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American Crime Story: Tensão racial e sexismo

Por: em 25 de janeiro de 2017

American Crime Story: Tensão racial e sexismo

Por: em

Spoiler Alert!

Este texto contém spoilers leves,

nada que estrague a série ou a sua experiência.

Confesso que quando descobri que Ryan Murphy estava planejando outra série antológica, fiquei preocupada. Não porque não gosto desse formato – na verdade, muitos programas deveriam ser assim -, mas porque Murphy tem fama de não desenvolver bem seu trabalho atual quando está produzindo outro. Isto é óbvio na quinta temporada de Glee e nas últimas temporadas de American Horror Story.

Confesso também que, antes de American Crime Story: The People v. O.J., não conhecia a história do jogador de futebol americano, O.J. Simpson, e o quanto ela significou para os Estados Unidos. Orenthal James Simpson, mais conhecido como O.J., era na época, para os americanos, um símbolo a ser seguido. Sua carreira no esporte e no cinema, suas contribuições e seu carisma eram apreciados por todos. Até que sua ex-esposa, Nicole Brown e seu amigo Ronald Goldman, foram assassinados na noite do dia 12 de junho de 1994. As suspeitas caíram em cima de O.J. por dois motivos. O primeiro era pelo histórico do jogador com sua mulher, que já havia denunciado suas atitudes agressivas às autoridades. O segundo motivo era por Orenthal James ser negro. Ele e Nicole formavam um casal inter-racial e, apesar disso ser mascarado pelo seu sucesso, não deixava de ser um negro casado com uma branca, em um país que ainda dividia as pessoas pela cor da pele.

American Crime Story, em sua primeira temporada, mostra os bastidores do julgamento de James (baseando-se no livro The Run of His Life: The People v. O.J. Simpson, de Jeffrey Toobin), que abalou os EUA por diversos fatores. E se engana quem pensa que o enredo é sobre quem é o culpado do crime, aliás, a maioria já sabia qual seria o final da história. A série vai muito além, pois situa o telespectador do contexto em que tudo aconteceu e mostra como o caso passou de assassinato para um ato de racismo, prejudicando uns e enaltecendo outros.

Em 1991, três anos antes do “julgamento do século” sequer pensar em existir, sete policiais de Los Angeles agrediram Rodney King, um taxista negro. O motivo seria de que King estava em alta velocidade. O vídeo da agressão foi divulgado pelo mundo inteiro e mesmo assim o júri absolveu os culpados. Tal decreto resultou numa onda de manifestações, que ficou conhecida como Los Angeles Riot, contra a LAPD, denunciando os atos de racismo que os policias cometiam. Para interromper o tumulto, uma nova audiência foi realizada. Desta vez, apenas quatro dos sete homens foram acusados, dos quais dois foram presos e os outros dois absolvidos.

Quando Nicole e Ron foram assassinados, o ato contra Rodney ainda estava fresco na memória dos americanos. Logo, a população começou a acusar a polícia local de ter implantado provas contra O.J., começando uma grande conspiração. Tudo ficou claro quando descobriram que foi o detetive Mark Fuhrman que achou uma luva do jogador na cena do crime – uma das principais provas -, e ficou mais claro ainda quando acharam as fitas de Mark proferindo graves insultos racistas. A defesa usou essa tática, chamada de carta racial, como uma forma de tirar a acusação de O.J. da jogada, ou seja, não tinha como dar errado. E não deu.

Por falar em defesa, o conhecido advogado Johnnie Cochran (que no futuro viria a trabalhar para Michael Jackson), foi uma peça fundamental na decisão do júri. Escolhido a dedo pelo então advogado principal Robert Chapiro, Johnnie foi uma tentativa de fazer com que o público se identificasse com o suspeito, pela cor de sua pele. Ele tentava, mesmo que no momento errado, mostrar a todos o descaso que sua comunidade sofria dia após dia. Quando dirigia, quando trabalhava, quando conversava com um branco… Enfim, diversas situações que uma pessoa branca não enfrentava.

Assim como Cochran, Christopher Darden, o promotor, também foi “usado” por ser negro. A diferença é que Darden sabia que usar o julgamento de duplo homicídio para denunciar o racismo não iria mudar muita coisa, pois um suposto criminoso iria ficar livre e a população negra continuaria a sofrer os abusos. No último episódio, o The Verdict, o promotor diz à defesa (Johnnie) o que pensava sobre o ocorrido.

O que você conquistou para nós? Este caso não é um marco dos direitos civis. A polícia vai continuar nos espancando e matando. Você não mudou nada para os negros de Los Angeles. A não ser, é claro, aquele rico que mora em Brentwood.

Christopher Darden (Sterling K. Brown)

Uma das palavras faladas por Fuhrman nas gravações e que tem bastante destaque na série, é nigga. Nigger ou nigga, para quem não conhece, é um termo usado para ofender os africanos, uma maneira de dizer que eles são sub-humanos, desprovidos de inteligência; um animal. Hoje em dia, a palavra já é inserida em frases mais cotidianas dos negros, como um sinônimo informal de “cara”, mas no século passado ela era usada, nitidamente, como agressão verbal.

No episódio The Race Card, Cochran fala para Darden “nigga, please”, no tribunal. Todo mundo sabia que Christopher não admitia a palavra em seu vocabulário e ouvi-lá através de um advogado que tanto admirava, mostrou ao público que ele estava do lado dos policiais. De fato, começaram a chama-lo de Uncle Tom, que é uma forma de insultar um negro, dizendo que ele bajula a autoridade branca, além disso, 76% da população negra achava que ele não estava fazendo um bom trabalho.

A questão é que Orenthal James, o acusado, que estava recebendo amor e carinho do mundo inteiro, não ligava para a comunidade negra, ou apenas não se importava. Ele era rico, famoso e morava em um bairro de pessoas ricas e brancas. Sua mansão passou por um processo de transformação para mostrar ao júri que ele estava envolvido com suas origens. Então, por que as pessoas ainda insistiam em adorá-lo, enquanto odiavam Darden, que era um ativista?

Outra camada que The People v. O.J traz é o sofrimento da promotora, Marcia Clark. Em busca de achar o culpado, bem, ela já sabia que Simpson era o verdadeiro e único culpado, porém ela precisava de provas que a defesa não conseguisse responder. Marcia estava trabalhando em um caso famoso, sendo assistida pela maioria dos americanos, num período de 15 meses. A pressão em cima dela era grande: se perdesse, um assassino ficaria à solta; se ganhasse, seria odiada pela metade dos EUA. Não tinha como escapar.

Além do trabalho complicado, a promotora sofria com o divórcio e com a possível perda da guarda dos filhos para seu ex-marido. Mãe, divorciada, trabalhando em uma profissão que, naqueles tempos, era vista como uma “profissão de homem”. Era de se esperar que Clark não ligasse tanto para a aparência como as outras mulheres. Seu cabelo permanente, suas roupas, a falta de maquiagem, seu jeito de trabalhar, tudo incomodava não só seus companheiros de trabalho, como também a mídia, que a rebaixava de todos os modos possíveis.

Vadia não era a palavra mais ofensiva naquele momento, incompetente era. Incompetente por não ter tempo de cuidar dos filhos. Incompetente por não estar em um casamento feliz. Incompetente por não ser o que esperavam dela. Marcia Clark foi vista como um monstro por todos, e de acordo com a mesma, ela só foi ter uma redenção após o fim da série, pois foi assim que começaram a ver que ela tinha um lado humano. Um lado que insistiam em ignorar.

Enfim, mais do que uma aula de acusação e defesa, American Crime Story é um debate sobre caráter. Mark Fuhrman foi o único que saiu penalizado no caso, pelo menos no tribunal. A família de Ronald Goldman deveria receber uma indenização de Simpson, mas até hoje não recebeu nada. Marcia e Christopher, mesmo após o veredicto, continuaram a sofrer com a reprovação da sociedade.

De acordo com uma pesquisa realizada entre 2014 e 2015, mais de 50% da população negra acredita que O.J. é culpado. Isso é um crescimento significativo em relação à 1995, quando a estimativa era de apenas 25%. Os tempos mudaram e consequentemente nosso pensamento mudou, portanto me pergunto se o julgamento fosse hoje, qual seria a sentença: Orenthal James Simpson culpado pelo duplo homicídio ou apenas vítima de uma conspiração?


Karine Medeiros

Futura jornalista. Mora em uma cidade desconhecida. Apaixonada por séries. Cinéfila e bookaholic. Sonha em um dia morar em Nova Iorque. O que ama mais do que tudo isso? Comer e dormir.

Votorantim / SP

Série Favorita: Friends

Não assiste de jeito nenhum: The Big Bang Theory

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