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Mad Men 4×09 – The Beautiful Girls

Por: em 26 de setembro de 2010

Mad Men 4×09 – The Beautiful Girls

Por: em

Mad Men Peggy Joan Faye

Muito, muito, MUITO de Mad Men acontece através de mulheres, ao redor de mulheres, por causa de mulheres. É normal — e agora na 4ª temporada chega a ser redundante — comentar como a série explora o ambiente machista dos Estados Unidos dos anos 60, mas diferente dos americanos da época, Mad Men trata as suas mulheres com um cuidado excepcional, e a profundidade que essas personagens ganham ao decorrer de cada episódio as coloca muitas vezes num patamar acima da maioria dos homens da série. Assim, poder assistir a um episódio quase que completamente dominado pelo sexo feminino é um presente que a série nos dá, uma vez que, além de reforçarmos coisas que já conhecíamos a respeito de personagens como Peggy e Joan, passamos a nos aprofundar em uma série de coadjuvantes marcantes: de Sally a Megan. De Faye a Miss Blankership.

Uma coisa que Miss Blankership conta a Peggy logo no começo do episódio é que a publicidade é um ambiente de sadistas e masoquistas — sendo que a Peggy obviamente pertence ao segundo grupo. Mas eu fico pensando se naquela época existiria alguma brecha pra que alguma mulher se encaixasse no primeiro. Por bem ou por mal, a maioria das mulheres que trabalham na SCDP estão no mesmo grupo que a Peggy — e as que não estão, simplesmente tentam ficar indiferentes a qualquer um dos dois lados. O sexo feminino não tinha o poder e a influência que os homens tinham, e ver a Peggy comparar a sua luta pra subir na carreira com as dificuldades dos negros na luta pelos direitos civis não soa exagerada como o amigo de Joyce acha. Não é porque o cara despreza o universo da publicidade em que a Peggy trabalha, que os esforços dela pra chegar onde chegou possam ser desvalorizados. Mas o engraçado é que, no fundo, os ideais políticos dele pouco importam quando o que ele quer de verdade é conquistar a Peggy. Dentro da perspectiva masculina, foi assim que a gente acompanhou durante o episódio inteiro a mesma história se desenrolando em diferentes contextos: o jeito como os homens basicamente querem o carinho, a atenção, a ajuda das mulheres.

O problema é que, na maioria das vezes, os homens da série não sabem dar valor a essa importância que as mulheres têm em suas vidas. Talvez o maior exemplo disso no episódio tenha sido a Megan. A força dela é surpreendente, porque ela tem que tomar conta de tudo na agência — da morte da Miss Blankership, da recepção na empresa, da Sally, da escrivaninha agora vaga em frente ao escritório de Don… Tudo o que ela faz basicamente representa o que todas as mulheres daquela época passavam: manter toda a elegância — que elas têm DE SOBRA — e ao mesmo tempo controlar todos os detalhes que os homens fogem. É tocante pra caramba a forma como a Megan segura o choro no final do episódio. A vontade dela era desabar depois de presenciar a relação da Sally com os pais, mas ela engoliu a seco e seguiu em frente.

Não é como se eu (ou a série) tivesse tentando dizer que as mulheres são seres inalcançáveis, acima de tudo, que merecem respeito e atenção apenas por serem mulheres. Mas porque quando há uma relação mútua e igualitária entre elas e os homens, a coisa flui tão melhor. É só ver a cumplicidade de Sally ao querer participar mais sobre a vida do pai. Ou melhor, o carinho de Roger e Joan no restaurante. É esse tipo de coisa que importa de verdade, porque mesmo se eles são assaltados e os levam dinheiro, bolsa, anéis, relógios… o sentimento permanece intacto. Aliás, nem intacto, ele chega a ser elevado, já que logo depois, Joan acaba se rendendo à paixão de longa data com Roger. O buraco vai um pouco mais embaixo, porque por mais que tenha sido o Roger que a defendeu do assaltante, o marido dela, de certa forma, também tá a protegendo (sem querer fazer julgamento algum sobre a validade da guerra do Vietnã). Sabe aquele ditado famosão? O que os olhos não veem o coração não sente. Isso faz um sentido absurdo na situação, uma vez não diz respeito apenas ao marido de Joan talvez nunca ficar sabendo da traição, mas porque também mostra como a Joan talvez nunca consiga reconhecer verdadeiramente o esforço que o cara tá fazendo pelo bem do casal lá do outro lado do mundo.

Mad Men Sally Draper

O lado mais triste de The Beautiful Girls, por outro lado, é o que torna o ditado popular verdadeiro mesmo com as palavras trocadas. Afinal, tanto com a Miss Blankership quanto com a Sally, os olhos viam, e mesmo assim o coração não sentia. É depressivo pra caramba ouvir as palavras de Roger sobre como Ida morreu da mesma forma que passou sua vida inteira: ao redor dos homens pra quem ela atendia o telefone. O epitáfio que Cooper pensou foi lindíssimo, mas será que pra Miss Blankership adiantou de alguma coisa se tornar uma astronatura se tanto na terra quanto no espaço ela teve que enfretar a vida sob as mesmas condições? Do lado de cá da tela, serve de consolo lembrar como a personagem foi o maior alívio cômico que Mad Men já teve — e nessa função, ela foi perfeita do começo ao fim. Vou sentir falta dos seus comentários, que até então ajudavam a quebrar um pouco do clima pesado dos episódios; sem eles, tenho um pouco de medo do que possa acontecer com a minha saúde mental. Mal havia passado 15 minutos da morte da secretária (secretária executiva), e eu já tava com uma dor no coração gigante por ver a Sally passando pelo o que passou.

Desde que Don e Betty se separaram, os filhos passaram a ser, acima de tudo, um obstáculo na vida dos dois. Eles passaram o episódio tacando a Sally de um lado pro outro, brincando de batata quente. Ninguém quer o peso da responsabilidade de ter que cuidar da filha. Carregando desde o ano passado a dor pela morte do avô, os efeitos disso na Sally são ainda mais devastadores do que já seriam por si só. Quando tudo isso culmina na cena em que Sally sai correndo de Don, tropeça, e dá de cara no chão, eu não consigo aguentar de tanta pena. É uma queda tão, tão, tão triste. Ela caiu e simplesmente ficou de cabeça baixa, sem querer levantar. Foi reconfortante acompanhar o carinho de Megan ao pegá-la no colo, mas quando falam pra uma criança que tudo vai ficar bem e ela responde que não, as coisas não vão ficar bem, é porque a situação é MUITO preocupante. Sally tem uma vida complicada DEMAIS pela frente, e superar os obstáculos que seus pais colocam no seu caminho vai ser uma das tarefas mais difíceis que ela terá que enfrentar. É muito cruel e muito injusto falar isso sobre uma criança de dez anos.

E é muito bom e muito justo falar como The Beautiful Girls foi um episódio brilhante ao mostrar cada mulher com seus dilemas, seus sofrimentos, suas histórias, suas complexidades. Apesar de Peggy ter toda a questão da modernidade ao seu lado, no final das contas, ela não precisa carregar o feminismo radical da amiga. Enquanto Joyce desce sozinha em um dos elevadores do prédio da agência, Peggy, no último segundo, se junta a Joan e Faye no outro. As três são mulheres fortes pra caramba, mas isso não quer dizer que elas precisam deixar de lado as relações com os homens que vivem correndo atrás delas. O que a personalidade marcante de cada uma de fato significa é que essas relações simplesmente não precisam ser redutivas como toda a sociedade da época impunha. Pelo contrário. Mad Men semana após semana nos mostra a profundidade e a beleza expansivas que todas as mulheres da série podem carregar.

E eu agradeço todos os dias por isso.

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P.S.: De todas as mulheres que eu falei no texto, acho que a única que eu tropecei e acabei não conseguindo desenvolver muito foi a Faye. Mas também foi interessante a forma como ela se posicionou diante de Don, depois que ele — de maneira bem egoísta — tentou empurrar os problemas com a filha pra cima dela. Os relacionamentos do Don com mulheres além da Betty não tão entre as minhas tramas favoritas de Mad Men, mas até que quero acompanhar um pouco mais desse casal.

P.S. 2: Durante os episódios não dá pra perceber muito, mas depois de dar de cara com a Jessica Paré — atriz que interpreta a Megan — no IMDB, não tenho como não comentar da semelhança absurda com a Liv Tyler. Cliquem aí no link e vejam só.


Guilherme Peres

Designer

Rio de Janeiro - RJ

Série Favorita:

Não assiste de jeito nenhum:

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