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Uma temporada de rebelião em Orange is the New Black

Por: em 10 de junho de 2017

Uma temporada de rebelião em Orange is the New Black

Por: em

Spoiler Alert!

Este texto contém spoilers pesados,

siga por sua conta e risco.

Lembram da primeira temporada de Orange is the New Black? Dente de leão, galinha, chave de fenda? Aquela série sobre o cotidiano de uma garota de classe média na cadeia evoluiu, se transformou, entrou em temas cada vez mais profundos por caminhos cada vez mais sombrios, que culminaram em uma quarta temporada praticamente irreconhecível. O quinto ano da série precisava esclarecer para a audiência que tipo de narrativa era aquela, e para onde eles vão nos levar daqui pra frente. Em uma temporada completamente ambientada dentro de uma rebelião, a própria Orange precisou se rebelar do que tinha construído até aqui para abrir esse caminho.

Reprodução Netflix

O grande mote da série sempre foi fazer sua audiência se colocar no lugar daquelas criminosas  e enxerga-las como humanas, e despertar empatia é uma tarefa diretamente ligada a como essas histórias são contadas. Para que entendêssemos o caos, o esgotamento mental e o turbilhão de estresse e emoções afloradas que as presas passaram naquelas 72 horas de rebelião, a temporada inteira se passou dentro daquele espaço de tempo, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, um protagonismo completamente pulverizado entre todos os núcleos e uma transferência de poder dos guardas para as presas.

Alguns artifícios deste ano foram uma tentativa de recuperar o clima ameno do início da série, mas, como eles mesmos concluíram, torrada não volta a ser pão. Um show de talentos, uma roda para falar com fantasmas, audições zoadas para um memorial, uma paródia de filmes de terror e uma recauchutada no visual das personagens talvez funcionassem muito bem em outros momentos da série, mas não depois de todo o trauma que elas passaram. Não sob aquele nível de tensão, e não tão bruscamente. A série estava a um passo de se tornar a nova Oz, e de repente fomos jogados na sessão da tarde, em “Uma rebelião do barulho”.

Na primeira metade da temporada, tinha muito acontecendo, mas nada importava. Alguns plots foram atropelados e mal trabalhados, como o luto de Taystee e Soso, ou as viradas de mesa para Judy King. Em outros, o foco estava em personagens com quem ninguém se importa, como Angie e Leanne, Linda, e as meninas do café. E tinha aqueles que não agradavam porque já tínhamos visto aquelas histórias antes, como um cara fugindo da responsabilidade de ser pai, Nicky tendo DRs com Morello, Alex e Piper não conseguindo entrar em consenso, as presas se juntando para fazer uma lista de melhorias e colocando itens absurdos, etc. Enquanto isso, Red, Crazy Eyes, Gloria e Sophia ficaram flutuando em aparições pouco expressivas.

Reprodução Netflix

Os flashbacks chegaram no mesmo problema em que todas as séries que usam desse recurso chegam. Ele está ali para preencher espaço, e nem sempre acrescenta algo relevante para a narrativa. Às vezes é bom para apresentar o personagem, mas não se conecta em quase nada com os acontecimentos do presente, como o da Alison convencendo o marido a ter uma segunda esposa. Às vezes se conecta com os acontecimentos do presente, mas entra em contradição com informações anteriores, como o que mostrou Red como uma garota durona e revolucionária, nada parecida com a que vimos antes da prisão ou nos seus primeiros anos lá, quando conheceu Vee. E há ainda aqueles desastres de irrelevância, como mostrar a amiga da Linda congelada, a Piper tatuando um peixe e o Larry um kissuco na bunda.

Não acredito que abrir mão deles seja a solução, afinal, a temporada não seria a mesma e não teria tanta força sem o passado de Watson escancarando as injustiças, desigualdades e apropriações que levam mulheres brilhantes a definharem com seus direitos humanos desrespeitados dentro de cadeias. Ao mostrar a história de Piscatella, a série deu novos contornos ao personagem, revelando suas vulnerabilidades e motivações, e também deu novos contornos a Red e Taystee, que tinham justificativas suficientes para tortura-lo e mata-lo, como ele fez ao queimar vivo o estuprador do seu namorado, mas optaram por não seguir aquele mesmo caminho.  A escolha dos personagens também deveria ser repensada, e em vez de inventarem mais histórias pouco relevantes sobre o passado de Piper, Alex, Red, Daya e Taystee, focar naqueles que nunca vimos antes, como a Yoga.

Mas se pouca coisa se salva na primeira metade da temporada, a reta final compensa grande parte das falhas com maestria. Quando as presas resolvem queimar os cheetos, a própria série decreta que a brincadeira de rebelião acabou, agora o assunto é entre adultos e a dignidade daquelas pessoas não pode ser barganhada por pacotes de salgadinho. Litchfield está à frente de uma revolução que pode abalar todo o sistema carcerário americano, as empresas privadas por trás dele, e trazer para um debate público a situação de mulheres que, até então, eram invisíveis. Litchfield vira o que Orange is the New Black se propõe a ser, só que transmitida em primeira pessoa via Youtube, Facebook e Instagram Stories.

Reprodução Netflix

E que acerto maravilhoso foi colocar Taystee à frente das negociações com o governo. Danielle Brooks mostrou o quanto amadureceu como atriz nos últimos anos e entregou um desempenho no mesmo nível que o das estrelas mais badaladas do show, como Uzo e Kate. Enquanto todo mundo estava aproveitando a festa não supervisionada, Tasha se preparou, usou a internet para embasar seus cálculos e, mesmo em desvantagem acadêmica, social e até mesmo etária, devorou Natalie com os argumentos de que é possível, sim, dar dignidade a elas. Taystee estava desgastada emocionalmente, fisicamente, sofrendo em luto, e mesmo assim conseguiu fazer com que o governador cedesse a quase todas as exigências. Seria maravilhoso ver um final feliz em que ela salva o dia, mas toda a rebelião foi um grito para que elas fossem vistas como humanas, e humanos cometem erros, são orgulhosos, egoístas e imprudentes. Foi justamente a humanidade delas que fez tudo dar errado ao mesmo tempo.

Maria e Gloria sabiam o que estava em jogo para todas ali, sabiam o que era certo para o grupo, mas preferiram colocar seus entes queridos em primeiro lugar e libertar os reféns em troca de benefícios individuais. Red queria que Piscatella pagasse pelos seus crimes, que confessasse que foi responsável pela morte de um homem e pelas diversas violações que ela e suas companheiras sofreram, mas foi irresponsável na forma como fez isso e colocou em risco a própria vida e a vida de todas que a amavam. E Taystee iniciou uma revolução para fazer justiça por Poussey, mas se perdeu nas suas próprias convicções, na linha entre o que era justiça e o que era vingança, e jogou fora a chance de promover uma reforma sem precedentes naquela penitenciária.

Red teve seus altos e baixos, mas continua sendo uma das melhores personagens da série, e tudo em volta dela se torna interessante. Ela e Blanca foram particularmente afetadas pelos abusos de Piscatella e a parceria que formaram para desmascara-lo estava a um passo de se tornar cansativa, mas foi salva pelo carisma das personagens e a competência das atrizes. As cenas em que é torturada na frente do seu grupo são, de longe, as mais pesadas da temporada, e uma representação gráfica e concisa de ideias que a série sempre transmitiu. A vulnerabilidade daquelas mulheres, de mãos atadas enquanto são vítimas de um tutor com poderes concedidos pelo Estado. A certeza de Piscatella na impunidade, por estar em uma posição de poder. A resistência delas em se curvarem, mesmo em óbvia desvantagem. A forma como elas arriscam suas vidas umas pelas outras, apesar das diferenças. E mesmo no meio da tragédia, coube humor. Um humor cínico, sarcástico e que não diminuiu as tensões da cena. O tipo de humor que Orange is the New Black precisava desesperadamente encontrar.

Reprodução Netflix

Red e Taystee poderiam ter matado Piscatella. Elas provavelmente seriam absolvidas por isso depois que o vídeo da tortura viralizou, e pela audiência da série, assim como Miss Rosa e Alex foram absolvidas depois de matarem alguém. O debate que elas tiveram sobre ele merecer ou não aquela punição é complexo demais para esse texto, mas o fato é que elas tinham o poder de fazer aquilo nas mãos. Assim como ele pôde se vingar das agressões ao homem que amava, e o fez. Mas quando elas escolhem deixa-lo ir, elas escolhem também não abrirem a porta para um dia se tornarem o que ele se tornou. E a ironia mora no fato de que ele foi poupado por elas, para em seguida ser morto pelo sistema que ele tinha certeza que o protegeria.  Por seus semelhantes, profissionais sem treinamento e que atiram antes de perguntar.

Terminamos com a maior parte das detentas sem um destino certo, sendo separadas das suas amigas, duas fugitivas e um grupo de resistentes prestes a encarar um batalhão nada pacífico. É um encerramento estraga prazeres, mas que não causa tanta apreensão quanto alguns dos anteriores. O protagonismo da série pode até estar pulverizado, mas sabemos que justamente aquelas que estão na piscina são as personagens-chave de cada núcleo, então não existe perigo real de perdermos todas ali. Sobre as separações, já vimos isso antes. Duas vezes, no mínimo. Não foi à frente antes e é pouco provável que vá à frente agora, até porque separar Flaritza seria um baita tiro no pé.

Foi difícil para eles encontrarem o tom dessa temporada, porque na verdade essa era uma busca para encontrar o tom do que a série vai ser daqui em diante. O que ficou claro é que eles precisam enxugar muita coisa: personagens que entraram na era da superlotação, mas ninguém decorou o nome até hoje, flashbacks desnecessários, a duração de alguns plots que se arrastam por tempo demais, e os excessos tanto na comédia quanto na tragédia, já que a ideia sempre foi manter a série no meio do caminho. As detentas podem ter morrido na praia e saído da rebelião sem avançar em nada do que esperavam, mas Orange is the New Black parece ter conseguido usar o período de caos para se organizar e manter sua essência.

Já terminou a temporada? Deixe suas impressões nos comentários e até a próxima!


Laís Rangel

Jornalistatriz, viajante, feminista e apaixonada por séries, pole dance e musicais.

Rio de Janeiro / RJ

Série Favorita: Homeland

Não assiste de jeito nenhum: Two and a Half Men

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