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Sherlock – 2×02 The Hounds of Baskerville

Por: em 11 de janeiro de 2012

Sherlock – 2×02 The Hounds of Baskerville

Por: em

Fico me perguntando o que deu errado em The Hounds of Baskerville. De um lado, o romance canônico mais famoso e aclamado de Sherlock Holmes. Do outro, a competentíssima série da BBC, que até hoje só arrancava aplausos, com roteiro, mais uma vez, do excelente Steven Moffat. Infelizmente, o resultado desta mistura que parecia infalível foi o episódio mais fraco da série até hoje, que em nada se assemelhou ao brilhante material com o qual os fãs estão acostumados, mas que teve suas falhas camufladas por cenas que agradaram aos fãs mais propensos a idealizações.

O Cão dos Baskerville é a aventura sherlockiana mais adaptada para as telas (vale a pena conferir a versão protagonizada por Basil Rathbone, meu Sherlock favorito dos cinemas), a mais conhecida, a mais querida e, por esses motivos, a porta de entrada de muitos futuros fãs do detetive que não respeitaram a ordem cronológica, logo, aquela que mais mexe com a memória afetiva da maior parte da audiência do seriado. Hounds tinha uma verdadeira obrigação de ser um ótimo episódio, não só para manter o nível de seus antecessores, mas para fazer jus à história que estava adaptando. Na minha opinião, dessa vez Moffat não soube lidar com a responsabilidade que tinha nas mãos.

A começar pela abordagem escolhida, que passou longe da originalidade das tramas dos episódios anteriores. Enquanto Study, Banker, Game e Scandal usavam os livros como ponto de partida ou limitavam a referenciá-los, Hounds vai pelo caminho mais óbvio: pense, se você estivesse roteirizando uma versão moderna de O Cão dos Baskerville, em uma série como Sherlock, repleta de conspirações e onde nada é o que parece, que fio condutor escolheria? A ideia de um cão geneticamente modificado, de experimentos secretos que saem do controle, é uma das primeiras que vem a mente, correto? Tudo bem a premissa não ser das mais animadoras se sua conclusão fosse recompensante, mas não foi o que aconteceu aqui – pelo menos eu não me senti recompensado.

Depois de mais de uma hora de investigações arrastadas, ainda não havia me conformado com o fato de que este episódio não teria um grande plot twist (e alucinação coletiva induzida por uma droga é o tipo de desfecho fácil que espera-se de um desses procedurals “enlatados” que eu citei na review anterior, mas não de Sherlock, então não conta como “grande plot twist“), e continuei esperando-o. Quando percebi que seria só aquilo mesmo, minha decepção foi grande. Um episódio de Sherlock sem um roteiro ardiloso que brinca com tudo o que o telespectador sabe (ou pensa que sabe) é só um episódio mais longo e melhor produzido de Monk (sem querer desmerecer o divertido seriado da USA Network).

Não é que o episódio tenha sido de todo ruim. Os cenários (o destaque foi Dewer’s Hollow, mas a cidadezinha, a casa de Henry e a base Baskerville também foram maravilhosos), a construção do clima de suspense, a utilização de elementos de filmes e séries de mistério, terror e conspiração (a névoa, a fuga desesperada na floresta, o uivo, a cidadezinha pequena aterrorizada por uma fera, os vultos, enfim, o pacote completo), tudo isso funcionou muito bem, e a própria ideia de expor os medos dos personagens a partir de um plano vilanesco não é má. O clímax foi bom, tenso, bem arquitetado, e Sherlock vendo Moriarty por debaixo da máscara foi uma ótima sacada (saber que o Sherlock da série teme seu nêmesis, ainda que não admita-o, com certeza vai contribuir para a grandiosidade de Reichenbach Falls). A dinâmica Mulder-Scully (e quem diria que seria o Sherlock o mais propenso a acreditar) também foi bacana… mas comparando-o aos outros, este episódio desaparece.

Primeiro porque, assim como The Blind Banker, o menos querido da temporada anterior, foram uma hora e meia que pouco acrescentaram ao andamento da série. Sherlock e John resolveram o caso, voltaram para casa e a vida segue. Em Study, eles se conheceram e passaram a morar juntos, em Game, ficamos sabendo sobre o passado de Sherlock e conhecemos Moriarty, e em Scandal, o interesse romântico Irene Adler foi introduzido. O que Hounds trouxe para a história? Um pedido de desculpas de Sherlock para John (fanservice puro), uma amostra de fraqueza (induzida por um alucinógeno), o primeiro nome do Lestrade… nada que se compare aos outros.

Sim, no romance nada que tenha grande impacto futuro acontece, mas Sherlock só tem três episódios por temporada (e já foi noticiado que não teremos uma terceira temporada tão cedo – 2013 no mínimo). Custa adicionar elementos importantes para o andamento da série em cada um desses episódios? Sei lá, o nome era The Hounds of Baskerville, o John poderia ter arranjado um cachorro (lembram do Toby do conto O Mistério do Vale Boscombe?) ou coisa assim, pelo menos ia alterar a dinâmica da casa. Quando um dos melhores roteiristas do Reino Unido é responsável pelo episódio, não tem como assisti-lo com baixas expectativas. Ainda mais tratando-se desta série e deste caso.

Fiquei chateado e decepcionado em ver uma das histórias mais importantes de Conan Doyle (ainda que não minha predileta) ter resultado em um episódio tão raso, logo em uma série que costuma acertar tanto quanto essa. Sei que a maioria não deve compartilhar da minha insatisfação, mas esse episódio não me agradou em praticamente nada. Até o que eu costumo gostar sempre parecia estar fora do tom. Como os bartenders achando que a dupla é um casal gay; vemos situações parecidas em todo santo episódio – e de maneira mais divertida. Além de alguns momentos bem cheesy, bem CW, tipo o “Mycroft’s name literally opens doors” ou o “I’ve got to see a man about a dog“… o humor da série definitivamente não estava em sua melhor forma neste episódio.

Também achei que eles exageraram nos recursos gráficos (como na cena do “Mind Palace”, meu Deus, pra quê aquilo?), além de momentos como naquele em que ele descobre a senha depois de segundos de investigação no gabinete do Major: convenhamos, aquilo foi pura sorte. As deduções não me impressionam mais, banalizaram. O Henry (Russel Tovey em uma atuação que teve altos e baixos) todo embasbacado com o Sherlock descobrindo que ele fuma e eu revirando os olhos. Eu sinceramente espero que o problema esteja em mim e que eles não estejam perdendo a mão. Sherlock é uma série boa demais para isso acontecer.

Se o episódio valeu de alguma coisa, foi para nos aprofundarmos na personalidade de Sherlock. Então o seu vício é em cigarros, mesmo? Gatiss já tinha dito em uma entrevista que eles não superexplorariam o vício do personagem em drogas, e foi bacana perceber que ele é mais viciado em casos do que em cigarros. Sua arrogância aumentando com a abstinência também valeu a pena (graças a Deus que eles não tentaram transformar aquela cena em um momento dramático entre John e Sherlock; foi uma das únicas cenas de humor do episódio que eu gostei). Foi incrível ver o personagem com medo, mas seria melhor ainda se eu estivesse compartilhando deste medo (não me envolvi nem um pouquinho na história e só tomei sustos baratos… uma experiência bastante decepcionante). Gostei deles voltarem a explorar a megalomania do personagem (ainda que o assunto tenha sido jogado na nossa cara sem a menor sutileza na cena do mind palace) e ver John considerando a possibilidade dele ter Síndrome de Asperger. Ver Sherlock tratando-o melhor foi muito bacana e achei coerente ele sendo manipulado (Sherlock conversando pelo telefone e assistindo o desespero do amigo foi de uma canalhice divertidíssima) mas as boas cenas não me distraíram dos defeitos do episódio.

Enfim, é claro que eu continuo adorando a série, confiando no Moffat, no Gatiss e na BBC. Mas eu não esperei de Agosto de 2010 até agora por episódios como esse. O único ponto positivo de Hounds ter sido um episódio que quase pode ser chamado de filler é que sua qualidade aquém do esperado não influenciará o andamento da série. Seus elementos que sempre funcionaram ainda estão lá: a produção caprichada, as atuações (Benedict Cumberbatch desponta como MVP de novo, principalmente pela cena da lareira), as auto-referências… Espero que este não tenha passado de um escorregão dos roteiristas e que eles voltem a ser geniais em Reichenbach Falls, a aguardadíssima conclusão desta temporada (se é que três episódios exibidos em sequência podem ser chamados de temporada, né, BBC) e a adaptação do meu conto favorito. Fiquem com o vídeo promocional:

Algumas referências e curiosidades:

– No livro, Dr. Mortimer é um amigo pessoal da família Baskerville que vai procurar Sherlock, temendo pela vida de seu cliente Henry Baskerville. O diálogo (“Where they a man’s or a woman’s ?”; “Mr. Holmes, they where the footprints of a gigantic hound!“) acontece entre ele e Sherlock, já na série, é John quem pergunta e é Henry quem responde;

– O nome do namorado da Miss Hudson é uma referência a Kamala Chatterji, personagem de um conto de ficção científica de Poul Anderson que parodia o universo de Conan Doyle:  “Eve Times Four“, da antologia Time and Stars. No conto, uma nave espacial acaba indo parar no planeta duplo Holmes-Watson, e são resgatados por Sir John Baskerville, da cidade de Irene;

– Paddington Station, para onde Sherlock manda o táxi, pode ser uma referência ao conto The Bruce Paddington Plans;

– Abbott e Costello, o nome dos “aliens” que Major Barrymore disse que foram parar em Baskerville nos anos 60, é referência a uma dupla de comediantes americanos dos anos 50, que fez um filme chamado Abbott and Costello Meet Sherlock Holmes;

– [Spoilers sobre o romance “O Cão dos Baskerville] Jack Stapleton é o vilão do romance que inspirou o episódio, e na série, Stapleton é o sobrenome da geneticista que faz experiências com coelhos.

– “Trust me, I’m a doctor” é uma referência a Doctor Who;

– Algumas falas retiradas quase que integralmente dos livros: “You’ve never been the most luminous of people, but as a conductor of light, you are unbeatable. Some people who aren’t geniuses have the most amazing ability to stimulate it in others.” (“Você nunca foi a mais luminosa das pessoas, mas como um condutor de luz, você é imbatível. Algumas pessoas que não têm genialidade possuem uma maravilhosa habilidade de estimulá-la em outras.“); “Murder, Dr. Stapleton. Refined, cold-blooded murder.” (“Assassinato, Dra. Stapleton. Assassinato refinado e a sangue frio.”);

Encontraram mais alguma?

Também se decepcionaram com o episódio ou curtiram? E U.M.Q.R.A., o que você acha que significa?

P.S.: Leia O Cão dos Baskerville para conhecer o “demônio” contra o qual o Holmes original lutou em Dartmoor.

P.P.S.: Aquilo que o guia turístico tirou da mochila era uma pedra ou um cocô?


João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

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