Em The House of Space and Time, o pai de D decide levar o filho do hospital em que ele estava internado. D tem outra ideia sobre seu destino e foge do local antes que seu progenitor obtenha controle sobre ele. Então, o pai contata Eldon Chance para convencê-lo que D é perigoso para ele e outras pessoas ao seu redor e que é ao lado dele que o filho deve estar. Chance, que como todos nós não acredita nas boas intensões do pai, passa a oportunidade de entregar o amigo à família. Durante o encontro, o neuropsiquiatra levanta o histórico de D e afirma: “Nada disso [do que aconteceu] foi feito por ele, tudo feito à ele”.
A frase poderia passar batida entre tantas outras de efeito proferidas pelo protagonista do drama, mas determinou a forma como assisti o oitavo e nono episódio. Durante essas duas semanas, pensei muitas vezes no que foi feito pelos personagens de Chance e o que foi feito à eles.
É claro que essas ideias não se anulam. Até porque uma das características que torna a série uma experiência intrigante é ter personagens que não cabem na descrição de “bons” ou “maus”. Até mesmo o vilão da história é movido por boas intensões como acompanhamos com os flashbacks sobre Raymond Blackstone mostrados em Camera Obscura.
Raymond conheceu Jaclyn durante a investigação de um caso. Rapidamente, o policial compra a versão daquela suspeita de um assassinato e decide ajudá-la. É fácil notar que Blackstone trata a mulher que se tornaria sua esposa como uma obrigação. Ele a tirou da cadeia, então é a pessoa que deve abraçar todos seus defeitos, distúrbios e problemas causados ocasionalmente. Jaclyn faz Raymond acreditar que ela depende c0mpletamente dele, então ele não tem outra escolha a não ser cumprir o seu papel de cavaleiro. É uma escolha – não sei se inteiramente consciente, mas ainda assim uma decisão – de agarrar Jaclyn e nunca mais deixá-la sair do seu controle.
Para o protagonista da série, a relação entre o que foi feito por ele e o que foi feito à ele é interessante. Pode-se culpar Eldon por tudo que vem acontecendo em sua vida desde a chegada de Jaclyn em seu consultório? Ou ele é apenas uma vítima de sua própria história? A resposta correta deve estar no meio dessas perguntas. Na esperança de ajudar Jaclyn (percebem alguma semelhança? O moço em Unlock your Hidden Powers, Raymond, Eldon…), o médico se enrolou em situações das quais ele não conseguia sair e a cada decisão que tomava, mais complicada sua vida se tornava.
No entanto, é preciso notar que os passos de Eldon sempre se encaminhavam em direção da confusão que ia crescendo a cada episódio. Por isso, é sempre difícil não se perguntar porque Eldon não simplesmente seguiu outra direção? Sei quão mecânica essa pergunta parece, mas vimos muitas vezes outros personagens questionando isso para o médico e no nono episódio, temos o mesmo cenário. Após ser liberada do sequestro, Nicole percebe que a ameaça a sua vida foi causada pela ligação do pai com Jaclyn. Então, ela pede para o pai parar o que ele está fazendo.
Ainda assim, Eldon continua com seu plano para derrotar Raymond. Afinal, se o problema que ele mais temia – o sequestro da filha – já aconteceu, o que mais pode acontecer a ele? Não existe mais nada na vida de Chance que pode impedi-lo de ser o cavaleiro que Jaclyn precisa. Porém, o médico não percebe que o que está em risco é a perda de sua identidade ou de sua total liberdade por alguém que talvez não necessite de tanta ajuda.
É fascinante analisar um personagem como Chance que a cada episódio levanta mais perguntas sobre quem ele foi, é e ainda pode se tornar. Eu gosto como a série aponta para as motivações do personagem e o deixa seguir um caminho que parece natural. E ao terminar Camera Obscura com um cliffhanger, Chance aposta que seu protagonista finalmente atravessará um linha que ele não pode mais voltar.