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Switched at Birth – 4×05 At First Clear Word e 4×06 Black and Gray

Por: em 16 de fevereiro de 2015

Switched at Birth – 4×05 At First Clear Word e 4×06 Black and Gray

Por: em

“If you had said “no”, I would have stopped.” 

“Did I say, “yes”?”

É difícil começar essa review e, apesar de já ter assistido a esses dois episódios várias vezes, ainda estou digerindo tudo o que nos foi apresentado. Essa é uma das razões que me leva a esse texto duplo e que demorou algum tempo para ser publicado. O tema abordado é de extrema delicadeza, o que exige muita reflexão e, além disso, tinha consciência de que a história que se iniciou em At First Clear Word teria continuação, portanto, resolvi esperar o desenrolar de toda a  trama para tecer um comentário geral.

Primeiramente, gostaria de parabenizar o roteiro de Switched at Birth pela coragem de abordar um tema tão sério e delicado e tratá-lo com toda a sensibilidade e atenção que merece. O que vimos nessas duas últimas semanas é um verdadeiro serviço de utilidade pública, abrindo debates sérios e questionando toda uma cultura. Mas vamos com calma.

Tudo se inicia com  a seguinte cena: Bay acorda em um quarto desconhecido, nua e ao lado de Tank. A conclusão, aparentemente, é óbvia: eles transaram e a garota traiu Emmett. No entanto, após uma conversa com Regina percebemos que a coisa não é tão simples quanto parece. Afinal, se Bay estava tão bêbada, a ponto de sequer se lembrar do que aconteceu, ela poderia ter dado consentimento ao rapaz?

Para começar é preciso entender que estupro envolve qualquer caso em que a relação sexual não é consensual. Situações em que uma garota está completamente bêbada, e sem consciência de seus atos, também se enquadram nessa categoria. Ainda assim, a história apresentava duas complicações. A primeira é que Tank é um personagem conhecido e querido pelo público. Sabemos que ele é um cara legal e, até então, se encaixava perfeitamente no papel de bom moço. Além disso, ele também havia bebido. E essa foi a grande sacada da série. Apesar do pensamento machista ainda existir, uma situação em que ela fosse violentada por um desconhecido, que não houvesse bebido, seria mais facilmente aceita, mas vamos analisar a situação com calma para entender porque Tank é realmente culpado.

Primeiramente, sim, ele havia bebido, mas o nível de embriaguez do rapaz era claramente inferior ao da menina. Isso, porque além de lembrar do que havia acontecido, ele a levou para o quarto e buscou água para ela, tendo consciência de aquilo a ajudaria a se sentir melhor. Ou seja, apesar de ter bebido ele não havia perdido a noção do que fazia. Além disso,  ao ser confrontado por Bay o próprio rapaz admitiu que durante o ato sexual não tinha certeza de que aquilo era certo.

Ainda assim, o grande mérito mais uma vez é trazer um personagem de caráter tão bom para o centro do debate. Creio, que mais do que uma discussão sobre a existência ou não de um estupro, o que a série pretendia era mostrar o machismo arraigado em nossa sociedade. Tank deixou claro que em momento algum Bay disse não, mas a questão central é que ela não disse “sim”. Não houve sinal de consentimento. Muitas vezes nem se questiona tal fato, acreditando que se não há negativa não existe nenhum problema, mas isso é um erro. Não deveria ser necessário estabelecer esse limite. Não deveria ser necessário gritar um “não” para não ser violada, seja por um beijo, um toque, ou sexo. O garoto deveria pedir permissão antes de agir e não agir esperando que a garota permita ou negue sua investida. No caso,  Bay não tinha condições de negar.

O grande problema é que nossa cultura gasta muito tempo ensinando garotas a se “proteger” – o que normalmente inclui uma lista infinita de coisas a não serem feitas – enquanto se esquece de ensinar aos rapazes o que são limites. A imagem geral que temos de estupro é de uma ação violenta em que a vítima, consciente e desesperada, é subjugada e violada por um agressor, na maioria das vezes, desconhecido, mas é muito mais do que isso. E não deixar claro que existe outras formas de estupro apenas as alimenta.

Se gastássemos um décimo do tempo que utilizamos dizendo o que as garotas não devem fazer, para dizer aos garotos o que eles não devem fazer, situações assim poderiam ser evitadas. Não é só errado transar com uma garota embriagada, é criminoso. Paremos de ensinar as moças como se vestir, ou se comportar, e começos a ensinar aos rapazes a nunca tentar nada, nem o mais sutil dos toques, sem ter certeza de que é isso que parceira deseja.

Tank, muito provavelmente, não tinha consciência de que estuprava Bay.  Encarou a ausência de negativa como um consentimento, mas isso não o exime, pois revela que enquanto agia estava preocupado apenas com suas vontades, sem pensar na garota e no que ela sentia ou desejava.

O machismo também se revelou na repercussão, retratada de modo muito realista, dos acontecimentos. Bay foi ofendida de incontáveis formas na internet e o principal adjetivo para se referir a ela era vagabunda (ou algo do tipo). Vagabunda por estar bêbada e aparentemente flertar com alguém. Vagabunda por já ter traído um namorado. Vagabunda por, supostamente,  ter se arrependido de dormir com um cara e resolvido acusá-lo de estupro.

Além do universo da série, vi inúmeros fãs comentando nas redes sociais sobre todo o acontecido e fiquei assustada com a quantidade de pessoas culpando ou se rebelando contra Bay. Lembravam como a garota é impulsiva, ou simplesmente argumentavam que ela se sentia culpada pela suposta traição. Encontraram um milhão de meios para  acusá-la, esquecendo-se de refletir sobre as ações de Tank. Acredito que cada um tem direito a sua opinião, mas é preciso analisar toda a situação cuidadosamente, tendo total consciência que o machismo está tão arraigado em nós que muitas vezes nos esquecemos dele. O primeiro instinto é sempre culpar a mulher e vimos isso na ficção e realidade.

Machismo também esteve presente na conversa entre Travis e Mary Beth e mais uma vez a série foi brilhante ao colocá-lo na boca da moça. Foi ela a censurar Bay, a dizer que ela estava errada e culpá-la pela situação. O mais interessante foi ver a resposta da loira após ouvir, de um Travis indignado, que era um absurdo ela, como mulher, pensar dessa forma. Para Mary Beth ser mulher era justamente o que a levava a pensar assim, afinal aprendera desde sempre que mulheres deveriam tomar o dobro de cuidado e não se colocar em determinadas situações. Sendo assim, qualquer uma que não seguisse essas precauções estava se colocando em risco e tinha culpa em qualquer coisa que lhe acontecesse. Travis, por sua vez, ganhou meu coração ao defender a amiga. A culpa que ele sentia também é algo a ser analisada, afinal, como um homem, julgou que deveria ter protegido a menina, uma atitude muito nobre, mas que, mais uma vez, não deveria ser necessária.

Por fim, chega o momento de falar sobre Bay. A garota estava confusa e nem sabia exatamente o que pensar. Por conhecer Tank e considerá-lo um amigo não queria fazer nada para prejudicá-lo. Além disso, a última coisa que desejava era que outras pessoas soubessem o que lhe acontecera, desejando apenas esquecer tudo aquilo. Vergonha, culpa, medo, confusão, tudo passava pela cabeça da garota, que tinha que lidar com essa situação delicada, enquanto todos a sua volta se sentiam no direito de opinar, julgá-la, ou dizer a ela o que fazer, o que nem de longe ajudava.

Assistimos, assim, a dois excelentes episódios e só tenho elogios para a forma como a série conduziu toda essa trama. Em momentos como esse Switched at Birth se diferencia de qualquer outra série adolescente e se confirma como um dos melhores e mais sérios dramas teen da atualidade.


Thais Medeiros

Uma fangirl desastrada, melodramática e indecisa, tentando (sem muito sucesso) sobreviver ao mundo dos adultos. Louca dos signos e das fanfics e convicta de que a Lufa-Lufa é a melhor casa de Hogwarts. Se pudesse viveria de açaí e pão de queijo.

Paracatu/ MG

Série Favorita: My Mad Fat Diary

Não assiste de jeito nenhum: Revenge

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