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The Mist – 1ª Temporada

Por: em 26 de agosto de 2017

The Mist – 1ª Temporada

Por: em

Spoiler Alert!

Este texto contém spoilers pesados,

siga por sua conta e risco.

Sabe quando um piloto deixa uma infinita gama de ótimas possibilidades narrativas a serem seguidas e a escolhida é trabalhada de forma fraca e com ritmo inconsistente? Basicamente, essa é a impressão que fica da primeira temporada de The Mist, adaptação do conto de Stephen King, feita por Christian Torpe para o canal americano Spike. Nos dez episódios que estrearam na Netflix no dia 25/8, o que se vê é um elenco, em sua grande maioria, entregando atuações rasas e teatrais, tentando sustentar um roteiro fraco e muitas vezes inverossímil. O foco se deu mais na tentativa de chocar através da violência ou do sobrenatural, do que no desenvolvimento de boas histórias de personagens que poderiam ter sustentado o suspense de forma bem mais sólida e interessante.

Mas, vamos ao que interessa, que é falar sobre o que aconteceu nessa primeira temporada. A série nos conta a história dos moradores de uma pequena cidade americana, repentinamente encoberta por um denso nevoeiro. As pessoas não demoram a descobrir as ameaças que a neblina esconde e, em pânico e sem escolha, acabam tendo que permanecer nos lugares onde se encontravam quando a névoa chegou.

Reprodução/Netflix

Sabemos que são nas situações extremas que temos a chance de conhecer o verdadeiro caráter das pessoas, certo? Sabemos também que o ser humano sob ameaça de morte, medo e privação, não raro se deixa guiar por sentimentos como covardia, desonestidade e injustiça. E a série, assim como o conto de King e o filme “O Nevoeiro”, explora o lado menos humano da nossa humanidade. Mais que falar sobre o sobrenatural que mata, a série nos diz muito dos nossos monstros internos que, quando despertados, podem ser bem piores que ameaças da natureza. E começa muito bem nessa empreitada, entregando um piloto bacana, com muitos plots que renderiam histórias ricas e coerentes. Então, o que deu errado? A opção por investir em uns seis episódios fillers, que acabaram comprometendo o andamento e ritmo da série.

Já no piloto, a pacata cidade é abalada por um crime horrível: numa festa de adolescentes, Alex (Gus Birney) é estuprada enquanto estava desmaiada, e o suspeito é o seu crush e melhor jogador da escola, Jay (Luke Cosgrove). Quem presencia o fato e o denuncia é o melhor amigo da garota, Adrian (Russell Posner). Bissexual assumido e extremamente maltratado pelo pai homofóbico e violento, ele não conta com o apoio da mãe, que também é vítima do marido opressor. O garoto ainda é discriminado por alguns dos seus colegas e, nesse cenário horrível, ele encontra em Alex e em sua família descolada e amorosa, o ambiente de carinho e acolhimento que não consegue ter em casa.

Reprodução/Netflix

Em meio a todo o trauma e culpa que uma situação como essa traz embutida, os pais de Alex, Eve (Alyssa Sutherland/Vikings) e Kevin Copeland (Morgan Spector/Person of Interest), ainda têm que lidar com o preconceito e julgamento de uma cidade tradicional, conservadora, machista e misógina. Apesar de tudo, o casal, em nenhum momento, deixa de oferecer todo o suporte à garota, incentivando-a a denunciar, acompanhando-a nos exames médicos e defendendo-a todas as vezes que se fizeram necessárias. Os três se uniram para tentar punir o suspeito e para isso, enfrentaram todo tipo de acusação e descrença, a começar na delegacia, já que Connor (Darren Pettie), o pai de Jay, é ninguém menos que o xerife da cidade.

Preciso fazer aqui um parênteses para reforçar o quão bacana foi a abordagem do roteiro nesse fato. Alex, uma adolescente criada com uma certa liberdade e muito amor, em nenhum momento, pôs em dúvida sua condição de vítima, fato infelizmente muito comum nesse tipo de crime. Isso nos leva a perceber quão positivo é o impacto na autoestima e segurança de um adolescente, quando o suporte e carinho estão dentro de casa. Seus pais, mesmo devastados e em choque, jamais deixaram que ela sequer cogitasse sentir-se culpada. Ainda que o fato tenha causado grande discórdia entre o casal, já que Kevin incentivou a filha a ir à festa desautorizando Eve, eles não deixaram que o problema entre eles ficasse maior do que o que realmente importava: o bem-estar psicológico da filha. Maturidade, respeito e sobretudo, amor.

Reprodução/Netflix

Acontece que o nevoeiro chega à cidade em meio a toda essa confusão, pegando todos desprevenidos e obrigando-os a ficarem confinados em locais distintos da cidade. Essa clausura forçada, acabou formando grupos que, cada a um a seu modo, tentaram se organizar para entender o que estava acontecendo e acima de tudo, sobreviver.

Igreja

Talvez pelo ambiente de confinamento propiciar isso, foi dentro desse grupo que pudemos ver o nascimento do fundamentalismo e avaliar como podem ser devastadoras as consequências do somatório do medo do desconhecido, com uma fé cega, sem qualquer questionamento crítico. Nesse cenário, duas facções surgem: uma tradicional cristã, liderada pelo Padre Romanov e seu coroinha, Link e outra, bem tilelê e baseada nas forças da mãe natureza, liderada pela inicialmente fofa, Natalie Raven (Frances Conroy / AHS).

Com comida, água (e até vinho) à disposição, parece até estranho as pessoas conseguirem ter disposição e coragem de entrar em guerra, mas o BBB tá aí pra mostrar pra gente que o confinamento forçado muitas vezes é o grande catalisador da intolerância humana. A discórdia começa depois que Natalie passa a acreditar ter recebido um sinal da Mãe Natureza e entendido o mistério que cerca o nevoeiro. Abalada pela perda do companheiro de vida, ela rapidamente ganha a credibilidade de parte do grupo, especialmente do xerife e isso acaba enfraquecendo e desagradando o padre.

Divulgação/Spike

Nessa disputa, acontecem coisas escabrosas, onde Natalie algumas vezes foi realmente vítima. Mas a pessoa centrada e bondosa que chegou até a igreja, rapidamente dá lugar a uma líder fanática e impiedosa. Ao voltar vitoriosa de um desafio proposto pelo padre, ela parece irremediavelmente possuída pela vaidade e pela crença de que o que aconteceu ali foi realmente um sinal que a distinguia dos demais.

Essa “vitória” foi suficiente para que ela assumisse uma postura ditadora, camuflada por uma falsa doçura em falas sempre sussurrantes (zzzzz), que foi rapidamente comprada por parte do grupo que estava ali dentro. Juntos, eles caminharam até o shopping, numa missão assassina, monstruosa e cruel. Não sem deixar um grande lastro de sangue por onde passaram. Claro que, com a covardia dos líderes que assim se autointitulam apoiados no misticismo e não em ações, a principal missão do grupo teria que ser executada por um terceiro: o xerife. Natalie, na única vez que sujou as mãos, foi verdadeiramente em legítima defesa. E é muito triste perceber que Connor, cego pela fé em sua líder, vai até o fim e entrega seu filho à morte. Essa cena é, de longe, a mais triste e tocante da temporada.

Reprodução/Netflix

Delegacia/igreja/hospital/casas/shopping

O grupo que se formou na delegacia, por ser o único com carro, passou por vários cenários da cidade, vivenciando conflitos em todos eles. Talvez por ser tão improvável, o grupo composto por Kevin, Adrian, a viciada Mia (Danica Curcic) e o soldado desmemoriado Bryan/Jonah (Okezie Morro) foi por muitos episódios, o mais unido.

É dentro do hospital que acontece uma das cenas mais impactantes e péssimas da temporada: Adrian é espancado por seu colega homofóbico, para logo depois, ter uma relação sexual com ele. Sério, gente? Achei totalmente desnecessário reforçar esse estereótipo de que para ser aceito, amado, você precisa se submeter a qualquer coisa, até mesmo à violência. A condução do roteiro com relação a esse personagem específico, transformando-o em um psicopata estuprador, me incomodou bastante. Não que eu ache que só pelo fato de ele ter se apresentado como vítima num primeiro momento, ele devesse ser o bonzinho da trama.

Reprodução/Netflix

Mas a forma escolhida para mostrar o “verdadeiro Adrian” soou repentina, chocante e gratuita. Nada em sua conduta poderia indicar que ele fosse algo além de um bom menino, lutando para ser aceito pelo pai e pela sociedade. Nada indicava também que ele amava Alex dessa forma doentia. E tudo bem, sabemos que psicopatas são nada óbvios mesmo. Talvez ele até se vingue do seu “colega”, que já o havia violentado de outras formas anteriormente. Talvez também a violência que ele sofreu a vida toda dentro e fora de casa possa ter moldado uma personalidade má e distorcida. Tudo isso pode sim fazer sentido lá na frente. Mas aqui, foi apresentado de forma pouco aprofundada que acabou por reforçar milhões de estereótipos negativos e conexões absurdas entre liberdade sexual e psicopatia ou maldade, por exemplo.

Outro ponto totalmente esquecível foram os personagens aleatórios introduzidos no hospital. Teve de médico louco, a enfermeiro vidente, passando por soldado rival, até chegar no irmão do Kevin. Sua inserção na trama serviu para justificar um flashback onde descobrimos que Eve é considerada a vadia da cidade (zzzz), por ter se relacionado com vários homens na sua adolescência e que Alex não é filha de Kevin. Mais uma grande bola fora do roteiro. As cenas que presenciamos foi de uma mulher culpada, submissa e que aparentemente se “sujeitou” ao casamento com um cara bonzinho e apaixonado para fugir de um apedrejamento social.

O relacionamento entre Mia e Bryan/Jonah é outro ponto extremamente forçado. A começar pela falta de química do casal, finalizando no fato de o roteiro não ter trabalhado muito no aumento do interesse do soldado nela. Ficou bem perdida essa atração aí no meio de uma desintoxicação que só não foi mais rápida que o sexo entre os dois. Por isso mesmo, não foi nada chocante ver o Jonah descobrindo parte de sua identidade ao chegar no shopping e simplesmente abandonando os planos de fugir com Mia.

Shopping

Por se tratar do maior grupo, foi talvez o que vivenciou as maiores adversidades: ficaram sem comida bem rápido, se dividiram em dois e estabeleceram regras “democráticas” para conviverem melhor ali dentro. O líder do grupo 1, o gerente do shopping, Gus (Isiah Whitlock Jr) foi responsável pelas maiores incoerências da série. Mesquinho, egoísta e covarde ele foi de ladrão de comida a assassino cruel. 

Reprodução/Netflix

No shopping deu pra perceber também o quão travada e incoerente é a Eve. Talvez por arrependimento pelo seu passado, ela aparentava o tempo todo não saber lidar com a filha, sei lá se por medo dela se transformar na cópia de si mesma (zzzz), ou se por falta de afinidade mesmo. Desesperada pela reaproximação da filha e de seu provável estuprador/irmão, ela perdeu a linha inúmeras vezes em atitudes que só contribuíram para unir ainda mais os dois. A prisão do garoto, a forma que ela escolheu para revelar que Alex não era filha de Kevin e sim de Connor (portanto, irmã de Jay), também foram péssimas. Tudo bem que ela estava desesperada, mas que solidariedade ela esperava encontrar naquele grupo? Isso sem contar a exposição desnecessária do marido, que só tentou salvar todo mundo e se ferrou por isso.

Enfim, fato é que das cenas péssimas para ficar na memória, tenho que eleger também a morte do Jay. Inaceitável Alex não ter tentado salvá-lo, imperdoável os pais não terem tentado ajudar. Entendo o temor pela vida da filha, mas não aceito a covardia de deixá-lo lá, ainda mais porque o garoto havia salvado a menina por duas vezes e nessa altura do campeonato, Kevin já tinha certeza que Jay não havia feito qualquer mal à Alex.

O final da série deixa nítido que uma segunda temporada vem por aí, o que só não deve acontecer se os índices de audiência não justificarem o investimento. E vocês, assistiram a The Mist? Contem aí o que acharam nos comentários.


Algumas observações:

  • O nevoeiro, por enquanto não deu muitas pistas do que pode ser. Pelo plot dos militares, percebemos que tem a ver com o projeto Arrowhead e que Jonah, teoricamente, deveria saber muito sobre ele;
  • O nevoeiro a princípio, parecia querer se vingar de algumas pessoas bem específicas, com mortes bem diferentes umas das outras e cheias de significados ocultos, o que me levou a pensar que o Jay não morreria. Mas, nos últimos episódios isso mudou e a névoa não escolhia mais quem pegava. Vamos ver se a temporada 2 explica melhor o porquê disso;
  • Jay: personagem mais injustiçado da série;
  • Alex ficou com a mesma expressão facial a temporada inteira. Bora melhorar!

Renata Carneiro

Jornalista, amante de filmes e literalmente, apaixonada por séries. Não recusa: viagem, saidinha com amigos, um curso novo de atualização/aprendizado em qualquer coisa legal. Ama: família, amigos, a vida e seus desdobramentos muitas vezes tão loucos Tem preguiça: mimimi

Belo Horizonte/MG

Série Favorita: Breaking Bad

Não assiste de jeito nenhum: Two and a half Men

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