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Maratona My Mad Fat Diary – 1ª Temporada

Por: em 26 de agosto de 2017

Maratona My Mad Fat Diary – 1ª Temporada

Por: em

“E se alguém encontrar esse diário, ler e chegar à conclusão de que eu sou louca... Ele está certo”.

10 de julho de 1996. É nesse ponto que nossa história – e maratona – se inicia. Após quatro meses em uma clínica psiquiátrica, tentando convencer todos ao seu redor que já não oferecia risco a si mesma, Rachel Earl finalmente reconquistou sua tão sonhada liberdade e estava prestes a voltar para casa e seus hobbies. Ainda assim, a menina não precisou de mais do que cinco minutos para se lembrar que o mundo, longe das paredes protetoras e controladas do hospital, é um lugar hostil e assustador.

Além disso, as perspectivas da garota não eram exatamente animadoras. O que esperar além de voltar para a relação conflituosa com a mãe e para adolescência sem amigos em uma cidade entediante? Bom, esse cenário desolador se alterou bruscamente quando Chloe, sua melhor amiga de infância, reapareceu em sua vida e a fez descobrir que, sim, haviam pessoas legais em Lincolnshire.

Reprodução/E4

A “gangue” é certamente um dos pontos altos dessa primeira temporada. Izzy, Chop, Archie, Finn e Chloe formam um grupo carismático, divertido e que abusa do imaginário dos jovens “descolados” que não se importam muito, e nos faz, assim como Rae, desejar fazer parte dessa turma de amigos. É interessante, de qualquer forma, perceber as relações que ela forma com cada um deles individualmente e como isso contribui para seu desenvolvimento.

Izzy é aquela amiga fofa que sempre irá tornar seu dia mais feliz e demonstrar afeto nos momentos em que você precisa. Chop, por sua vez, é aquele babaca de bom coração que acaba ganhando sua simpatia. Ele não tem tato, não tem um pingo de noção, faz comentários rudes e tem a mania de chamar Rae de Raemundo e, ainda assim,  fica claro que há um carinho real entre eles. Além disso, a amizade dos dois sempre rende interações divertidas.

Reprodução/E4

Já Archie, à primeira vista, parece o príncipe encantado, o par perfeito para nossa Rae, a outra metade de um ship de sucesso. Ledo engano, meu caro leitor. Após um encontro, um primeiro beijo e um “fora” cruel, descobrimos que o menino é gay e sua tentativa de se aproximar da garota é, na verdade, uma tentativa de “manter as aparências”. Usar Rae não foi correto, especialmente por todas as inseguranças que ela já carrega consigo. No entanto, é possível entender e sentir empatia pelos temores do rapaz. Ainda hoje vivemos uma realidade de forte preconceito e homofobia, imagina como era esse cenário há 20 anos?

A amizade que os dois desenvolvem após esse pequeno conflito, entretanto, é uma das coisas mais bonitas e delicadas da série. Rae é a primeira pessoa com quem Archie pode se abrir e ela o entende, afinal também sabe o que é ser diferente, vítima de hostilidades e carregar um segredo pesado sobre quem realmente é.

Reprodução/E4

Em mais um exemplo de “as aparências enganam” temos Finn – amor da minha vida – Nelson. À princípio rude e claramente resistente à presença de Rae, o rapaz foi mostrando que, por trás da rabugice e da personalidade fechada, havia um coração gigantesco e um jeito muito fofo de ver a vida e as pessoas. A forma como a relação entre ele e Rae é lentamente construído merece aplausos, afinal é algo sensível e inteligente.

Em seis episódios, eles saem de um ponto em que não gostam particularmente um do outro, se tornam amigos e chegam ao momento em que há claramente algo mais os unindo. Tudo acontece gradativamente, de um modo facilmente relacionável e que faz muito sentido. Rae se sente atraída pelo garoto que a ajuda em um momento difícil e, mesmo assim, leva um tempo para se encantar verdadeiramente pela pessoa que Finn esconde atrás da jaqueta de couro e da muralha que ergueu ao redor de si mesmo.

Finn, por sua vez, vai se encantando pela personalidade da menina, seu gosto musical, seu senso se humor, sua capacidade de ouvir e entender. Rae o cativa com cada uma de suas singularidades, o alegra com sua luz – aquela que ela talvez nem se der conta que emana– e se torna a única pessoa com quem ele, sempre tão calado, gosta de conversar.

Todo esse contexto, os leva ao maravilhoso momento em que Finn, envolvido em seu silêncio habitual e sua falta de jeito com palavras, se declara para Rae – da forma mais linda possível – ao som de  Champagne Supernova  (não podia ser uma música de outra banda que não Oasis, certo?). E preciso confessar que essa é de longe minha cena de “declaração” favorita da história das séries e que a revejo pelo menos uma vez por semana. É muito amor e fofura em um casal só!

Acredito, no entanto, que a relação mais emblemática do seriado se dê com Chloe. É fácil odiar a melhor amiga de Rae. É fácil até mesmo acusá-la – como a própria Rae chega a fazer – de ser uma péssima amiga. É verdade que a menina pode ser egoísta e definitivamente pulou algumas lições da cartilha da amizade, ainda assim, algo que me saltou os olhos durante essa maratona foi como o relacionamento entre as duas garotas é constantemente abalado por uma lógica – muito enraizada em ambas – de competição feminina.

Nós entendemos as inseguranças, os medos e os problemas que Rae tem consigo mesma. Mas há uma fragilidade em Chloe que talvez seja difícil perceber à primeira vista. É óbvio que a menina possui privilégios em relação à amiga de infância. Magra, dentro do padrão de beleza vigente, parte de uma família estruturada e sem ter que lidar com uma doença psicossomática, ela ocupa uma posição mais confortável no espectro social. Entretanto, sua condição como mulher é algo extremamente relevante para sua trajetória e a amizade complicada que mantém com Rachel Earl.

Reprodução/E4

A competitividade, inveja e o ressentimento que existe das duas partes é uma consequência de uma estrutura social machista que subjuga e coloca mulheres umas contra as outras. Rae sofre por não ser “feminina” – ou o que se habituou a definir como feminina –, delicada, “bonita” e desejada como Chloe que, por sua vez, sofre por não ser levada a sério, por não ser notada por qualidades que vão além das físicas, por não ser realmente respeitada e querida pelos garotos como acontece com Rae.

Embora Chloe tenha todas as características socialmente esperadas de uma mulher – e Rae se menospreze por não possuí-las,  sendo vista como um dos “caras” –, essas mesmas características a fazem ser inferiorizada, taxada de estúpida e fútil. O que ocorre, porque todas as características tidas como “femininas” são consideradas fraquezas ou deméritos aos olhos da nossa sociedade patriarcal.

Reprodução/E4

Na visão sexista de Chop e companhia, Rae é especial por não ser como as “outras garotas”, por ser divertida, inteligente, desbocada. Por ter características que foram socialmente atribuídas aos homens, “Raemundo” teria mais valor do que Chloe (ou Izzy) e estaria autorizada a fazer parte daquele clube do bolinha particular. Vale ressaltar, de qualquer forma, que todas essas características perdem seu valor quando se trata de relacionamentos amorosos e sexuais, e a feminilidade “fraca e estúpida” da mulheres como Chloe passa a ser o almejado. Cria-se, assim, o perfeito ciclo de competições, inseguranças e auto-depreciações que My Mad Fat Diary exemplifica muito bem.

Sobre Chloe ainda é preciso destacar o fato dela ter sido vítima de um relacionamento abusivo – porque um homem adulto se “envolver” com sua aluna de 16 anos é abuso e pedofilia – e precisar lidar com as consequências psicológicas e físicas disso. Em Ladies and Gentlemen, terceiro episódio da temporada, Chloe está um caco. Ela é uma menina envolvida em uma lógica de abuso, que se descobriu grávida e precisou fazer um aborto – e parabéns para o modo como a série não coloca julgamentos na decisão da garota.

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É óbvio que nosso instinto principal é sentir raiva ao vê-la abandonar Rae, logo após a garota se abrir sobre sua saúde mental e tentativa de suicídio. É óbvio também que Chloe, em várias cenas, demonstra pouca empatia pelos problemas da amiga. Entretanto, é preciso considerar que naquele momento específico ela estava especialmente fragilizada e envolvida em um contexto mais problemático e complexo que o episódio consegue transparecer. Nada disso, é claro, altera ou minimiza os impactos que sua negligência tem em Rae.

Outra relação feminina muito importante é a que se desenrola entre Rae e sua mãe. Essa havia me passado quase despercebida na primeira vez que assisti a série, no entanto, é algo fundamental não apenas para a trama, mas para a vida da adolescente. As duas mulheres têm problemas. Em todos sentidos. Seja em suas vidas pessoais, seja no convívio de mãe e filha, há muito o que precisam trabalhar. De todo modo, embora nem sempre consigam se entender ou se expressar da melhor forma (muito pelo contrário) é nítido que se amam e se preocupam uma com a outra.

Reprodução/E4

Um ponto fundamental da história de ambas é o abandono e as consequências que isso traz para suas vidas. Linda foi deixada pelo companheiro com uma filha pequena para criar. Rae foi deixada pelo pai. Mais forte do que a ausência dessa figura masculina e paterna, é a sensação de abandono. O vazio que Rae tenta preencher com a comida ou se cortando, a sensação de solidão e inadequação, o sentimento de que não é boa o suficiente para que as pessoas gostem dela e fiquem em sua vida, a certeza de que faz tudo errado e está constantemente arruinando tudo surgiriam daí. Ela até tenta negar e se convencer do contrário, mas grande parte dos seus problemas começa com esse abandono que é também o principal gatilho para sua tentativa de suicídio.

Em sua primeira temporada, My Mad Fat Diary constrói uma narrativa quase cíclica. Rae sai de um lugar em que esteve tão mal que se machucar foi a única opção que encontrou e chega a um ponto em que, mesmo quando tudo parecia impossível, optou por se agarrar à vida e lutar por sua família e amigos. Suas questões ainda não foram resolvidas, mas a terapia continua e agora ela tem certeza que não está sozinha.

Reprodução/E4

Dito tudo isso, é preciso falar sobre a protagonista e grande destaque da série. Rae é uma personagem humana e cheia de camadas. É fácil se identificar com ela em algum nível. Ainda que você nunca tenha passado pelos mesmos problemas, todos já fomos adolescentes e já sofremos por amigos ou amores, ouvimos nossos pais jogarem em nossas caras que nos sustentavam, esperamos desesperadamente pelo momento em que sairíamos de casa e poderíamos tomar nossas próprias decisões, etc. Ver esse tipo de situação em uma série teen é reconfortante, uma vez que grande parte dessas tramas trata adolescentes como mini-adultos e se afasta de grande parte dos conflitos reais dessa fase.

My Mad Fat Diary merece todos os créditos por isso e por fazer de Rachel Earl uma pessoa inspiradora. Ela tem medos, angustias, inseguranças e um milhão de problemas, que vão desde não saber o que usar em um encontro a ter que lidar com sua saúde mental e agressões gordofóbicas cada vez que sai de casa. Isso, entretanto, não anula sua inteligência,  sarcasmo, senso de humor, teimosia ou suas maravilhosas referências musicais. Rae é multifacetada, tem qualidade e defeitos, e sua existência não é limitada a seu peso, doença, gênero ou faixa etária. Uma personagem primorosa pela qual é impossível não se sentir tocado.

Observações:

    • Tix e toda sua jornada partem meu coração. Além disso, o fato dela ver Rae como sua grande inspiração e como a pessoa que  deseja ser é ao mesmo tempo bonito e triste. Queria colocá-la em um potinho e protegê-la de todo mal;
    • A relação entre Rae e Kester também é muito importante para toda a dinâmica da série. Talvez ultrapasse um pouco os limites profissionais, mas as provocações e questionamentos do psicólogo (que também é um personagem muito bem construído) são essenciais para a garota;
    • Danny dando aula sobre friendzone sempre me mata de rir;
    • Como não shipar Chop e Izzie?
    • Chop cantando Champagne Supernova é um momento icônico do season finale que eu tinha esquecido;
    • My Mad Fat Diary é a única série que vai te fazer lembrar de todas as brigas idiotas que você teve com sua mãe enquanto crescia. Até aquelas envolvendo absorventes. Adolescência nunca foi retratada de uma forma tão honesta e crua;
    • Vocês perceberam que o Kester é o Professor Quirrell  de Harry Potter? Eu só percebi quando a Cristal me contou. Sigo impactada;
    • Tem coisa mais maravilhosa que aquele telefone rosa em forma de sapato da Chloe? Anos 90 eu te venero!
    • Eu amo muito o figurino dessa série e sinto vontade de assaltar o guarda-roupa de todo mundo. Anos 90 eu te venero 2!
    • É necessário dizer que a trilha sonora é maravilhosa? Anos 90 eu te venero 3!
    • Karim é aquele personagem pelo qual eu tenho um carinho gigante e meio gratuito, mas tudo bem;
    • Adoro o modo como Rae fala – pensa – em sexo sem grandes pudores.
    • Peço desculpas pelo atraso no texto. Tive um problema pessoal ontem e só consegui postar agora. Mas o resto da maratona seguirá sem atrasos.

Gostou dessa primeira temporada? Então, separa os lencinhos, porque a segunda é ainda mais emocionante!


Thais Medeiros

Uma fangirl desastrada, melodramática e indecisa, tentando (sem muito sucesso) sobreviver ao mundo dos adultos. Louca dos signos e das fanfics e convicta de que a Lufa-Lufa é a melhor casa de Hogwarts. Se pudesse viveria de açaí e pão de queijo.

Paracatu/ MG

Série Favorita: My Mad Fat Diary

Não assiste de jeito nenhum: Revenge

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