida adulta, a profissão escolhida por Matthew também é um signo facilmente reconhecível: ele é advogado, uma ponte para a sabedoria popular que afirma que a “Justiça é cega”. Assim, ele existe como uma metáfora da própria justiça.

Em alguns momentos, a série volta as atenções para aqueles que cercam os cegos nas mais variadas situações e, nisto, acho que Demolidor toca um nervo: As pessoas sem deficiência ficam completamente desnorteadas quando precisam lidar com uma pessoa cega. Por exemplo, a corretora imobiliária que mostrava a sala para Matthew e Foggy sugeriu que eles tirassem a sorte na moeda pela sala com vista. As pessoas conversam na presença de alguém cego balançando a cabeça e fazendo outros sinais não-verbais, sem se dar conta que o cego não está percebendo aquela comunicação. E é claro, sempre haverá alguém para perguntar como ele ficou cego. Outro fator positivo é que algumas rotinas das pessoas cegas também são mostradas, como o processo de aprendizado de Braile e o uso de tecnologia acessível.

A verdade é que o cinema tem sido muito mais diversificado na questão das deficiências do que a TV. Porém, além de buscar por mais personagens é preciso buscar por melhores representações. Mas acima de tudo, mais conteúdo acessível para séries de TV. Quando Demolidor, uma série cujo protagonista é um homem cego, foi ao ar, não era acessível para cegos. Somente depois de pressão dos fãs é que alguém resolveu fazer o óbvio e disponibilizar a áudio-descrição. Se vamos falar de representatividade, podemos começar por aí: garantindo o acesso.


Gizelli Sousa

Arquiteta, feminista, prefere uma noite de maratona de séries do que sair para a balada.

Brasília/DF

Série Favorita: The Walking Dead

Não assiste de jeito nenhum: Gilmore Girls, The O.C., One Tree Hill, Girls, Love

×