Verbalizar sentimentos pode ser uma forma de encara-los, superá-los ou abrir feridas que não deveriam ser tocadas. And the Woman Clothed in Sun foi um episódio cheio de pequenas sessões de terapia, formais ou informais, em que os personagens se desarmaram, se despiram e falaram claramente sobre os fantasmas, os pecados e os desejos que nunca antes ousaram confessar.
E se é pra falar se segredos inconfessáveis, vamos começar por Will e Bedelia. O passado e o presente da dra. Du Maurier dançam sobre uma linha muito tênue que separa seus traumas dos prazeres que ela renega. Bedelia repetiu tantas vezes a história de que foi transformada em Lydia Fell por Hannibal que lá no fundo uma parte dela já acredita nisso. E já jurou tantas vezes ser inocente pela morte daquele paciente que o prazer que sentiu ao violar suas entranhas acabou escondido, quase apagado da sua memória. Mas ele existiu. E só alguém que tem o ímpeto de esmagar um pássaro ferido consegue compreender, conviver e sobreviver a Hannibal sem cicatrizes.
Will não é um assassino, não possui esse ímpeto e por isso foi quebrado tantas vezes pelo Dr. Lecter. Então o que o faz sempre voltar? Paixão, é claro. Mesmo que não abordem o relacionamento de Will e Hannibal por um viés romântico (e eu nem descarto essa possibilidade), não se pode negar que há uma paixão fortíssima entre os dois, mas principalmente por parte de Will. Em sua sessão com Bedelia ele ouviu e corroborou através de seu silêncio as afirmações da psiquiatra de que ele voltou lá atrás de uma paixão antiga. Will esteve despido diante de Hannibal como o pássaro machucado de Bedelia, e o canibal teve exatamente o mesmo instinto: esmaga-lo, para em seguida ajuda-lo a sobreviver.
Não sei se e em que circunstâncias voltaremos a ver a dra. Du Maurier. Não sei se Hannibal vai conseguir realizar a fantasia de degustar a sua carne, mas a personagem parece ter encerrado seu arco principal ali. A série mostrou mais sobre seu passado, suas motivações e revelou uma parte importante da sua essência. Considerando que os últimos episódios vão focar na trama de Dolarhyde, há uma grande chance de não vermos muito mais de Bedelia – o que tornaria essas cenas uma grande despedida em alto nível para a personagem.
Apesar da fantástica interação de Will e Bedelia, quem roubou a cena mais uma vez foi o perturbadíssimo auto-nomeado Dragão Vermelho e a sua mulher vestida de sol. Ter um novo vilão, um assassino emblemático na temporada trouxe expectativas de novas mortes em série, mas não vimos muito de Dolarhyde em ação neste sentido, afinal, ele está sendo caçado durante o hiato entre um ataque e outro. Isso só não faz falta porque sua interação com Reba tem sido mais bem trabalhada que qualquer ato de violência seria.
Não vou dizer que Francis sente amor, porque acho pouco provável que um psicopata tão bestializado seja capaz de desenvolver esse tipo de sentimento. Mas ele se conectou a ela ao enxergar a força, a coragem e a vitalidade absurda que Reba carrega. Além disso, o fato de ela ser cega – e consequentemente não se basear em quem ele é por fora, em quem ele renega, pode fazê-lo sentir que ela enxerga sua essência. Se ela foi capaz de tocar um animal selvagem com tanta naturalidade e paixão, também seria capaz de tocar e ser tocada por ele. Por enquanto.
Quando ele devora a obra de arte que foi a sua grande inspiração, ele tenta ao mesmo tempo destruir e consumir o Grande Dragão Vermelho que acredita carregar dentro dele. Ao mesmo tempo em que ele deseja e luta para se tornar fera, há no fundo uma certa repulsa, e uma rejeição ao monstro que ele se tornou. Hannibal não o entrega completamente, mas mostra a Will o caminho para encontra-lo, e as coincidências absurdas da vida levam a aquele final de episódio maravilhoso com o primeiro encontro entre os dois.
Algumas observações:
– Reba não perde tempo, vai logo ao que interessa! hahaha
– O Hannibal tem muito auto-controle mesmo pra dar corda pra aquele doido. Se fosse eu, teria caído na gargalhada ouvindo o fada do dente imitando a “voz de dragão”.
– Mas acho que ele realmente está conseguindo se transformar, já que quando ele começou a comer o desenho eu soltei um “que isso, fera?”
– Zachary Quinto é sempre, sempre uma presença maravilhosa. Apesar de completamente paranóico, quem pode julga-lo? Ele deu o azar de ser “tratado” pelos psiquiatras mais problemáticos do planeta.
Fica claro que, se não estava confirmado, ao menos os indícios de cancelamento de Hannibal já eram muito fortes quando gravaram o arco final dessa temporada. As pontas estão sendo aparadas e o clímax está cada vez mais próximo. Já dá quase pra começar a sentir saudade da série, concorda?
