Não sei se a palavra “dramédia” existe em nossos dicionários, mas realmente acho que “A Whole Other Hole” deveria aparecer como uma das suas definições. Dando destaque a diversos núcleos, o episódio equilibrou não apenas o tempo de tela das personagens, como também a carga de comédia e de drama, uma das coisas que a série sabe fazer melhor.
Não faltaram momentos cômicos neste quarto episódio. Começando pela invenção de Poussey para que as meninas pudessem fazer xixi em pé – que levou a uma grande discussão sobre a anatomia feminina. É impressionante como tantas mulheres desconhecem completamente o próprio corpo, mas não tinha como não rir da Taystee tentando localizar o tal segundo buraco no meio de tantas “abinhas”. Ironicamente, quem esclareceu o grande mistério foi justamente Sophia, a única que não nasceu com uma vulva. Foi um plot bem simples, mas que mostra mais uma vez que é possível fazer humor sem escarnecer de minorias, coisa que a maioria das comédias ainda precisa aprender.
A personagem em destaque da vez foi Morello, que eu sempre vi como uma versão adulta – e criminosa – da Laurinha, de Carrossel. Bem, com o perdão do trocadilho, o buraco ali é muito mais embaixo e Lorna surpreendentemente se mostrou uma das personagens mais complexas de Orange. Morello é uma espécie de Cinderela que não deu certo, mas ela não consegue aceitar isso, como não consegue aceitar nada da sua realidade caótica. Ela prefere assistir Crepúsculo 14 vezes, adquirir bens que não condizem com a sua situação financeira e fantasiar uma vida que não é sua a ter que lidar com o que tem em mãos.
A princípio somos levados a pensar que ela de fato teve um romance com Cristopher e acabou presa por causa das fraudes com as lojas virtuais. No episódio passado ela ficou sabendo que seu “noivo” se casaria com outra mulher e aproveitou a saída para quimioterapia de Rosa para ir atrás dele. Para sua total infelicidade, encontrou o lar que ela sempre desejou, a vida que sempre quis e nunca conseguiu alcançar, inclusive com o homem que ela não pôde conquistar. Tanta “melação” e tanta fofura podem fazer a gente torcer o nariz, mas aquele era o ideal de felicidade da Morello… só que era outra pessoa que estava ocupando aquele lugar.
Mais uma vez ela nega sua própria realidade e por um momento decide acreditar que é a noiva, a dona daquela casa e tomar banho naquela banheira incrível. A cena do julgamento mostra que a insanidade de Morello pode ser bem mais perigosa que as fraudes para conseguir um sapato novo: ela tentou matar uma pessoa que ela imaginava estar em seu caminho. Lorna tem, muito provavelmente, problemas psiquiátricos. Cumprir sua pena não está resolvendo isso e quando ela for libertada provavelmente fará tudo outra vez, com Cristopher ou qualquer outro. É a série mais uma vez tocando de forma indireta na questão da eficácia do sistema carcerário e deixando uma reflexão interessante para o público.
Quem também começa a ganhar destaque na temporada é Rosa. Pouco sabíamos sobre ela e apenas em um episódio já descobrimos que ela veio da segurança máxima por bom comportamento, foi uma grande ladra de bancos e não deu muita sorte no amor. A personagem estabelece duas importantes conexões: com a própria Morello, que parece ter sido a primeira a se interessar pela sua história, e o rapaz que está fazendo tratamento com ela. É o típico caso do adolescente egocêntrico que toma uma voadora da vida quando descobre que a senhorinha careca é muito mais v1d4 l0k4 que ele. Foi um arco que agradou muito e me deixou bem curiosa para saber mais sobre o passado dela.
Larry e Polly. Gente, alguém consegue se sentir confortável com esses dois? Não que ele deva alguma fidelidade à Piper depois de ela ter um romance com Alex e eles romperem, mas esse clima de intimidade justamente com a melhor amiga dela é muito estranho e parece apenas uma justificativa do roteiro para manter o personagem. O problema é que a história e as cenas do possível casal são ruins e destoam completamente da sintonia que os outros personagens demonstram.
Voltando a Litchfield, vemos que Vee até tenta jogar sua teia para Poussey para convencê-la a vender sua biritinha para as detentas, mas a garota parece ser a única a perceber que tem algo errado com a nova “matriarca” das negras e continua afastada. É claro que ela não deixaria isso passar barato e já começa a desenvolver uma estratégia de isolamento, envenenando principalmente a amizade dela com Taystee. É de cortar o coração vê-la sendo rejeitada depois de uma cena tão bonitinha na cama com a sua amiga, com direito até a um beijo. De inofensiva Vee não tem nada, e já começa a se mostrar a maior manipuladora de Litchfield.
E por fim tivemos o grande golpe de sorte de Red, encontrando um fundo falso no chão da estufa e logo garantindo o domínio do local com um projeto de jardinagem. Não é algo que dê tanto status quanto a cozinha, mas ela precisa mesmo de algo mais discreto para fugir do radar de Caputo – e talvez até de Vee – então o local acabou sendo perfeito para as suas necessidades atuais.
O episódio também trouxe ótimas cenas de Soso, Nicky, Piper, Big Boo, mas que acabaram ficando em segundo plano comparadas às outras tramas. A temporada não deixou o ritmo cair em nenhum momento até agora e o foco bem distribuído entre as detentas tem funcionado muito bem. Quando até mesmo uma personagem “simples” como Morello se torna tão cheia de contornos, é porque estão fazendo algo muito certo!
