Spoiler Alert!
Este texto contém spoilers leves,
nada que estrague a série ou a sua experiência.
Este mês há duas datas comemorativas muito importantes: O Dia nacional do orgulho gay e o dia internacional contra a discriminação racial. Por isso, decidimos falar de um personagem que abraça duas minorias ao mesmo tempo, o Capitão Ray Holt, de Brooklyn Nine-Nine, interpretado brilhantemente por Andre Braugher. Uma das grandes qualidades de Brooklyn Nine-Nine é a forma como não se esquiva de criticar a polícia. Além de contar com um elenco diversificado, onde há dois homens negros e duas mulheres latinas.
Em vários momentos (através de flashbacks onde Holt é quase um personagem de Samuel L. Jackson), conhecemos um pouco melhor a história de Holt dentro da polícia e é exatamente o que se espera de um homem negro e gay numa instituição que é ao mesmo tempo racista e homofóbica. Holt é um veterano com mais de 20 anos de experiência na polícia, ao longo de sua trajetória foi ridicularizado. Depois, tentaram usá-lo como escudo contra as críticas. Mesmo assim, a sua excelência o levou à posição de capitão da 99ª Delegacia de Polícia de Nova York.
Séries e filmes policiais costumeiramente são obras dominadas por um certo estereótipo masculino. É difícil encontrar, dentre estas obras, alguma onde LGBTs sejam parte integrante da história e sejam tratados com respeito. Em geral, nas histórias policiais, a presença de personagens não-heterossexuais e/ou não-cisgênero são restritas ao papel de vítimas. Quando são personagens secundários, a sua trama gira em torno da sua sexualidade. Mas não em Brooklyn Nine-Nine. A sexualidade do Capitão Holt é tratada da mesma forma que seria caso ele fosse heterossexual. É parte dele, mas não é tudo que há para se explorar no personagem.
Embora seja algo óbvio, ainda há estranheza diante desta abordagem. Certa vez, em uma entrevista com Andy Sandberg, que interpreta o personagem principal na série, um entrevistador decidiu falar sobre o personagem de Andre Braugher. Ele disse: “Ele [Holt] é gay. Vocês deveriam poder fazer piadas sobre isso.” Andy, riu desconfortavelmente e ofereceu uma ótima resposta: “[A sexualidade de Holt] é mais uma característica e não uma veia cômica.”
Com simplicidade, Andy foi capaz de resumir parcialmente como funciona o humor em Brooklyn Nine-Nine, já que embora a sexualidade de Holt seja tratada como uma característica do personagem, há muitas piadas a respeito. O que o entrevistador falhou em perceber é que estas piadas não são escritas para um público heterossexual. Em geral, conversam bastante com o público LGBT. A piada é sempre voltada para a ignorância. Uma das minhas favoritas é sobre casamento igualitário. Quando Holt se casou com Kevin eles nem esperaram o Juiz de Paz terminar a pergunta clássica, responderam que sim rapidamente por medo de que a decisão judicial que liberou o casamento entre pessoas de mesmo sexo fosse revogada.
Terry: O que o oficial disse quando vocês se casaram?
Capitão Holt: “Não muita coisa. Quando o casamento gay foi legalizado, nós não tínhamos certeza se era permanente, então nós o aceleramos.”
Flashback:
Oficial: “Então você, Kevin…”
Kevin: “SIM”
Oficial: “Então você…”
Capitão Holt: “SIM. SIM. NÓS ACEITAMOS. ESTAMOS CASADOS.”
(Brooklyn Nine-Nine, Episódio 2×17 – Boyle-Linetti Wedding)
Ser negro e ser gay são características que ajudam a formar um personagem, tanto quanto a sua profissão e sua personalidade. É na personalidade de Holt que a série encontra o principal fio condutor para as piadas em torno do personagem. A princípio, Capitão Holt soa quase como um personagem unidimensional. O estoicismo, a voz grave, a seriedade soam quase como um estereótipo da masculinidade, por isso mesmo, no primeiro episódio os membros da delegacia acabam por ignorar os indícios de que Holt é gay. A série brinca com o estereótipo da virilidade pois é justamente o seu estoicismo e seriedade que normalmente são usados para garantir algumas das melhores piadas de Brooklyn Nine-Nine.
Brooklyn Nine-Nine é uma comédia premiada, renovadora tanto para o gênero de comédia quanto para o gênero policial e é a prova de que um elenco diversificado, respeito às minorias e humor não ofensivo funcionam muito bem.