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Penny Dreadful e o Monstro Interior

Por: em 26 de agosto de 2015

Penny Dreadful e o Monstro Interior

Por: em

Penny Dreadful - Pôster


Penny Dreadful é uma série de horror que se passa em 1891, na Londres Vitoriana. A série combina a agitação, industrialização e globalização, pelo qual passava a sociedade, com o horror clássico desta época. A era Vitoriana tem várias características interessantes, por um lado, havia todo um cenário de repressão à sexualidade, onde a sexualidade feminina era patologizada e a homossexualidade era punida como crime. Oscar Wilde, por exemplo, autor de “O Retrato de Dorian Gray”, foi condenado a dois anos de trabalhos forçados por “sodomia”. Mesmo havendo uma enorme moral religiosa, havia também um crescente avanço científico que, de certa forma, trouxe algum ceticismo e fascínio pela morte. Shows de espiritismo atraíam o público desejoso de saber alguma verdade no que havia após a morte. É também neste período que surge Jack, O estripador, assassino de prostitutas surgido no verão de 1888 e que jamais foi preso. Todos estes elementos estão bem incorporados na ambientação de Penny Dreadful. Não foi à toa que alguns dos maiores clássicos do horror foram escritos nos séculos XVIII e XIX. O horror, afinal, se encaixa muito bem neste cenário social de intensa transformação e contrastes.

Se por um lado, Penny Dreadful pode representar bem o sentimento de uma época, pode-se dizer que a série também toca em temas universais. John Logan, criador da série, explicou que sempre gostou de histórias sobre monstros. Por ter crescido como um homem gay, ele sabe o que é ser tratado como diferente, como alguém separado da sociedade. É com este espírito que se forma o inusitado grupo de Penny Dreadful, que reúne vários dos monstros clássicos da literatura de horror em uma história original. A idéia de agrupar estes personagens, segundo Logan, aconteceu depois de reler o clássico “Frankenstein” de Mary Shelley e ficar intrigado com uma questão: Afinal, quem é o monstro desta história? A criatura ou seu criador, o doutor Victor Frankenstein? Depois de assistir, entretanto, vou além e me pergunto, quem dentre todos nós não carrega seus próprios demônios e alimenta seus pequenos monstros dentro de si?

Penny Dreadful - Lily e John

O grupo principal é formado pelo explorador Sir. Malcolm Murray, o mordomo Sembene, o lobisomem Ethan Chandler, o médico Victor Frankenstein e a bruxa Vanessa Ives. Eles se unem primeiramente para resgatar Mina Murray (ela mesma, de Bram Stocker), filha de Malcolm do domínio do “Mestre”. Para isso, combatem uma miríade de seres sobrenaturais. Outros personagens importantes que circulam este grupo são os monstros: o belo Dorian Gray, e os mortos-vivos John Clare e Lily Frankenstein. O mote da série é a culpa, este sentimento tão incentivado pelo cristianismo. É a relação dos personagens com a culpa que motiva suas ações e os dividem em dois grupos: os que aceitam e os que rejeitam a culpa. Os personagens principais certamente não são o que podemos chamar de heróis. Na verdade, em outro contexto, eles poderiam ser os vilões. Eles revezam momentos de doçura e violência, são multidimensionais. Se suas histórias pregressas tornam impossível amar estes personagens é igualmente difícil não se identificar em algum grau com a sua busca por um novo caminho.

Nossos antiheróis são criminosos vis e em algum momento flertaram com o monstro dentro de si. Tome como exemplo o arco da Família Frankenstein: John Clare, a criatura nascida das mãos do Doutor Victor Frankenstein é um incompreendido pela humanidade que o despreza por suas deformidades e cicatrizes. Ressentido de não ser amado nem mesmo por seu criador, ameaça Victor para que ele crie sua noiva. Como pode alguém que se ressente tanto por ser desprezado tratar uma mulher como mercadoria? John Clare é ao mesmo tempo uma vítima e um algoz. Victor, por sua vez, é o pai que abandona seus filhos, é o cientista antiético brincando com o limiar da vida e da morte. Quando Victor cria Lily, algo sai terrivelmente errado, já que ele também se apaixona por sua nova criação. Para sua infelicidade, Lily acaba descobrindo que nenhum homem pode ser seu dono e resolve vingar-se também da humanidade que a destruiu em sua vida pregressa (na qual fora a prostituta Brona Croft). Dos homens, em especial. Victor tenta matar Lily por não retribuir o seu amor, mas descobre que não tem poder nenhum sobre ela. Quais monstros são mais monstros? Os mortos vivos? Ou cientista que os criou? Ou toda a humanidade?

Penny Dreadful - Dorian Gray

Talvez o personagem mais livre de culpa seja Dorian Gray. Dorian é um hedonista, passeia pelo mundo com uma taça na mão e uma companhia na cama. Ao mesmo tempo que se mostra uma pessoa doce e gentil, Dorian não hesita em matar quem descobre o seu segredo da imortalidade. Nesta última temporada Dorian e Lily se uniram num reconhecimento de que representam uma nova raça, muito superior ao ser humano. Estão na contramão dos outros personagens, abraçando o seu monstro interior.

Ethan Chandler é outro personagem que levanta um questionamento interessante. Sabe-se que em seu passado ele foi um assassino de índios nativo-americanos e em algum ponto se tornou um lobisomem. Como lobisomem, matou outros tantos. Mas quem é o maior monstro, o ser humano homicida ou a fera descontrolada? Não é uma simples questão matemática de contagem de corpos, mas de escolha. Foram as escolhas que levaram Sir Malcolm a abandonar afetivamente seus filhos e esposa, para se tornar o explorador britânico que foi colonizar a África, para alimentar sua vaidade. Sembene, é o homem negro e livre que traficava escravos, um traidor de sua raça. Agora todos eles buscam livrar-se da culpa que carregam.

Penny Dreadfu l- Vanessa Ives

Talvez por causa de todos estes personagens que carregam crimes de toda natureza, a série seja protagonizada por Vanessa Ives, a única do grupo que não é criminosa aos olhos da lei, mas sim aos olhos da sociedade. Seu crime foi trair uma amizade, ou talvez tenha sido a sua sexualidade. Vanessa literalmente é tentada pelo demônio, que deseja roubar sua alma. Ela é ao mesmo tempo a pagã e a cristã. A Bruxa boa que aprendeu tudo o que sabe com uma velha bruxa que fazia abortos clandestinos precariamente no chão de sua cabana. Também é uma médium poderosa e vários espíritos tentaram habitar seu corpo, inclusive a Deusa Amunet. Alguns dizem que Vanessa é a encarnação dessa Deusa. Como toda mulher que nem precisa ter o demônio no corpo, mas que não se resigna nos papéis tradicionais que cabem às mulheres, Ms. Ives já foi considerada louca. Vanessa é a verdadeira Deusa, louca, feiticeira. Vanessa pode parecer a mais trevosa das personagens mas ela é a Luz de Penny Dreadful, uma luz bruxuleante, mas constante.

Para uma série de poucos episódios por temporada, parece demasiado pensar que três episódios foram inteiramente dedicados à Vanessa Ives. Dois destes mostraram flashes de seu passado, da sua infância à dominação de seus poderes. A poderosa atuação de Eva Green nos faz mergulhar nestes momentos. Sua atuação exige comprometimento físico e uma variada dose de emoções. O elenco principal todo está se saindo bem em sua atuação, mas Eva Green é um fenômeno, ela é intensa, sensual, perturbadora, pois são tantas Vanessas em uma só mulher. Eva Green encontrou o equilíbrio de sua atuação ao colocar uma dose de excentricidade. Afinal, não dá para falar Verbis Diablo sem parecer assustadoramente bizarro. Aliás, Penny Dreadful é uma série que não se envergonha de ter um lado bizarro e até meio gore.

Causa um certo fascínio observar o que estes personagens tão errados podem oferecer de bom, no que esta mistura de monstros e personagens que já conhecemos podem nos oferecer, mas acima de tudo, Penny Dreadful joga para o público uma questão inquietante: Será que estamos dispostos a rejeitar inteiramente o nosso monstro interior?


Gizelli Sousa

Arquiteta, feminista, prefere uma noite de maratona de séries do que sair para a balada.

Brasília/DF

Série Favorita: The Walking Dead

Não assiste de jeito nenhum: Gilmore Girls, The O.C., One Tree Hill, Girls, Love

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