Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

Sirens – 1×03 I.C.E. e 1×04 King of the Jungle

Por: em 7 de agosto de 2011

Sirens – 1×03 I.C.E. e 1×04 King of the Jungle

Por: em

This is better than Angry Birds!

Nestes dois episódios de sua primeira temporada, Sirens mostrou uma auto-confiança de veterana. Ao aventurar-se por tramas e cenas que se distanciam bastante de sua proposta, brincar com as expectativas do telespectador e trabalhar com tabus, tramas arriscadas e uma carga dramática intensa, a série manteve sua essência: a leveza e a despretensiosidade que a caracterizam estavam presentes, mas o humor e o drama foram melhor distribuídos, o roteiro foi mais afiado ainda e a química do trio cresceu. A zona de conforto foi abandonada, e como resultado tivemos os episódios mais ousados que a série apresentou até agora. I.C.E. foi um episódio tenso. As primeiras cenas já ditam seu clima: o viciado paranoico e o corpo do suicida estabelecem um clima pesado e permeado por humor negro que permanece durante os quarenta minutos seguintes. O pessimismo da série chegou a seu ápice através do trauma de Rachid, que permitiu ao roteiro explorar questões existenciais que complementaram de maneira bastante orgânica o que Sirens vinha mostrando nos episódios anteriores. É este o maior mérito do episódio: apesar de sua atmosfera sombria e do destaque dado à Rachid, I.C.E. foi o episódio que melhor conseguiu equilibrar comédia e drama, e também o que melhor retratou a união do trio protagonista.

Novamente, a identificação do telespectador com as situações vividas pelos personagens se dá graças ao carisma dos mesmos e a um texto habilidoso. Você pode nunca ter encontrado um corpo em decomposição, mas já teve que trabalhar alguma vulnerabilidade sua em seu ambiente de trabalho. Sirens consegue mesclar os dramas particulares de seus personagens com questões que fazem parte da vida de qualquer pessoa. Além disso, ao contrário do que era na series premiereRachid já é um personagem interessante o suficiente para que nos importemos com seus problemas porque nos importamos com ele: mesmo quando não é possível criar paralelos entre a trama e nossas vidas, torcemos pelos personagens, porque simpatizamos com eles. Este é um grande trunfo para qualquer produção televisiva.

Kayvan Novak brilhou no episódio. Se durante Up, Horny, Down e Two Man Race as cenas de Rachid foram limitadas a bons momentos cômicos ao lado de Ashley, desta vez os roteiristas tiraram o episódio para desenvolver o personagem – e deu certo. Conhecia Novak da ótima Fonejacker e, nos dois primeiros episódios, fiquei decepcionado em perceber que um ator tão carismático e diversificado estava sendo mal aproveitado em um personagem que pouco acrescentava ao seriado, mas o ator não desperdiçou a chance que teve em I.C.E. de mostrar a que veio. Assim como Ashley não é definido por sua sexualidade, a nacionalidade de Rachid é citada só de passagem, não sendo um componente da personalidade do novato. Ninguém quer que a série se torne uma versão britânica de Outsorced, e os roteiristas têm plena consciência disso.

Sendo Stuart o protagonista e Ashley o favorito dos fãs, destacar Rachid deixou o trio mais equilibrado: Sirens é sobre a vida destes três paramédicos, cada um contribuindo com o big picture a seu modo. Os três em storylines separadas funcionam bem, mas é quando estão juntos patrulhando as ruas de Leeds que Sirens atinge o ápice de seu potencial cômico, como nas cenas da disputa de skateboarding na ambulância, que evidenciam o entrosamento do trio. Há boatos circulando em fóruns britânicos que Rachid ganharia destaque em uma possível segunda temporada, assumindo as narrações em off, e depois deste episódio, acho seguro dizer que isso só traria benefícios à dramédia.

I.C.E. abusou do humor negro para explorar a fraqueza de Rachid, por vezes de maneira ousada: em uma cena, Stuart coloca um balão dentro da ambulância para representar o suicida, provocando gargalhadas em Ashley. Em outra série, isso poderia ser ofensivo demais, mas Sirens teve jogo de cintura para brincar com a temática – e também para tratá-la com sensibilidade quando necessário. Na melhor cena do episódio, o trio encontra um idoso recém-falecido em sua cama. Apesar de sua constante leveza, a dinâmica da série permite tensão (e ela se fez presente no momento em que Rachid respira fundo antes de entrar no quarto) e cenas tocantes. A reação dos personagens (principalmente, é claro, de Rachid) foi uma fuga ao clichê e um convite à reflexão.

O episódio marcou por ter mostrado de maneira crua a extrema solidão e desesperança dos paramédicos. A partir de alucinações dignas de um episódio de Six Feet Under, Rachid percebeu que ou mudava de vida ou teria o mesmo destino que seu inoportuno companheiro, em uma storyline que culminou no melhor momento entre ele e Ashley até agora. Apesar de ter aprimorado seu humor, a série ainda é melhor no drama: Ashley apoiando o colega durante sua crise tanatofóbica superou qualquer piadinha de Rachid acerca da sexualidade do ruivo. Só espero que Sarah, a sexmate que não queria compromisso, não reapareça. Não vejo esta personagem acrescentando muito para o seriado.

Apesar da aparente implicância de Stuart e Ashley com Rachid e das constantes reclamações dos protagonistas acerca do trabalho, consequência do pessimismo do enredo, a luta pela superação dos traumas causados pelo dia-a-dia é uma prova de como os três amam o que fazem. Acompanhá-los criando laços afetivos também é muito bacana: a revelação de que Stuart é o contato emergencial de Ashley fechou o episódio com chave de ouro. Ao contrário de seu humor, que até aqui ainda soa ligeiramente inorgânico, a série não precisa forçar o relacionamento entre os personagens: Ashley não quer que Stuart saiba que ele ajudou Rachid em seu problema ou que o sociopata é “a pessoa em quem ele mais confia“. Não teremos momentos de abraços coletivos e demonstrações de ternura, porque Sirens não é assim, mas é inegável a força das amizades (e romances) que a série está construindo.

Em King of the Jungle, as outras “sirenes” às quais o título se refere novamente tiveram destaque. Acompanhamos Maxine e Ryan, os policiais que estão sempre se envolvendo com os paramédicos – profissional ou amorosamente -, enquanto os dois embarcavam em relacionamentos frustrados, além de aparições esporádicas dos bombeiros. Mesmo neste episódio, que não é tão sólido quanto seu predecessor, tivemos boas doses de drama, conflitos humanos e textos inteligentes.

King… veio para dar novas provas da coragem da série na abordagem de temas delicados ou que poderiam ir contra sua proposta. Uma série que foge de estereótipos estabelecendo seu protagonista como o macho alfa, o personagem menos querido pelo público como o subjugado macho beta e um homossexual como a fêmea disputada poderia ter sido um enorme tiro no pé, mas aqui foi divertido e bem conduzido. E foi a partir deste plot que descobrimos mais sobre as taras e o passado de Ashley. A homossexualidade do personagem é retratada com bom humor (vide Stuart perguntando se gays gostam mais de fazer cocô do que héteros) e criatividade: Ash é um cara que gosta de outros caras, e é isso. Não vejo a série abordando temas exaustivamente recorrentes como homofobia, preconceito da parte da família, etc. mas, se abordar um dia, sei que não será da maneira convencional.

Ver o personagem passando por situações como descobrir que seu parceiro também era passivo nos faz pensar se algum dia a televisão brasileira amadurecerá o suficiente para comportar este tipo de trama. A partir de atitudes como intercalar cenas do disaster date de Maxine com o cinéfilo e do equilibrado encontro entre Ashley e Ryan (pelo menos até seu final), os roteiristas mostraram que o fato de ser homossexual não é o grande problema da vida de Ashley: seu grande problema, assim como o de todos os outros personagens da série, é fruto de uma miscelânea de experiências e traumas de seu passado conturbado e sua estressante profissão.

Enquanto isso, em cenas como a de Stuart acertando todos os diagnósticos no início do episódio (fiquei imaginando como House reagiria ao paciente da cenoura) e da bronca da supervisora, a equipe criativa admite que o sociopata acaba por vezes eclipsando seus colegas, mesmo quando o foco do episódio não está nele. Talvez para tentar amenizar isto, tanto em I.C.E. quanto em King…, o personagem não recebeu grandes storylines, mas ao lado de Maxine, teve ótimos momentos. A conversa dos dois na mesa de jantar no quarto episódio já é um dos melhores diálogos da série. Os dois têm química de sobra, e são unanimidade dentre os fãs. Craig, o bombeiro com quem Maxine começa a se relacionar no quarto episódio, não tem nem metade do carisma do excêntrico macho alfa.

A divertida disputa entre ele e Rachid foi o ponto alto do episódio. A série conseguiu tornar uma clássica disputa músculos x cérebro em uma janela para discussões acerca desta silenciosa hierarquia social que se instaura em um grupo de pessoas. Sirens é perita em retratar estes mecanismos sociais invisíveis que permeiam nossos relacionamentos, sempre por uma ótica crítica e sarcástica. Humor e demonstrações de companheirismo também fizeram-se presente na rixa. Contudo, apesar de seus bons plots, King… apresentou um ritmo bastante irregular e não conseguiu manter o nível de I.C.E., o que fica inegável quando comparamos os momentos de suspense deste episódio (com destaque para a desequilibrada empunhando uma faca) com os do episódio anterior.

Sirens vem crescendo. Nestes dois episódios, o seriado conseguiu melhorar em vários dos aspectos citados nas duas reviews anteriores como problemas em sua estrutura, notavelmente aprimorando a química de seus personagens e deixando seus protagonistas em pé de igualdade. Foram episódios marcantes e repletos de bons momentos, em que tivemos provas da competência dos profissionais por trás da dramédia e uma confirmação de que dar um voto de confiança ao mediano primeiro episódio da série foi uma decisão acertada. A tragicômica epopeia dos patrulheiros de Leeds torna-se mais imperdível a cada episódio.

PS.: Peço desculpas pelo atraso absurdo nas reviews. Os comentários dos episódios Stress e Cry serão postados ainda nesta semana.

PS2.: O livro que inspirou a série (em inglês) está disponível para download gratuíto para os registrados na iTunes Store britânica. Acesse-o clicando aqui.

Leia a review do episódio Two Man Race

Leia a review do episódio Up, Horny, Down


João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

×