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Justiça – Semana 1

Por: em 26 de agosto de 2016

Justiça – Semana 1

Por: em

A primeira semana de Justiça apresentou quatro tramas que se completam, ajudam a contar as outras três, mas têm vida própria quando vistas separadamente. A Globo acertou em cheio nesta primeira rodada de episódios, que não deixaram o ritmo cair, mesmo contando a história de personagens diferentes a cada dia.

Vicente

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A trama de Vicente, Elisa e Isabela pode ter sido escolhida como a primeira por muitos motivos, talvez o principal deles seja o de mostrar que a justiça pode ser muito benevolente com quem tem determinados predicados. O playboy, apesar da ausência de antecedentes criminais, sempre teve um temperamento violento, era possessivo, meio paranoico e andava por aí ostentando uma arma na cintura como mais uma forma de reafirmação de poder. Não era só a  arma. Ser um homem jovem, rico e noivo de uma bela garota que ele tratava como um de seus bens materiais eram características que complementavam esse quadro. Ainda assim, foi condenado a somente sete anos na cadeia por matar a sangue frio uma pessoa sem qualquer chance de defesa. Feminicídio. Que em 2009 ainda devia ser chamado de “crime passional”, que até 2005 a lei enxergava como mais aceitável quando não se tratava de uma “mulher honesta”.

Dois casos me vieram à mente quando assisti a esse episódio. Um foi o do assassinato de Ângela Diniz pelo parceiro, Doca Street, em 1976. O julgamento foi amplamente acompanhado pela mídia, e quando a sentença foi proferida – dois anos, cumpridos em liberdade, por legítima defesa da honra – o clima foi de comemoração nas ruas. Ele saiu do tribunal aplaudido, como um herói. Para eles, Doca era um bom homem que perdeu a cabeça por um instante por causa de uma mulher promíscua, então não merecia perder a vida atrás das grades. Isabela não era a vítima ideal, a mocinha virginal e indefesa. Ela tinha defeitos, mentia, era mesquinha e fez sexo fora do relacionamento. Em resumo: era humana. As pessoas podem até não admirar tais características, ou não desejar ter alguém assim como esposa ou amiga, mas nada disso é um crime tão hediondo que justifique uma sentença de morte sem direito a defesa.

O segundo caso é o de Daniela Perez. Este, por causa da luta de uma mãe para ver a justiça ser feita pela morte da filha. Elisa, assim como Glória, viu o assassino sair da cadeia jovem, com um futuro pela frente e todas as dívidas quitadas com o sistema penal enquanto suas filhas continuaram mortas. Elisa estava disposta a abrir mão da própria liberdade para ter a sua vingança, já que desde que perdeu Isabela, sua vida não fazia mais o mesmo sentido. O choque que teve ao perceber que ele tinha uma nova família agora – e ironicamente batizou a filha com o nome da mulher que assassinou – a impediu de apertar o gatilho. Apesar de tudo o que fez, Vicente saiu da prisão com juventude, com uma nova família, com uma chance de futuro. Muito diferente do que restou para Fátima.

Fátima

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Se para Vicente a justiça foi como uma mãe capaz de perdoar os maiores erros, com Fátima aconteceu o exato oposto. Ela tinha uma família simples, mas muito bem estruturada. Eles se amavam, se protegiam e faziam o que era certo para sobreviver. Waldir, inclusive, resistiu em aderir à greve dos rodoviários, apesar de estar sem receber o salário. Tudo mudou com a chegada de Douglas e Kellen à vizinhança. O policial e a esposa são a pior espécie de vizinho que alguém pode ter: egoístas, sórdidos e desprovidos de qualquer traço de empatia, eles deixam um animal violento à solta no quintal, matando sem represálias os animais de Fátima e Waldir, como se a vida das galinhas fosse reembolsável ou menos valiosa que a do Furacão.

A diplomacia não adiantou, e para piorar a situação, Fátima se viu sozinha com os dois filhos pequenos enquanto Waldir estava entre a vida e a morte por causa de uma briga de bar. Ela viu o caçula ser atacado, ferido e correr risco de vida por causa da negligência de Douglas. Era uma situação tensa e seu instinto de proteção acabou falando mais alto, já que seu marido não estava mais lá para ajudar. O cachorro não tinha culpa e matar um animal daquela forma, ainda mais depois que ele tinha sido contido, é um ato de crueldade inegável. Mas que outra alternativa ela tinha? Além do mais, Fátima não foi condenada por isso, e sim por um crime que não cometeu, por um golpe de Douglas, um agente da lei, usando o sistema em benefício próprio para promover uma vingança completamente desproporcional.

A prisão de Fátima não destruiu apenas a sua vida, deixou Mayara e Jesus à mercê da própria sorte, e se eles já eram vulneráveis dentro de uma família amorosa, devido às condições financeiras, sem o pai e a mãe por perto, eles não têm nenhuma chance. Os dois provavelmente foram separados, passaram a infância e a adolescência em abrigos e é muito possível que a única oportunidade dada a eles tenha sido no mundo do crime. Fátima só não matou Douglas ali mesmo, com aquela faca, porque ainda tem esperança de encontrar os filhos e fazer algo por eles. Ela não podia voltar para a cadeia, ela ainda pelo que lutar. O mesmo não se pode dizer sobre Rose.

Rose

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À primeira vista, a trama de quinta-feira parece falar sobre racismo. Em um olhar um pouco mais cuidadoso, percebemos que na verdade a história de Rose é sobre privilégio branco. Aquele de que todas as pessoas brancas, racistas ou não, acabam se beneficiando. Rose pode ter crescido quase dividindo o quarto com a filha da patroa, frequentando os mesmos lugares, talvez até herdando dela as roupas que ela não queria mais. Ela cresceu acreditando em meritocracia, acreditando que talvez a mãe fosse doméstica porque não se esforçou tanto, mas que se ela estudasse e se tornasse jornalista, isso seria diferente. Ela passou no vestibular “sem a ajuda do governo” e talvez nem percebesse que algumas coisas que aconteciam com ela, como ser rejeitada em um restaurante, tinham a ver com a cor da sua pele ou a textura do seu cabelo. Ela só descobriu o que é realmente ser uma mulher negra, e as implicações disso, quando foi mandada para a cadeia por causa da sua cor. Por não ter o mesmo privilégio que Débora e todas as pessoas brancas daquela festa tiveram.

Ela estava de fato consumindo drogas, mas ali ficou bem claro que a criminalização das drogas não é uma ferramenta de saúde pública, uma preocupação com o bem estar da população. A guera às drogas é uma arma para aniquilar negros e pobres. Douglas liberou a galerinha universitária alternativa e escolheu a dedo os jovens negros para a revista, como acontece todos os dias em qualquer lugar do mundo. Só ela foi condenada. Débora pode ter feito o papel de heroína no restaurante, mas não abriu mão do privilégio para ajudar Rose. Não abriu mão do conforto para visitar a amiga “quase irmã” quando ela foi transferida para um presídio distante. Continuou usando drogas nas festinhas porque sabia que, por ser branca, nunca iria para a cadeia por este tipo de crime. Isso não faz dela uma pessoa ruim, uma amiga ruim ou tira o valor de todo o apoio que ela deu a Rose durante a infância e a adolescência, mas deixa claro que ela nunca vai entender a vivência da outra.

Todos os outros episódios foram focados nos personagens que passaram sete anos na prisão, mas Rose acabou se tornando coadjuvante para contar a história de Débora. Gastamos mais tempo conhecendo o marido que faz trabalho voluntário (mas não gosta de levar bandido pra casa) e vendo a cena do estupro do que acompanhando a ex-futura-jornalista. Todos os outros condenados saíram da cadeia com uma vingança pessoal no caminho. Fátima para se vingar do seu algoz, Maurício para se vingar do algoz de Beatriz, Vicente, como algoz de Isabela, sendo alvo da vingança de Elisa. Só Rose caiu de pára-quedas em um vingança que não é a dela. Ela perdeu a mãe, perdeu o futuro que tinha pela frente, perdeu todas as oportunidades e a fé na justiça, então faz sentido que ela queira dar um sentido para seguir em frente, mesmo que esse sentido seja vingar a violência sofrida pela amiga.

Maurício

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Passamos a semana inteira assistindo ao acidente de Beatriz pelo ponto de vista de todos os personagens, isso deu o background que a série precisava para iniciar o episódio com a morte da bailarina e voltar alguns dias no tempo para contar o que aconteceu antes de tudo. Todos os episódios tiveram uma alta carga de emoção, mas o de sexta-feira conseguiu subir um tom nessa escala e comover o público mais que qualquer outro. O tema é delicado e controverso. Há quem acredite que a eutanásia é um direito humano, há quem acredite que é uma forma de assassinato. Mas neste caso, não é essa discussão que está no centro do questionamento que o episódio propõe. A trama de sexta-feira não é sobre Maurício ter recebido uma pena branda demais, pesada demais ou injusta pelo que fez. O sistema judiciário fez as vezes de vilão nas outras três histórias, por falhar nas investigações, no peso do julgamento e no veredito imposto a Vicente, Fátima e Rose. Mas não no de Maurício. Às sextas, Justiça tem um vilão. Antenor, que roubou o sócio, feriu Beatriz e fugiu sem prestar socorro.

Talvez o timing para contar essa história não tenha sido dos melhores, considerando o contexto atual do país. Estamos prestes a sediar um evento esportivo que tem pessoas com deficiência como protagonistas, estamos debatendo acessibilidade, representatividade, pensando em alternativas para que cidades, imóveis e meios de transporte sejam cada vez mais inclusivos para todos. Mostrar a morte como única alternativa para uma pessoa com deficiência justamente agora não foi a melhor das ideias. Foi importante para a narrativa, a decisão vir de Beatriz foi importante para diferenciar Vicente e Maurício, mas o diagnóstico veio rápido demais, as alternativas ainda não tinham sido estudadas, e no fim das contas ela poderia entender que por mais que fosse uma excelente bailarina, ela era mais que apenas uma bailarina.

As ligações entre as tramas foram muito bem elaboradas, a trilha sonora é encantadora e os rumos dos personagens nos próximos episódios são imprevisíveis (exceto se você gosta de ler sites de fofoca, porque já saíram vários spoilers). O melhor é que é uma série que rende muito material para debate e reflexão, as respostas não vêm prontas. O ponto baixo ainda é a forma como eles tratam as cenas que têm uma pegada mais sensual. Elas não têm nenhum destaque criativo de edição, não são particularmente importantes para a narrativa e não tem nada que justifique serem tão longas. Começam bem, mas demoram tanto a terminar que caem naquela esquina entre o tedioso e o constrangedor.

De qual história você gostou mais? O que achou sobre as sentenças de Vicente, Fátima, Rose e Maurício? Palpites sobre os próximos passos dos personagens? Deixe seu comentário e até semana que vem!


Laís Rangel

Jornalistatriz, viajante, feminista e apaixonada por séries, pole dance e musicais.

Rio de Janeiro / RJ

Série Favorita: Homeland

Não assiste de jeito nenhum: Two and a Half Men

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