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This Is Us – 2×08 Number One

Por: em 16 de novembro de 2017

This Is Us – 2×08 Number One

Por: em

Confesso que desde que os produtores anunciaram que os três últimos episódios desta primeira metade de temporada seriam focados, cada um, em um dos irmãos, eu fiquei bem feliz. Muito disso porque obrigatoriamente teríamos um episódio inteiro focado no Kevin. O personagem mais sem graça do seriado, sempre me pareceu bem aleatório dentro da dinâmica da família. A figura dele por si só e seus plots também já inspiravam pouca simpatia, diante dos temas grandiosos, complexos e profundos que This Is Us sempre fez questão de tocar. Por um momento inclusive, achei que faria a menor review de todos os tempos porque eu não teria o que falar sobre o número 1 da família Pearson. E é aqui que eu tropeço e caio de cara no meu próprio preconceito. Porque sim, nós “precisamos falar sobre Kevin.” 😉

Number One mostrou para as pessoas que, assim como eu, tinham zero empatia por Kevin Pearson, que a vida do personagem nem sempre foi um mar de rosas e de episódios de sucesso, festas e pegação. Não sei se por estratégia do roteiro ou se foi só viagem minha mesmo, mas os telespectadores foram levados até esse ponto do seriado a terem o mesmo olhar que todos à volta de Kevin, incluindo seus pais, têm sobre ele: menino bonito, mimado, um pouco metido e famosinho, que nunca teve qualquer problema e que, exatamente por isso, não precisava ser levado tão a sério. E só assistindo a esse episódio, pude perceber o quão invisível o garoto sempre foi e o pior: o quão acostumado com isso ele está. Sei que já vimos em outros momentos, cenas de tristeza e derrotas dele, mas contextualizadas com o restante do roteiro, elas não tiveram o impacto suficiente para chamar a devida atenção. Até agora.

Divulgação/NBC

Kevin, desde a infância, teve consciência da sua beleza, carisma e talento. Isso fez com que ele crescesse achando que talvez não precisasse mesmo de ninguém, pois essas características por si só teriam sido capazes de segurar qualquer problema. E teriam mesmo. Ele era desejado pelas mulheres e gays por sua beleza e sex appeal, invejado pelos homens por seu talento no esporte e popularidade, admirado pelos pais, disputado por equipes de futebol americano em universidades de prestígio. Ele cresceu como o número 1 e simplesmente fez disso o combustível para camuflar o lado negativo dessa posição privilegiada. Acostumou-se a ser idolatrado, mas também a ter suas questões minimizadas e invisibilizadas porque fazemos parte de uma sociedade em que o sucesso é sim sinônimo de felicidade e nós não somos capazes de enxergar com humanidade ou empatia imediata os problemas por trás dessa casca de perfeição. Aliás, alguém assim tem algum problema?

Kevin Pearson nos mostrou que sim. Até o momento da sua vida em que seus dilemas giravam em torno da preferência do pai ou da mãe e de questões normais da adolescência, era muito conveniente para sua autoestima, a idolatria que sua presença gerava. Mas, a partir do ponto em que ele começou a enfrentar problemas mais sérios, como a impossibilidade de jogar, a morte do pai, a frustração por não estar lidando bem com a nova carreira, a dor insuportável, o vício em remédios, ele experimentou o lado B que essa mesma idolatria desencadeava. Ele, um homem branco, bonito, bem-sucedido, privilegiado não tinha direito a demonstrar qualquer fraqueza. Era preciso que ele fosse forte e sempre feliz, pois é isso que todos esperamos dos nossos ídolos, dos número 1.

Divulgação/NBC

Dizem por aí que a diferença entre o remédio e o veneno é apenas a dose. E vimos isso aplicado à vida do Kevin: o que funcionou como uma injeção de ânimo por muitos anos, alimentando seu ego, acabou sendo também o que o jogou pra baixo, ao constatar que absolutamente todas as pessoas ao seu redor, recusam-se a enxergá-lo como um ser humano normal. Com defeitos, com fraquezas, com depressão e vício. A postura da Charlotte, que por um segundo simbolizou um olhar verdadeiro para dentro dele, para suas atitudes estranhas ou o seu discurso depressivo,  nada mais foi que uma “tática” para levar para a cama o cara com quem ela sonhava na época da adolescência. Ela valeu-se de um nítido momento de fragilidade dele para satisfazer suas próprias vontades. E ponto. Vida que segue.

O curioso é que, como já mencionei antes, é simplesmente inacreditável que as pessoas não percebam. Randall, Kate, Sophie, ninguém. O cara está visivelmente alterado, perturbado, estranho, dizendo coisas péssimas e geral está dando risada e aplaudindo como um bando de robôs sem qualquer discernimento. Nem o que ele fala é contextualizado porque as pessoas simplesmente não absorvem. Eles estão hipnotizadas pela beleza e carisma dele, como disse seu coach, e o resto, bem o resto… era o que mesmo? Kevin está só, como talvez nunca tenha se sentido antes. Ele também está pedindo ajuda. A questão é que ninguém ouve. Só espero que quando alguém perceber o que está acontecendo, não seja tarde demais.

Divulgação/NBC

Claro que isso não faz do personagem meu preferido, ou um coitadinho. Mas faz dele um ser humano mais normal, gente como a gente. Humaniza, sabe? Kevin, assim como a maior parte da humanidade, errou muito e com muitas pessoas, em muitos momentos. Algumas vezes foi um verdadeiro babaca. Mas ele provou seu altruísmo e sua preocupação com o outro em diversas oportunidades também. Randall já experimentou da solidariedade dele em momentos cruciais, Kate idem. Mas ainda assim, eles não conseguem tirar a nuvem de perfeição que nubla a percepção deles quando eles olham o irmão. Com o Kevin nada parece ser sério ou devidamente importante. E sim, isso é muito triste. Quando ele disse ao Randall que precisava falar com ele e o irmão disse que sabia o que era e logo emendou com a notícia sobre Kate, qualquer esperança que o personagem tinha de ser enxergado caiu por terra. E me pareceu bem definitivo isso.

Esse episódio descortinou, pelo menos pra mim, o quanto às vezes nossos preconceitos são direcionados ao seres que consideramos que não merecem nossa atenção ou solidariedade por já terem recebido demais da vida. Por “reclamarem de barriga cheia”, ou qualquer coisa parecida com isso. O que é muito injusto. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, já dizia Caetano Veloso. E respeitar essa dor é uma lição que precisamos exercitar independente do quão maravilhosa e perfeita a vida da pessoa aparente ser.

Já preparada para o sofrimento do episódio da semana que vem, que vai ser sobre Kate. E vocês? Curtiram Number One? Simpatizaram mais com o Kevin?


Renata Carneiro

Jornalista, amante de filmes e literalmente, apaixonada por séries. Não recusa: viagem, saidinha com amigos, um curso novo de atualização/aprendizado em qualquer coisa legal. Ama: família, amigos, a vida e seus desdobramentos muitas vezes tão loucos Tem preguiça: mimimi

Belo Horizonte/MG

Série Favorita: Breaking Bad

Não assiste de jeito nenhum: Two and a half Men

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