Se depois do Piloto nós vimos Outcast colocando o pé no freio no desenvolvimento da sua história – focando em exorcismos que pouco adicionaram ao enredo principal – A Wrath Unseen veio para compensar esse movimento, aprofundando-se um pouco mais e representando um belo progresso na história.
Serei justa – em um ano onde acompanhamos belíssima séries provenientes de adaptações como Demolidor, Game of Thrones e The Walking Dead (também idealizada por Robert Kirkman) – o que ainda pesa aqui talvez seja a falta de “apego” dos espectadores para com os personagens que, querendo ou não, não foram muito bem apresentados ao público. Mergulhamos sem respirar dentro da loucura assustadora que sempre foi a vida de Kyle Barnes, sem antes entendermos de onde ele vem e os motivos que fazem dele o homem que ele é, bem como os que o cercam. Mas, como eu disse, esta semana foi diferente – ainda bem.
Acredito que esse sentimento de uma melhor elaboração das coisas venha do fato de toda o jogo de gato e rato entre os demônios e o Reverendo Anderson, à quem falta um pouco de carisma – além de ser um homem míope por suas crenças – tenha ficado um pouco de lado aqui. Em A Wrath Unseen o que mais assuntou foram as pessoas de verdade, o mal que vêm não de entidades sobrenaturais, mas da capacidade do ser humano de fazê-lo. Em recente entrevista, os produtores executivos de Game of Thrones disseram que os maiores vilões não são as entidades do mal que nunca conheceram outra natureza, mas sim àqueles que diante da escolha entre isso e fazer o bem, optam por seguir o pior caminho – por livre e espontâneo arbítrio.
Finalmente nos foi contado um pouco mais do passado de Megan e Kyle – explicando o motivo do apego da irmã ao protagonista. Depois do episódio que culminou da internação de Sarah Barnes, Kyle foi adotado pela família de Megan – que aparentemente servia de lar para outras crianças, talvez a própria ruiva também fosse uma órfã, mas isso não ficou claro. O grande virada é que no mesmo contexto estava também Donnie, o homem que apareceu no episódio anterior e deixou a esposa de Mark extremamente perturbada.
O abuso sexual sofrido por ela era algo que havia ficado “subentendido” em All Alone Now e ficou escancarado agora. Todo temor de Megan se concretiza quando Donnie faz o primeiro movimento de aproximação ao cinicamente interromper a tentativa de um jantar romântico dela com o marido. Não sei vocês, mas foi profundamente aflitivo vê-la obrigada a passar por aquela situação. Já não bastava saber que seu agressor estava de volta a pequeníssima Roma, ele não se intimidou e invadiu o seu momento com Mark. Isso caracteriza muito bem que traumas como esse, por mais que se tente enterrá-los, acabam por contaminar qualquer tentativa de vida feliz da pessoa que sofreu com a violência.
Violência esta que claramente envolveu Kyle, que provou mais uma vez não ser a pessoa que todos acham – e também o motivo de todo apreço por parte da irmã. A sua reação ao encontrar com Donnie foi completamente instintiva – e instinto foi algo que Megan precisou conter no restaurante. Kyle claramente não se acovardou perante o estuprador da irmã, mesmo sendo subjugado fisicamente. Ele poderia apanhar o quanto fosse necessário, se isso significasse que ela ficasse em paz. Mais uma vez o caráter altruísta dele é demonstrado em um sacrifício – afinal, ele anteriormente já se deixou culpar pela agressão da filha para não comprometer a vida da esposa, responsável por deixar Amber no hospital por semanas depois de uma possessão,
Por mais que Megan tentasse se fazer de forte, ficou tangível o quanto o retorno de Donnie mexia com ela. Ela teve coragem de novamente retornar ao hotel e enfrentar seu estuprador que à princípio tentou relativizar todo seu histórico de agressão, por conta das consequências posteriores deste fato em sua vida. Em uma tentativa comum neste tipo de situação, Donnie tenta inclusive imputar uma culpa inexistente na irmã de Kyle, afinal a vida de um agressor sexual não deve ser nada fácil – ainda mais depois de tudo vir a tona #ironiamodeon
A traumática experiência de Megan também veio para provar que todos possuem seus próprios demônios, mesmo que eles não sejam ligados ao tinhoso. A Wrath Unseen utilizou um flashback assustador para exemplificar a regularidade com que Donnie estuprava uma completamente encurralada Megan – e, que, aparentemente continuou morando na casa em que passou por esta experiência horrorosa.
A grata surpresa, mais uma vez, foi a reação de Mark. Se nos dois primeiros episódios ele foi colocado como típico policial canastrão, nestes dois últimos ele provou ser um homem completamente distante dessa figura. Primeiro, All Alone Now mostrou que apesar de tudo, ele e Megan mantinham um relacionamento saudável – tanto na intimidade, quanto para com a sua filha. Depois, no meio da relação, quando a esposa desiste de continuar, ele se mostra completamente compreensivo e não força a barra – agora ele se despiu de qualquer pose para fazer o que qualquer um faria para proteger a sua família, inclusive se reaproximar do cunhado.
Para mim, a conversa entre Kyle e Mark foi uma das melhores cenas do episódio – pois o protagonista, mesmo sem falar, conseguiu fazer o policial realizar que esteve diante do estuprador da esposa na noite anterior. Além disso, a sequência esclareceu o motivo de Megan se importar tanto com o irmão, já que o mesmo – ao descobrir o que Donnie fazia – passou a tentar protegê-la, nem que isso significasse apanhar. Muito. Mas, pelo visto, de alguma forma, acabou sendo efetivo – já que, eventualmente, Donnie acabou sendo expulso da casa de Megan.
A sequência em que Mark se utiliza da sua investidura como policial para subjugar Donnie foi uma cena de lavar a alma, apesar de saber que isso provavelmente trará sérias consequências para a vida dele, já que tudo foi gravado pela câmera da viatura. A forma com que ele tenta digerir tudo, sem dividir o acontecido com a mulher, mais uma vez serve para redimi-lo pela ignorância que ele apresentou à princípio. A conclusão do episódio veio em uma bela cena, onde Megan – no auge da sua agonia e raiva – extravasa todo esse sentimento quebrando copos. A princípio eu acreditei que ela fosse treinar tiros, mas isso não traduziria a quantidade de dor que ela sente por, mais uma vez, ter ficado impotente frente ao seu agressor. Espero que a abordagem deste arco mantenha a linha e que, no final, Donnie sirva de cavalo para um caboclo do mato bem revoltado por tudo que ele fez – que nenhum passe de Kyle ou do papa dê jeito de acabar com o sofrimento dele. Já estou torcendo bastante para ele se ferrar.
Quem também mudou de comportamento foi o Chefe Gilies. Depois da sua atitude quando Mark chegou com o relógio e os outros itens que recolheu na mata, era óbvio que havia algum tipo de envolvimento ou informação privilegiada que ele não gostaria de dividir com seu subalterno. Mas, como diz o velho ditado “Não confio em pessoas que não gostam de cachorro, mas confio totalmente num cachorro quando ele não gosta de uma pessoa.”.
Durante uma social em sua casa e depois do seu cachorro reagir agressivamente a presença de um amigo, que eu não tenho noção do nome, nós ficamos sabendo que o mesmo era o dono do relógio encontrado dentro daquele trailer abandonado. Foi um certo alívio perceber que Gilies não é bobo e apenas confiou na sua experiência para fazer uma primeira avaliação do cenário antes de colocar todos os seus recursos naquela investigação. O Xerife provou também ser corajoso ao adentrar sozinho naquela floresta sinistra, para no final testemunhar o suposto amigo da família ateando fogo ao veículo onde Mark se deparou com todos aqueles indícios. Mais uma vez há a ideia de que não são necessariamente os demônios que devem ser temidos.
Mas, já que Outcast gira originalmente em torno do tema, nesta semana o sobrenatural veio mais latente. Caso vocês não se lembrem, a idosa Mildred faz parte do clube de comadres que toma chá com o Reverendo nas tardes depois dos sermões. Nada obstante, vale ressaltar que mais uma vez Anderson se viu confrontado pela própria inabilidade de fazer valer a sua fé. Por mais que ele seja um clérigo temente à Deus, isso não aparenta bastar para tirar os demônios das pessoas. Semana passada vimos que ele está desconfortável pelo fato de ser questionado pelo próprio demônio que possuía Blake e agora Kyle coloca em cheque a eficácia do exorcismo efetuado em Mildred, bem como a avaliação posterior de Anderson – já que o mesmo frequentou a casa da senhorinha e disse que o fato dela se manter presente durante seus sermões seria uma prova de que ela estava livre de qualquer sombra do capeta.
Mas está bem claro que não. Não só muito provavelmente o demônio que habita aquela idosa bem assustadora – a atriz Grace Zabriskie tem um longo currículo em produções do gênero, como O Grito, O Filho do Demônio, Twin Peaks – como o ente que habita o corpo dela parece ter aprendido à se disfarçar. A ponto de dissimular o próprio exorcismo perpetrado por Anderson para a sua filha, que impediu que ele adentrasse na casa dela novamente quando este retorna depois de realizar que mais uma vez, ele estava errado. Mas a importante pergunta que surge disso – e que deve movimentar a trama daqui para frente – é de mais quem a avaliação sobre a expulsão do que fosse que habitava o corpo Anderson tinha se enganado. Kyle deixou bem claro que o Reverendo efetuou o exorcismo da sua esposa, logo devemos vê-los novamente juntos confrontando o passado em breve.
A Wrath Unseen provou que a presença de más vibrações em Roma pode estar mais forte do nunca, seja pelo elemento humano ou por entidades sobrenaturais que aparentam dissimular muito bem a sua presença. Inclusive finalmente descobrimos o nome do velhinho Formation Tour, que apareceu no enterro de Norville no início do episódio. Certamente ele foi responsável pelo “suicídio” do vizinho de Kyle e utilizará essa primeira aproximação para chegar cada vez mais perto do protagonista – claramente Sidney consegue embaçar muito bem suas reais intenções – mas elas definitivamente não são nada boas.
Fique agora com a promo de The Road Before Us, que vai ao ar dia 1º nos Estados Unidos e dia 3 na Fox Brasil.
O que você achou do episódio? Também sentiu uma melhora em relação aos outros? Fique a vontade para comentar e complementar a resenha, a casa é sua!
-Observações:
– O fato de Mildred ter alguma ascendência alemã, e pela sua idade, já me faz pensar nela jovem durante a 2º guerra mundial… Claro que do lado de Hitler.
– Quando ela questiona sobre Joshua, me pareceu que o que for que estivesse dentro dela estava querendo saber mais informações sobre esta outra entidade. O que quer que habite Mildred parece ser algo mais evoluído a ponto de aparentar ser mais humano que as outras possessões.
– Definitivamente o episódio da possessão de Allison e consequente agressão de Amber fez com que Barnes estragasse a sua vida. Ele não só assumiu a culpa pelo estado da filha, como tomou uma ordem de restrição. Ou seja, se ele chegar perto da família novamente ele será conduzido diretamente para o xadrez.
– Outcast está se aproximando da metada da temporada, então é razoável que nós esperemos uma virada significativa na história. Chega de exposição, está na hora de vermos um pouco de ação. Porque ninguém merece nadar muito e morrer na praia.
– Kyle não conseguiu tomar a Budzinha dele em paz! Me manda um Whatsapp!
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