Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

De Lucy a June: 7 gerações de protagonistas femininas nas séries

Por: em 23 de setembro de 2017

De Lucy a June: 7 gerações de protagonistas femininas nas séries

Por: em

As recentes vitórias de The Handmaid’s Tale, Big Little Lies e San Junipero no Emmy são um sinal de que vivemos tempos diferentes. Tempos em que falar sobre mulheres, sob a perspectiva de mulheres, não é mais apenas uma subcategoria de literatura, cinema ou TV. Tempos em que narrativas com diferentes perspectivas femininas podem estar inseridas em diversos contextos e serem valorizadas por isso.  Mas o caminho até aqui foi longo, e ainda está longe de ser o ideal. Confira neste post o perfil das protagonistas femininas na TV ao longo das últimas sete décadas.

50’s: O primeiro fenômeno

I Love Lucy

A primeira grande série de sucesso da TV era protagonizada por uma mulher. I Love Lucy  reproduzia uma fórmula já bem aceita pelo público no programa de rádio “My Favorite Husband”, sobre a rotina de um casal de classe média e ganhou ainda mais fama quando foi para a televisão. A década de 50 foi marcada por séries de aventura como Zorro, Superman, Maverick e a Patrulha Rodoviária, mas nenhuma delas alcançou os números e o status de I Love Lucy. A fórmula era simples, mas Lucy era uma protagonista magnética que rapidamente se tornou um ícone na TV mundial.

Lucille Ball foi a grande responsável pelo sucesso do show, pois além do inegável talento e carisma como comediante e protagonista, Lucy também era uma voz ativa nos bastidores. Tomava decisões sobre o elenco, tinha os padrões mais elevados de qualidade para o show, e foi a primeira mulher na televisão a ser dona de uma empresa de produção, que foi responsável por clássicos como Os Intocáveis, Missão Impossível e Star Trek.

Séries da época: I Love Lucy (1951)

60’s: Mulheres mágicas

I Dream of Jennie, Bewitched

Comédias leves, cheias de estereótipos e mulheres com poderes sobrenaturais marcaram os anos 60. As protagonistas femininas mais populares da época eram Jeannie (que é um gênio), que se apaixonou pelo seu amo, foi morar com ele e aprontava altas confusões na sessão da tarde enquanto realizava seus desejos, e Samantha, a feiticeira dona de casa que tenta reprimir sua natureza “mágica” para se comportar como uma típica esposa suburbana e não irritar o marido.

Em ambas as séries, as protagonistas eram mulheres loiras, lindas e com grandes poderes, mas que precisavam ser reprimidos ou utilizados apenas em benefício dos seus parceiros. A graça das séries era vê-las tentando, de forma cômica e às vezes atrapalhada, se encaixar no padrão de esposa perfeita que a sociedade americana exigia.

Séries da época: A Feiticeira (Bewitched, 1964), Jennie é um gênio (I Dream of Jeannie, 1965).

70’s: Super beldades em ação

Charlie’s Angels, Wonder Woman, The Bionic Woman

Desde os anos 50, as séries de ação eram garantia de sucesso e tinham um público cativo, mas só nos anos 70 as mulheres começaram a ganhar espaço neste nicho. Pela primeira vez, as protagonistas femininas começaram a sair em massa do ambiente doméstico para combater o crime, lutar e defender a ordem da sociedade… desde que fizessem isso em cima do  salto alto, maquiadas, com roupas que valorizassem suas curvas perfeitas e sem deixar um fio de cabelo fora do lugar, é claro.

Pode parecer que essa leitura crítica é fruto do nosso olhar atual e das nossas expectativas de representação, mas já nos anos 70 este tipo de produção recebia um feeedback negativo dos críticos por usar exageradamente a sexualidade de jovens mulheres para atrair audiência. O termo Jiggle TV, que denomina programas com uso exagerado de mulheres com poucas roupas, é frequentemente atribuído às produções da época.

Séries da época: As Panteras (Charlie’s Angels, 1976), Mulher Maravilha (Wonder Woman, 1975), A Mulher Biônica (The Bionic Woman, 1976).

80’s: Meninas de Ouro

Punky Brewster, Golden Girls, Small Wonder

Se você pensar na estética dos anos 80, a imagem que vem à cabeça deve ter a ver com exageros, alegria e uma pitada de nonsense. Na TV, não foi muito diferente. Era uma época de experimentações, de tentativas de renovação, de relances de ousadia, mas ainda um grande apego ao tradicional. Trocaram alguns decotes exuberantes por garotinhas inocentes e idosas divertidas, que pela primeira vez apareceram como protagonistas de séries de TV.

Provavelmente é um exagero apontar as Golden Girls, Punky ou Vicky como protagonistas revolucionárias. Mas de alguma forma, em algum nível, elas abriram espaço para que hoje em dia tenhamos séries protagonizadas por Grace, Frankie e Eleven, por exemplo.

Séries da época: Punky, a Levada da Breca (Punky Brewster, 1984), As Super Gatas (Golden Girls, 1985), Super Vicky (Small Wonder, 1985).

90’s: (White) Girl Power

The X-Files, Sabrina the Teenage Witch, Buffy the Vampire Slayer, Sex and the City

Os anos 90 marcaram uma onda de Girl Power na TV, com séries mostrando mulheres poderosas, independentes, fortes e inteligentes entrando em ação sem precisar necessariamente usar uniformes minúsculos (embora algumas ainda usassem). As mulheres belas, mágicas e do lar deram lugar a bruxinhas mais descoladas, com uma vida além da rotina doméstica, a uma caçadora de vampiros durona e a uma agente racional em um sci-fi sobre alienígenas.

Também nos anos 90, uma série que falava abertamente sobre – entre outras coisas – a vida sexual de quatro mulheres em NY caiu no gosto do público, o que é um indício de quebra de paradigma. O grande problema desta época é que por mais que as narrativas femininas estivessem começando a se diversificar, a maioria esmagadora dessas mulheres poderosas era branca. Elas não estavam sempre em roupas curtas e apertadas, mas continuavam precisando seguir o padrão de beleza para protagonizar uma série, e, na maior parte das vezes, só estavam reproduzindo papéis semelhantes aos que o público já estava acostumado a ver interpretados por homens.

Séries da época: Buffy (1997), Sex and the City (1998), Sabrina (1996), Arquivo X (The X Files, 1993).

2000’s: Comuns sim, banais nunca

Gilmore Girls, Alias, Veronica Mars, The Good Wife, Glee

Entre ícones da moda e mulheres com poderes mágicos, talvez o público tenha sentido falta de encontrar na TV personagens com quem pudesse se identificar. Nos anos 2000, as séries começaram a mostrar que mulheres comuns não são mulheres fracas ou sem ambições, elas também podem ser protagonistas interessantes. Ganharam força as tramas sobre mulheres empurradas para fora da sua zona de conforto, e daquelas que desafiavam as regras e padrões do meio em que nasceram ou viviam.

Até as heroínas de ação ganharam um background familiar mais complexo, com novas camadas. As anti-heroínas começaram a surgir com mais frequência, tomando o lugar que antes era ocupado apenas por mocinhas ou vilãs. Uma terceira via surgiu entre as tramas femininas com temática fútil e as que eram protagonizadas por mulheres, mas não tratavam de nenhuma questão importante sobre mulheres.

Séries da época: Gilmore Girls (2000), Alias (2001), Grey’s Anatomy (2004), Veronica Mars (2004), The Good Wife (2009), Glee (2009).

2010’s: Mais, mais diversas e falando sobre mulheres

How to get Away With Murder, Orange is the New Black, Homeland, Big Little Lies, The Handmaid’s Tale, Black Mirror, Orphan Black, Jessica Jones, Dear White People

Na última década, grupos historicamente silenciados levantaram suas vozes. Reivindicaram respeito, visibilidade, direitos básicos. Ganharam força, apesar de enfrentarem uma onda conservadora cada vez mais violenta. Exigiram que suas histórias fossem contadas também, com dignidade e não sob um filtro superficial de estereótipos. Séries centradas em mulheres se tornaram mais numerosas. Mulheres além do padrão branco-magro-hetero-neurotípico começaram a ser retratadas na TV. O “universo feminino” protagonizado por mulheres deixou de ser apenas a busca por um par romântico, exaltação de ícones de beleza e rivalidade feminina.

Séries protagonizadas por mulheres não são mais um nicho de TV. Elas falam sobre política, história, pautas sociais, e mesmo quando o foco está nos romances ou em ação, a construção das personagens é diferente da que se mostrava no passado. Temos séries protagonizadas por mulheres negras em posições de poder, por personagens LGBT, séries de heróis falando sobre relacionamentos abusivos, ficção científica sobre autonomia feminina, abordagens mais profundas sobre violência doméstica, violência sexual e direitos reprodutivos. Hoje, quando se fala de opressão às mulheres na TV, isso é feito sob lentes críticas, para causar incômodo, e não como algo natural ou divertido.

June – ou Offred – por exemplo, é uma personagem compreensível para todos os públicos, mas que só faz sentido por ser uma mulher. Uma protagonista que vive em um ambiente de extrema opressão, é desumanizada de todas as formas possíveis ao mesmo tempo em que é uma das personagens mais humanas que já foram criadas. The Handmaid’s Tale é uma representação do presente distópico de milhares de mulheres ao redor do mundo, e um futuro assustadoramente próximo de todas as outras.

Séries da época: Homeland (2011), Orange is The New Black (2013), Orphan Black (2013), Jessica Jones (2015), Dear White People (2017), How to Get Away With Murder (2014), Big Little Lies (2017), The Handmaid’s Tale (2017), etc.

É importante ressaltar que personagens femininas fortes e independentes não são uma exclusividade dos últimos anos. Na década de 60 já tínhamos Uhura, uma mulher negra, na tripulação da Enterprise, só para dar um exemplo entre muitos. Mas essas personagens normalmente serviam de apoio dentro de narrativas protagonizadas por homens.

E para o futuro?

Comparando a realidade atual com o passado, os avanços são claros na representação das mulheres na TV, mas ainda há muito para conquistar. Mesmo em algumas das séries consideradas feministas, ainda existe uma predominância de homens por trás das câmeras. Roteiristas, produtores, diretores, showrunners. Eles ainda dominam este mercado e, ainda que façam um bom trabalho, é preciso estender as oportunidades para outros grupos também, principalmente quando a série é sobre as suas questões mais sensíveis.

Sim, temos uma Shonda Rhimes que é mulher, negra e um nome extremamente respeitado na sua área. Mas por que só podemos ter uma Shonda, enquanto existem dezenas de Josh Safran, David Benioff, JJ Abrams, Alex Gansa, Carlton Cuse, Damon Lindelof, Ryan Murphy, e mais uma lista sem fim? É muito bom ver narrativas sobre mulheres sendo premiadas, mas vai ser melhor ainda quando mulheres receberem os prêmios por essas produções. Se Lucille Ball conseguiu deixar um legado tão marcante nos anos 50, não há motivos para em 2017 a indústria do entretenimento ainda não dar oportunidades iguais para homens e mulheres.

Por outro lado, todo esse avanço ainda enfrenta um conservadorismo cada vez mais perigoso e apoiado por uma grande parcela da população. Por um público que se acostumou a ver apenas as suas histórias sendo contadas e não aceita dividir este espaço com outros grupos. A rejeição ao que se chama de “agenda politicamente correta” e a normalização dos discursos de ódio podem retroceder em algumas décadas a jornada para chegar até aqui.

Por fim, esta análise é sobre um quadro geral de alguns dos programas de maior popularidade e/ou relevância protagonizados por mulheres de cada época, mas essa linha do tempo é bastante subjetiva. Algumas séries atravessaram gerações e evoluíram dentro de novos contextos. Existiram séries fora do mainstream com representação feminina diversa mesmo em décadas passadas, assim como ainda hoje existem séries que retratam a mulher de forma degradante, estereotipada, ou simplesmente nem retratam.

De qualquer forma, é importante perceber que o público não é mais um fator completamente passivo nessa equação. Os produtos para que direcionamos nossa audiência, os autores que prestigiamos, os debates que levantamos, as questões que exigimos ver e as questões que não aceitamos mais direcionaram o rumos da história e vão continuar direcionando as próximas gerações.


Laís Rangel

Jornalistatriz, viajante, feminista e apaixonada por séries, pole dance e musicais.

Rio de Janeiro / RJ

Série Favorita: Homeland

Não assiste de jeito nenhum: Two and a Half Men

×