Aos navegantes desavisados, Magnífica 70 pode parecer apenas mais uma pretensão de sucesso dos brasileiros que, cansados da produção novelística foram tentar a sorte na TV fechada. E talvez seja. Mas é que as vezes temos uma resistência as produções brasileiras, há quem diga que brasileiro só sabe falar sobre os mesmos temas do mesmo modo, que é só tiro, porrada e bomba. Mas parece que o jogo mudou, pouco a pouco, as séries brasileiras estão ganhando força e não estão de brincadeira.
Dessa vez a HBO, que já tem tradição em boas séries, inclusive as brasileiras, montou um time de primeira para rodar esta dramédia que aborda, de maneira instigante essa relação entre cinema e regime militar, pra provar que não só de tiro porrada e bomba vivem as produções nacionais sobre a época. E, aos desavisados: o primeiro episódio foi liberado no YouTube, assim você pode degustar antes de mergulhar nesta empreitada.
É nesse episódio que, vamos nos deliciar pela primeira vez com a bela sequencia de abertura embalada pela música Sangue Latino, da banda Secos e Molhados que nos insere neste ambiente. Somos transportados para 1973, e acompanhamos Vicente (Marcos Winter), um sensor federal de São Paulo que se envolve com a produção cinematográfica da Boca do Lixo, dominada principalmente por pornochanchadas, após se atrair pela protagonista de um filme censurado, Dora Dumar (Simone Spoladore).
Desejando conhecer a musa, Vicente convence o produtor Manolo (Adriano Garib) a refilmar uma cena para liberar o filme. É aí que tudo começar a se embolar, quando ele mergulha no mundo do cinema e passa a viver duplamente. De manhã, um ordinário sensor federal, comprometido com os interesses do estado, “da família e dos bons costumes”; de noite, um diretor de cinema da Boca, o reduto dos filmes “subversivos”, que nutre uma paixão deveras proibida: sua musa é mulher do produtor e sua esposa é filha de um general.
E nesse turbilhão de problemas surge uma série repleta de personagens carismáticos e, por que não dizer também, problemáticos que, pouco a pouco, vão sendo construídos contando suas bençãos e vivendo seus dramas um dia de cada vez, numa época em que, como enuncia o poster da série, é preciso escolher entre a censura e a liberdade, em todos os sentidos.
Dotada de uma trilha sonora com requintes de ironia e atuações interessantíssimas, as vezes teatrais e que, em alguns momentos, utilizam trejeitos novelísticos e um roteiro e ambientação fiel à época, Magnífica 70 cria uma história original sobre cinema que não se limita a falar do glamour ou da decadência e que discursa sobre a ditadura sem querer dar aula de história. Ao invés disso aproveita essa história e conduz bem seus clichês para criar uma trama de ficção densa com uma conclusão agridoce que abre um leque de possibilidades para a nova temporada que, inclusive, já foi confirmada.
Para completar, a equipes de direção e fotografia parecem ter tido carta branca do canal para criar, pois não poupam recursos, e brincam com as imagens, criando uma aura retrô e, em alguns casos, se assemelhando não a uma série de TV, mas a um filme experimental que tenta causar sensações, não apenas pelo seu enredo, mas pela sua própria estética, que se desafia o espectador, como um quadro surrealista numa exposição impressionista.
Ao que parece, a HBO reuniu toda a equipe, como faziam nossos companheiros da Boca do Lixo, e disse: Vamos fazer cinema. E cinema se fez. Magnifica 70 vale cada minuto!