Chegamos ao quarto episódio da nossa maratona vendo The Get Down dar um novo passo no que tange a sua premissa de abordar a história da música como instrumento de voz das minorias, para que estas sejam ouvidas – sendo momentos muitos sensíveis que exprimem o cotidiano dos personagens. Dito isso, vocês também tiveram a impressão de que os episódios podem ser resumidos por temas? Nos três primeiros, claramente giraram em torno de mitos, sonhos e esforço.
Em Forget Safety, be Notorious a narrativa de desdobrou em torno da redenção, quando quase todos buscaram consertar, explicita ou implicitamente, seus erros e tropeços – sendo o Reverendo Cruz a única exceção à essa regra. Apesar de toda sua crença, ele não titubeia em deixar a sua filha exposta à toda sorte de constrangimento diante da sua comunidade. Esse tipo de pessoa retratada magistralmente por Giancarlo Esposito é daquelas que aplicam suas convicções para inglês ver. Nada faz um hipócrita como ele esquecer dos dogmas ensinados amplamente em sua religião, como o perdão, do que o medo da possibilidade dos seus congregados descobrirem que existem problemas no paraíso.
E tudo o que Mylene fez de errado foi cantar – tudo bem que o vestido era insinuante, para os parâmetros da época – convenhamos que não é algo tão grave para ser tratada daquela forma. Ainda mais com o seu controverso comportamento, muito bem explicitado com a questão de que o prédio da igreja foi adquirido com os mesmos recursos que ele tanto demoniza. Apesar de toda essa via crucis, o destaque de Forget Safety, Be Notorious, foi Mylene.
Vale ressaltar que The Get Down dá o mesma profundidade e força para homens e mulheres. Da mesma forma que Shao tem os seus, Mylene tem a sua base de amigas. Por ser mulher, sei que cada produção que afronta o sexismo é mais uma vitória dentro de um contexto historicamente machista. Enquanto a narrativa deles segue o caminho da fábula, recai sobre elas a responsabilidade de trazer a série para o mundo real. A preocupação em dar espaço não só para a aparência, mas para a inteligência e resiliência feminina é algo que me dá muito orgulho de assistir e escrever sobre. A Netflix segue mantendo a sua premissa de se afastar de todos esses vícios cada vez mais combatidos dentro do show business.
Ainda sobre representatividade, depois da incômoda frequência que o termo ‘faggot’ (bicha) é falado, para questionar a masculinidade dos personagens, a tensão entre Dizzle e Thor tem um grande potencial dramático. Era esperado que ao retratar uma época socialmente conturbada, que The Get Down não deixaria a questão LGBT de fora. A homossexualidade era (e ainda é) vista como um enorme estigma na época, então além de torcer para o casal devemos também começar a rezar para que eles não terminem de uma maneira trágica, vítimas do contexto em que vivem.
Por conta da sua busca por um estágio, Books se vê diante de um cenário completamente novo: a realidade de finalmente ter uma voz e, mais do que isso, poder ser a voz de uma minoria. Os americanos brancos apenas se preocupam com a comunidade negra quando isso traz alguma vantagem, política ou econômica. Gosto também desse viés abordado por The Get Down, se preocupando em construir não só o drama dos personagens mas situar os espectadores dentro do momento, da história. O problema é que Books escolhe a sua lealdade para com Cisco ao apoio que Mylene precisava. Ambos, mesmo muito apaixonados, claramente possuem diferentes sonhos e objetivos, então é muito difícil balancear o egoísmo inerente aos próprios interesses com a necessidade de atenção do outro. Isso tudo chega ao limite quando Books decide chancelar o comportamento de Shao, aquele amigo babaca que todo homem tem, e deixa mais uma vez Mylene na mão. Logo o relacionamento dos dois passa por mais uma ruptura.
Mas Mylene não precisa de um homem para fazer o que ela sabe melhor. Ela tem suas amigas, que além de serem ótimas cantoras, também fazem de tudo para ajudar umas as outras. Gosto bastante dessa abordagem da amizade dada para Mylene, Yolanda e Regina, que também foge do lugar comum. Ainda mais depois de Jackie sucumbir mais uma vez aos vícios, falhando com menina e consigo mesmo.
Forget Safety, Be Notorious foi mais um ótimo capítulo dessa aposta quase conceitual da Netflix esse ano. A trilha se mantém maravilhosa e os vocais conseguem ser cada vez melhores. Vocês estão curtindo? Se mantenham ligados pois continuaremos a maratona de The Get Down com vocês!
