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Sadcom, um novo caminho para as comédias

Por: em 24 de outubro de 2015

Sadcom, um novo caminho para as comédias

Por: em

Recentemente eu me dei conta de como o meu gosto para séries de TV mudou. Antes eu adorava sentar em frente à TV e dar boas risadas com as tradicionais Sitcoms, com cenário montadinho e claques de risadas. Eu ainda gosto de várias delas, mas o meu interesse em conhecer novas séries com este modelo foi progressivamente diminuindo. Na verdade, hoje eu praticamente só assisto dramas, com uma ou outra exceção. Por isso, quando li este artigo (tradução abaixo, intercalada com comentários meus) uma luzinha acendeu no fim do túnel.

Bojack-Netflix

Este texto é a tradução do texto “The Rise of the Sadcom”, de Jenny Jaffe, para Vulture.

O crescimento da Sadcom

“Zack Handlen levantou uma boa questão na semana passada quando ele escreveu sobre o que chamou de “a arte da sinceridade cínica”. Ele focou especificamente em Rick and Morty, do Adult Swim, e a série do Netflix, BoJack Horseman, duas das mais comentadas sitcoms modernas. As duas são tratados em animação sobre a decepção inerente à vida, estreladas por alcoólatras autodestrutivos com moral duvidosa e apenas ocasionalmente um lapso de humanidade (Horsemanidade?) Ambos, segundo Handlen, usam a animação para mostrar a realidade obscura por trás da fachada do conceito familiar de pessoas-felizes-e-sorridentes. O formato, Handlen explica, ajuda a reforçar o fato, pois os expectadores esperam mais felicidade das séries em animação.

Apesar de concordar neste ponto, acho que o argumento pode ser mais explorado. Não se trata apenas uma nova tendência na animação (Na verdade, eu diria que subversão e animação tem andando de mãos dadas desde os primórdios da Looney Tunes) – É um gênero inteiramente novo de séries de TV sendo definido.”

O ano teve muitas estréias medianas, talvez isto tenha contribuído para que pudéssemos observar melhor o crescimento de um gênero novo de comédia que fala muito mais próximo ao ser humano real que assiste às séries de TV, mantendo-se num limiar entre os gêneros já conhecidos que se contrapunham.

“Desde Seinfeld, e especialmente desde que os americanos se familiarizaram com Ricky Gervais, as Sitcoms americanas se dividiram em duas facções: As sinceras e as cínicas (Sendo que a adaptação de The Office foi a ponte entre elas). De um lado, New Girl, do outro, Always Sunny; aqui, temos Modern Family, e ali, Arrested Development; Parks and Recreation e 30 Rock estão de lados diferentes desta cisão. A principal diferença entre os dois tipos de séries reside em como os personagens principais interagem com o mundo circundante. Considere a galera de Always Sunny versus os colegas de apartamento de New Girl: As duas séries são principalmente sobre grupos de amigos, em sua maioria homens, em demografia similar, lidando com confusões em busca de dinheiro e amor. Mas os personagens de Always Sunny vêem o mundo em volta deles como um lugar ruim cujo único valor são os recursos que podem explorar, enquanto em New Girl, os personagens tendem a ver o mundo como um bom lugar pelo qual vale a pena tentar melhorar. No fim de cada episódio de Always Sunny, as coisas ou voltaram ao status quo ou pioraram em relação a como estavam antes; Enquanto em New Girl, as coisas geralmente melhoram, os personagens se voltam em direção a um futuro melhor. Um opera com o cinismo do século 21 em que “Nada muda”, o outro com uma grande sinceridade que diz “As coisas sempre melhoram”.

Mas a comédia americana emergente, tanto em animação quanto em live-action, não demonstra nem o o escapismo sincero nem o niilismo cínico. Considere-as Sadcoms – A crua, honesta, surpreendemente esperançosa, e longamente gestada prole de M*A*S*H. Louie talvez seja a mais inovadora do gênero, mostrando uma pessoa de moral constantemente repreensível tentando e falhando em lutar contra a sua natureza, pelo bem de muitas pessoas em torno dele e da próxima geração que com quem ele claramente se preocupa muito. É chocante, difícil, sofrido e sua honestidade ecoa profundamente na audiência.”

Existe algo de melancólico nas Sadcoms: Não é apenas o rir de si mesmo, mas rir daquilo que você não gosta de ser, do que há de pior em você e perceber-se desajustado, sem lugar no mundo contudo, sem desistir de encontrar este lugar.

BoJack Horseman é, em si mesmo, um estudo de virada da comédia puramente cínica para a Sadcom otimista. A história de um detestável cavalo alcoólatra num mundo povoado metade por humanos e metade por animais antropomórficos, BoJack começa instável. Mas a série finalmente se revela, se torna algo surpreendente. O momento específico da revelação ocorre quando BoJack pergunta à sua amiga Diane: “Eu sou uma boa pessoa?”

Diane não responde.

É uma cena muito séria. Neste momento, vemos BoJack como ele é: Uma pessoa triste que está tentando melhorar. Que, de acordo com o Morty, de Rick and Morty, é o que todos somos. “Ninguém existe de propósito, ninguém pertence a lugar algum, todo mundo vai morrer. Venha assistir TV?” Disse Morty ao chamar sua irmã entediada no final de “Rixty Minutes”, a obra prima meio improvisada da primeira temporada da série. O mundo é confuso, ele nos diz, e assustador, mas condenado se não tentarmos fazer algo correto à respeito disso.”

Assistir BoJack é quase como observar alguém usando visão raio-X, não existem segredos, todas as falhas do personagem estão ali, ele é tão detestável quanto reconhecível. A série é um estudo de personagem onde o público reconhece as vulnerabilidades de BoJack. Ele não tem muitas amarras morais e apesar de ser só uma subcelebridade do passado de quem pouca gente lembra, ele se vê com uma certa grandeza, leva uma vida hedonista, é egoísta, invejoso e várias vezes é muito babaca. Mas é um belo tapa na cara perceber como ele se parece em algum ponto conosco ou com pessoas que conhecemos e gostamos.

“Rick é o mais cínico da dupla que dá nome a Rick and Morty. No piloto, ele se oferece para jogar uma bomba de Neutrino na Terra, salvando apenas eu neto, Morty, e a garota que ele gosta, Jessica, para dar a ele uma última chance com ela. Isto é contado como piada, mas Rick fala sério. Ele não se importa com o mundo, mas se importa com Morty. O relacionamento deles não é perfeito – E frequentemente ele acaba traumatizando Morty – Mas a série mostra com relativa frequência que ele se importa. Ele está tentando, a sua maneira, ser um bom avô.

Considere Unbreakable Kimmy Schmidt. É uma série de cores alegres, que poderia muito bem ser feita em animação, mas no fundo é sobre uma pessoa lutando para encontrar bondade num mundo que transformou o seu sequestro em um circo midiático. Nathan For You, sem roteiro e frequentemente bajuladora, mostra várias pessoas reais acreditando nas idéias de Nathan, e o programa se surpreende com a receptividade das pessoas mais do que ri com a sua ingenuidade. Community se transformou de uma comédia sarcástica para uma sadcom sincera, de momento em momento, de episódio em episódio, embora Dan Harmon estivesse tentando testar a estrutura, ele acabou solidificando-a com o co-criador Justin Roiland de Rick e Morty. Abbi e Ilana de Broad City tem metas otimistas, mesmo que o mundo retratado na série não esteja interessado em ajudar a concretizá-las.

Até mesmo em Review, o mergulho de Andy Daly e Charli Siskel no coração das trevas, mostra compaixão por Forrest MacNeil. Forrest tem o mesmo papel que David Brent ou Walter White, se formos flexíveis, mas as pessoas em volta tentam diversas vezes acreditar no que há de melhor neles.”

A mensagem em todas estas sadcoms é algo assim: O mundo pode ser terrível, e nós também. Entretanto, diferente de séries como Always Sunny e Seinfeld, nossas escolhas erradas não se originam da inerente corrupção moral em nossas essências, mas de uma inerente limitação de nosso conhecimento e capacidade. Às vezes agimos motivamos pela mágoa. Às vezes, pelo medo. No nosso pior, agimos influenciados por ambos. Mas estamos tentando fazer o nosso melhor. E há algo de profundamente otimista nisto.

Bojack-Horseman-Diane-Netflix

Uma mensagem que também se traduz na resposta de Diane. Quando BoJack perguntou a Diane se ela acreditava que ele era uma boa pessoa, o seu silêncio foi mortificante. Entretanto, depois de um tempo, Diane responde para BoJack que não acredita que no fundo ele seja bom, pois não acredita que exista um “no fundo”. Somos o que somos, mas também o que fazemos com isso.


Gizelli Sousa

Arquiteta, feminista, prefere uma noite de maratona de séries do que sair para a balada.

Brasília/DF

Série Favorita: The Walking Dead

Não assiste de jeito nenhum: Gilmore Girls, The O.C., One Tree Hill, Girls, Love

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